Entrevista do conselheiro Jorge Pegado Liz para Netconsumo, portal Direito do Consumo (Brasil) e Revista do Consumidor (digital)

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Jorge Pegado Liz foi o relator do Parecer de Iniciativa do CESE (Comité Económico e Social Europeu) que, aprovado de forma maciça (130 votos a favor, 3 abstenções e sem qualquer voto contra), contemplou a problemática da publicidade infantojuvenil no seio da União Europeia como algo de relevância inquestionável, a carecer de intervenção decisiva

1. Que sentimento o dominou quando do escrutínio do parecer de que, no seio do CESE, foi relator?

Desde logo o sentimento do dever cumprido. Foi com entusiasmo que abracei a sugestão do meu estimado amigo professor Mário Frota para suscitar a questão da publicidade infantojuvenil no seio do CESE, onde se reúnem os representantes da sociedade civil organizada da União Europeia.

Face à manifesta evidência de que se está perante uma questão fundamental de proteção de direitos humanos - os direitos das crianças e dos jovens face à atividade publicitária em todas as suas formas - que não tem sido devidamente encarada pela União Europeia no quadro do seu sistema jurídico vigente, o Bureau do CESE, se ao princípio se mostrou reticente, acabou por aceder a autorizar-me a levar por diante este parecer de iniciativa.

A minha sensação, ao ver conirmado o parecer por uma votação expressiva dos meus colegas de todos os quadrantes, sem qualquer proposta de alteração e sem votos contra, foi de enorme satisfação, por julgar ter contribuído para um signiicativo avanço para que, daqui por diante, as instituições comunitárias, e em especial a Comissão, não deixem passar em claro por mais tempo este assunto sem uma relexão mais aprofundada.

A clareza das opções agora avalizadas pela sociedade civil não podem mais ser ignoradas ou escamoteadas.

2. Que obstáculos se lhe depararam na fase exploratória do tema perante as distintas sensibilidades e no decurso dos trabalhos de redação ou de elaboração do parecer?

O arranque dos trabalhos não foi fácil. Sabia, à partida, que os proissionais da publicidade com representação dentro e fora do CESE iriam, decerto, tentar fazer valer as suas posições com a força do seu poderoso lobby, como o já tinham feito recentemente no seio do PE (Parlamento Europeu), quando lograram bloquear uma resolução sobre o mesmo tema, da autoria do deputado Kyriacos Triantaphyllides.

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Por isso, de acordo com o meu perito, professor Paulo Morais - inexcedível no seu empenho e inestimável nos contributos e ensinamentos que caldeou para o parecer -, a minha primeira iniciativa, antes de tudo, foi convocar uma alargada audição que teve lugar em dezembro de 2010 e onde compareceram especialistas de todas as disciplinas, pedagogos, psicólogos, médicos, dietistas, opinion makers, juristas eminentes e, evidentemente, representantes dos proissionais interessados e dos consumidores, juntamente com altos funcionários das direções gerais competentes da Comissão e representantes do PE.

Aí, em franco e aberto diálogo, puderam todos expor os seus pontos de vista, trocar argumentos, defender posições, debater opiniões sugerir orientações e lançar importantes pistas de relexão.

Os trabalhos no Grupo de Estudo, constituído de forma paritária, como é uso do CESE, com igual número de representantes dos três grupos de interesses aí representados - empresários, trabalhadores e variados interesses, entre os quais os consumidores -, revelaram as diferentes sensibilidades que eu esperava.

Surpreendente, no entanto, foi a posição assumida desde o início pelos representantes da Comissão Europeia e até às vésperas da adoção do parecer, de total oposição a qualquer alteração ao aio status quo, considerando que o sistema vigente a nível comunitário não merece qualquer reparo e é perfeitamente satisfatório para a adequada proteção das crianças e dos jovens. O topete da Comissão chegou ao ponto de, em vésperas da discussão do parecer em seção, enviar uma carta ao presidente do grupo, expressando o seu desacordo, numa tentativa, verdadeiramente inédita, de pressão injustiicada! Nem os representantes dos proissionais, defendendo embora o seu ponto de vista, ousaram tomar uma posição tão reactiva.

Finalmente, com a negociação que é habitual no CESE, e em face do tipo de exemplos de anúncios ofensivos e atentatórios dos mais elementares direitos das crianças, com que se foi sempre ilustrando as airmações produzidas, foi possível chegar ao texto de consenso que acabou por ser...

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