Conselhos e autonomia administrativa do direito animal

AutorHeron José de Santana Gordilho - Julio César de Sá da Rocha - Fernando de Azevedo Alves Brito
CargoPós-Doutor em Direito Ambiental pela Pace University (EUA). Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Pós-Doutor em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. Mestre e Doutor em Direito PUC São Paulo. Diretor e Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFBA - Aluno especial do Doutorado em Direito da ...
Páginas231-247

Page 232

Ver Nota123

Consderações iniciais

Se, de certa forma, a democracia pode ser caracterizada pela soberania do povo na gestão do Estado (BONAVIDES, 1993), faz-se necessário enfatizar que a participação popular é elemento relevante para a adequada atuação estatal, em especial no que diz respeito à ideia de controle social sobre a Administração Pública e, com ela, sobre as políticas públicas.

Esse entendimento encontra respaldo no próprio texto da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), uma vez que instituiu o chamado Estado Democrático de Direito e, ainda, elevou o exercício da cidadania ao patamar de fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, caput e II). Assim, nota-se que a participação popular não é um mero aparato acessório, secundário, da República, devendo, pois, ser privilegiada, estimulada e exercida, o que legitima a inserção da participação direta – não apenas representativa –, dos cidadãos no exercício do poder.

Com esse pano de fundo, desenvolveu-se a noção de Conselhos no Brasil, não obstante a sua gênese possa ser identificada antes mesmo da promulgação da Constituição Federal de 1988. Desenvolveram-se, assim, como típicos canais para a articulação de representantes da população (sociedade civil) e do Poder Público, em dimensões relativas à gestão de bens públicos (GOHN, 2001), na qualidade de órgãos colegiados (permanentes e deliberativos), com competência para atuar na formulação, supervisão e avaliação das políticas públicas (CAMPOS; MACIEL, 1995, p. 386-389).

Com o tempo, esses Conselhos disseminaram-se em todas as esferas (federal, estadual e municipal), passando a valorizar não só a participação popular, mas a consolidação da cooperação entre Poder Público e coletividade, na tutela de direitos relativos a distintos campos (saúde, educação, assistência social, segurança e, entre outros, meio ambiente).

Apesar do gradativo e constante avanço do Direito Animal no universo jurídico – mas também fora dele –, fortalecido pelo reconhecimento de sua autonomia e, inclusive, pela ascensão de um novo paradigma póshumanista/biocêntrico, em substituição ao paradigma dominante humanista/antropocêntrico (BRITO et al in PURVIN [Org.], 2017), o Estado nem

Page 233

sempre lhe destina espaços institucionais significativos. Isso se reflete, por exemplo, na inexistência, na maioria dos entes federativos – são raríssimas as exceções a essa regra –, de Conselhos autônomos para tratarem de assuntos que lhe são pertinentes. Essa situação, por si só, justifica a realização deste trabalho, que buscará responder à seguinte questão problema: como o princípio da participação (art. 225, caput, da CF/1988) e o reconhecimento da autonomia do Direito Animal na esfera administrativa, fundamentam a necessidade de criação de Conselhos de Direito Animal?

A presente pesquisa terá como objetivo geral: analisar como o princípio da participação (art. 225, caput, da CF/1988) e o reconhecimento da autonomia do Direito Animal na esfera administrativa fundamentam a necessidade de criação de Conselhos de Direito Animal. Além disso, este trabalho incumbir-se-á dos seguintes objetivos específicos: (a) pesquisar acerca da gênese, da evolução e características dos Conselhos no Brasil; (b) investigar a autonomia do Direito Animal, nas dimensões legislativa, didática, científica e jurisdicional; (c) propor o reconhecimento da autonomia administrativa do Direito Animal, por meio da qual se faz justificável a criação de Conselhos específicos para viabilizar a tutela dos animais não humanos; (d) analisar como o princípio da participação popular (art. 225, caput, da CF/1988) e o reconhecimento da autonomia administrativa exigem a criação de Conselhos de Direito Animal.

Por fim, optar-se-á por uma pesquisa de revisão bibliográfica, recorrendose, outrossim, à análise documental.

1 Breves considerações acerca dos conselhos no Brasil

A democracia pode ser caracterizada pela soberania do povo na gestão do Estado (BONAVIDES, 1993). O povo, como elemento ativo nesse exercício, promove a chamada participação popular.

A participação popular está inserida na ideia de controle social sobre a Administração Pública; mais especificamente, sobre as políticas públicas. Tal ideia encontrou sua principal fonte na Constituição Federal de 1988, que reflete toda uma série de eventos acerca de conquistas sociais que possibilitaram o elemento povo inserido na gestão do Estado. Tudo isso, imerso no processo de redemocratização, legitimou a inserção da participação direta, não mais apenas representativa, dos cidadãos no exercício do poder (BONAVIDES, 1993; CAMPOS; MACIEL, 1997; GOHN, 2001).

Essa perspectiva possibilitou entender que a política, ou a liberdade de exercê-la, deixou de confundir-se com o seu exercício por uma minoria (representativa) para tornar-se uma questão de maioria (participativa). A cidadania, ao fugir do mecanismo liberal de representação, estaria refletida na criação de “grupos de pressão” (conselhos) que poderiam permear os mais diversos níveis do poder, o que fomentaria a participação ativa e direta do povo nas discussões sobre a

Page 234

coisa pública e, por conseguinte, decisões ainda mais democráticas (CAMPOS; MACIEL, 1997; GOHN, 2001; RAMOS, 2010).

A isso se dá o nome de “princípio participativo”, que desemboca na participação cidadã direta e pessoal na formação dos atos de governo. Assim, é possível observar, constitucionalmente, que certas manifestações da democracia participativa ocorrem em institutos de “democracia semidireta” (que mesclam institutos da participação direta com os da indireta), tais como a “iniciativa popular” (artigos 14, inciso III, e 61, § 2º, da CF/1988), o “referendo popular” (artigos 14, inciso II, e 49, inciso XV, da CF/1988), o “plebiscito” (artigos 14, inciso I, e 18, §§ 3º e 4º, da CF/1988) e a “ação popular” (artigo 5º, inciso LXXIII, da CF/1988), além de outras formas de democracia participativa (SILVA, 2009).

Essas outras formas de democracia participativa foram também constitucionalmente consagradas, como se observa nos artigos 10, 11, 31, § 3º, 74, § 2º, 194, VII e 206, § 1º. É a partir da leitura desses últimos dispositivos, somada à compreensão do que levou o Poder Constituinte a consagrá-los, que se passa a identificar a participação popular nos atos públicos por meio dos chamados Conselhos. Conselhos estes que permeiam os entes da República Federativa do Brasil, tornando-se espécies de “[...] canais de participação que articulam representantes da população e membros do poder público estatal em práticas que dizem respeito à gestão de bens públicos” (GOHN, 2001, p. 7.).

O tema Conselhos, no Estado brasileiro, precede, inclusive, a CF/1988. Sua gênese pode ser identificada, paradoxalmente, no período de exceção, entre os anos da década de 70 e 80. Incorporados, enquanto ideia, tornaram-se, por assim dizer, “arranjos” institucionais estipulados pela norma infraconstitucional com o fim de materializar a participação e controle social idealizados na norma constitucional (GOHN, 2001; SILVA, 1998).

Esses conselhos de direitos, igualmente chamados conselhos de políticas públicas ou gestores de políticas setoriais, nascem do movimento idealizado para a CF/1988. Movimento esse que visava a um Estado que garantisse e protegesse direitos individuais e que possibilitasse o exercício direto do poder, e não somente representativo, pelo povo. Por essa razão, tais conselhos tornaram-se órgãos colegiados, permanentes e deliberativos, competentes para formular, supervisar e avaliar as políticas públicas em todos os entes federativos, em âmbito federal, estadual e municipal (CAMPOS; MACIEL, 1997).

Dessa forma, cada conselho estará ligado ao seu ente federativo criador. Os conselhos nacionais, por exemplo, devem estar vinculados administrativamente aos Ministérios respectivos do seu interesse temático e deliberarão a respeito de questões no âmbito da política nacional, sendo que as suas decisões deverão ser parâmetros tanto aos órgãos nacionais quanto aos estados e municípios. Os conselhos estaduais estarão ligados às Secretarias Estaduais que lhes correspondam. Tais conselhos seguem a ideia também de uma democracia participativa e deliberarão acerca de questões estaduais, decisões que servirão de parâmetro tanto para os órgãos da Administração Pública estadual quanto para os conselhos municipais. Os conselhos municipais, por sua vez, tornam-se primordiais, uma vez que a sua criação visa garantir uma esfera pública com representantes da comunidade local e dos órgãos da

Page 235

Administração municipal, todos com objetivo de fiscalizar as políticas públicas para a proteção e materialização dos direitos fundamentais em território munícipe. As suas decisões, pois, deverão ser parâmetros para os órgãos do Município e para a execução de ações públicas, sejam elas governamentais ou não (DHNET, 2017).

Como ressaltado, suas composições são paritárias, de forma que deve existir um diálogo entre o poder popular e o poder governamental, para o exercício de suas finalidades. Tal estrutura enfatiza a democracia participativa, na qual o povo não mais se limita às matrizes da democracia representativa de outrora. Então, tornam-se esses conselhos paritários um “novo locus de exercício político” (CAMPOS; MACIEL, 1997).

Diante disso, afirma-se que esses Conselhos se apresentam como órgãos colegiados, que viabilizam manifestações...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT