O consenso no processo penal e o rito abreviado fundado na admissão de culpa: (in)compatibilidade constitucional, vantagens, desvantagens e perigos

AutorFlávio da Silva Andrade
CargoDoutorando e Mestre em Direito pela UFMG
Páginas206-241
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 3. Setembro a Dezembro de 2020
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 206-241
www.redp.uerj.br
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O CONSENSO NO PROCESSO PENAL E O RITO ABREVIADO FUNDADO NA
ADMISSÃO DE CULPA: (IN)COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL,
VANTAGENS, DESVANTAGENS E PERIGOS
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CONSENSUS IN CRIMINAL PROCEEDINGS AND THE ABBREVIATED
PROCEEDING BASED ON ADMISSION OF GUILT: CONSTITUTIONAL
(IN)COMPATIBILITY, ADVANTAGES, DISADVANTAGES AND DANGERS
Flávio da Silva Andrade
Doutorando e Mestre em Direito pela UFMG. Juiz Federal
Titular da 4ª Vara da Subseção Judiciária de Uberlândia/MG.
Uberlândia/MG. E-mail: flavioandrade.ro@gmail.com
RESUMO: O texto trata do fator da consensualidade no âmbito do processo penal,
concentrando-se no rito abreviado a partir da confissão do acusado, previsto no projeto do
novo Código de Processo Penal brasileiro. Analisa-se a (in)compatibilidade constitucional
desse mecanismo de solução abreviada por consenso: uma ferramenta assim pode ser
adotada sem que sejam violadas as garantias constitucionais dos acusados? Qual o limite
para o emprego de soluções pactuadas desse jaez? Quais as vantagens, as desvantagens e os
perigos da adoção de um rito abreviado calcado na admissão de culpa? Essas indagações
bem retratam as controvérsias que giram em torno do assunto. Defende-se que o instrumento
em questão pode ser harmonizado com as garantias constitucionais dos imputados, em vista
das vantagens que podem propiciar ao Estado, à sociedade, às vítimas e aos próprios réus,
mas se chama a atenção para desvantagens e perigos que encerra, a exigirem adequada
regulamentação legal, fixação de limites à atuação do Ministério Público, atuação mais
efetiva da defesa técnica e real controle garantidor por parte do juiz. O estudo realizado é do
tipo exploratório-compreensivo, de vertente jurídico-dogmática, com prioridade para a
análise de conteúdo.
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Artigo recebido em 14/10/2019 e aprovado em 29/03/2020.
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PALAVRAS-CHAVE: Processo penal. Consenso. Rito abreviado. Confissão.
Compatibilidade constitucional; Vantagens; Desvantagens e perigos.
ABSTRACT: This paper addresses the factor of consensuality in the scope of the criminal
process, focusing on the abbreviated proceeding starting with the confession of the accused,
foreseen in the Bill of the new Brazilian Code of Criminal Procedure. The constitutional
(in)compatibility of this mechanism of abbreviated consensual resolution is analyzed: can
such a tool be adopted without violating the constitutional guarantees of the accused? What
is the limit for the use of negotiated solutions of this kind? What are the advantages,
disadvantages and dangers of adopting an abbreviated proceeding based on the admission of
guilt? These questions properly portray the controversies surrounding the subject. It is
argued that the instrument in question can be harmonized with the constitutional safeguards
of the accused in view of the advantages that it can bring to the State, to the society, to the
victims and to the defendants themselves, while drawing attention to its disadvantages and
dangers, which demand adequate legal regulation, the fixating of limits to the Prosecution’s
participation, a more effective performance of the technical defense, and an actual control
of guarantees by the judge. The study conducted is of an exploratory-comprehensive, legal-
dogmatic nature, giving priority for content analysis.
KEY WORDS: Criminal Procedure. Consensus. Abbreviated Proceeding. Confession.
Constitutional compatibility; Advantages; Disadvantages and dangers.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O consenso no processo penal. 2. O rito abreviado fundado na
admissão de culpa; 3. A análise da (in)compatibilidade constitucional, das vantagens, das
desvantagens e dos perigos do rito abreviado calcado na confissão; Considerações finais;
Referências.
INTRODUÇÃO
O consenso na esfera criminal, pautado na simplificação procedimental, na
autonomia do indivíduo e no acordo de vontades, rompeu com o modelo clássico de
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processo, baseado no princípio da obrigatoriedade da ação penal e na noção de confrontação
inexorável entre as partes, permitindo a aplicação da lei penal de modo mais célere e
satisfatório.
No mundo contemporâneo, era inevitável a criação de espaços ou mecanismos de
consenso no campo processual, na medida em que propiciam a resolução célere e
simplificada de casos pela via do diálogo. Os espaços devem coexistir com os procedimentos
calcados na lógica conflitiva ou adversarial, sendo essenciais para garantir mais celeridade
e eficiência no funcionamento dos sistemas de justiça criminal.
Os instrumentos ou procedimentos que caracterizam a consensualidade na seara
penal: a) levam à não instauração ou à evitação do processo; b) acarretam a suspensão do
processo, com ou sem a imposição de condições ao acusado; e c) conduzem à terminação
antecipada ou abreviada do processo
2
.
Neste ensaio, almeja-se refletir sobre a possibilidade ou conveniência de o
ordenamento jurídico-penal brasileiro adotar um rito abreviado a partir da confissão,
conforme previsto no projeto do novo Código de Processo Penal
3
(art. 283 do Projeto de Lei
do Senado nº 156/2009
4
). O fenômeno da consensualização no âmbito criminal se faz
presente na América Latina, tendo se manifestado em várias novas legislações, e o Brasil
não foge dessa tendência de ampliação das zonas de consenso na seara processual penal.
Também há aqui um movimento no sentido de se incorporar à legislação pátria um
instrumento de solução mais rápida e simplificada da ação penal a partir do consenso
fundado na confissão.
Porém, cabe indagar: qual o limite para adoção de soluções pactuadas no campo do
processo penal? O Brasil também deve adotar uma ferramenta ou mecanismo que permita
a solução abreviada de casos penais a partir da admissão de culpa?
2
Jorge Danilo Correa Selamé denomina saídas alternativas ao processo penal os institutos que constituem
modalidades diferentes do juízo oral e que incluem todas as formas de terminação antecipada do procedimento
(SELAMÉ, Jorge Danilo Correa. Procedimiento abreviado y salidas alternativas. Santiago de Chile:
PuntoLex, 2007, p. 91).
3
No projeto do novo Código Penal Brasileiro (Projeto de Lei do Senado 236/2012) também se inseriu, no
art. 105, u ma disciplina para o acordo penal, utilizando-se o termo barganha, mas, no parecer nº 1576/2013,
foi proposta a exclusão de tal dispositivo daquele projeto de lei, uma vez que, naturalmente, trata-se d e um
tema de direito processual penal e não de direito penal material.
4
Na Câmara dos Deputados, trata-se do PLC nº 8.045/2010.

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