Considerações iniciais: realidade, conhecimento e linguagem

AutorÍris Vânia Santos Rosa
Páginas23-68
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1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: REALIDADE,
CONHECIMENTO E LINGUAGEM
1.1 Realidade, Conhecimento e Linguagem
No mundo, acontece a todo instante, e portanto, agora,
uma infinidade de coisas. A pretensão de dizer o que é que
acontece agora no mundo é ideal. Mas assim como é impossí-
vel conhecer diretamente a plenitude do real, não temos outro
remédio senão construir arbitrariamente uma realidade,1 su-
por que as coisas são de certa maneira, essa suposição é sub-
jetiva; é de cada ser. Isto nos proporciona montar um conceito
das coisas ou conjunto de conceitos. Com ele, olhamos depois
a efetiva realidade, e então, só então, conseguimos uma visão
aproximada dela. Nisto consiste todo o uso do intelecto.
Esse discurso transferido para o Direito nos mostra a for-
ma a delimitar o que devemos e o que não devemos fazer diante
dessa infinidade de coisas, sendo que, em relação aos demais
indivíduos, importa consignar que essa tarefa não se faz sim-
plória e nem imediata. No nosso sentir, o grande desafio do
Direito se encontra estritamente no conceito dado a todas as
coisas e sua respectiva aplicação, sendo essa última a razão
de ser e a importância das decisões dos nossos juízes e dos
1. Lembramos aqui de Vilém Flusser, em Língua e Realidade, a concepção da
realidade tem origem no império da possibilidade, da qual é tirada e realizada
mediante a articulação das línguas concretas, p. 73.
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ÍRIS VÂNIA SANTOS ROSA
Tribunais, e mais, as reiteradas decisões que chamamos de
jurisprudência.
Cabe, portanto, a aproximação das técnicas do conheci-
mento ao Direito a ser aplicado para o maior e efetivo alcance de
toda a sociedade. Estamos carentes de soluções, mesmo que elas
nos sejam contrárias, pois a segurança jurídica nada tem a ver
com decisão favorável e sim com possibilidade ampla de discus-
são e certeza na aplicação do Direito. Isso, no dizer do Professor
Humberto THEODORO JR,
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citando COUTURE, significa que:
[...] na ordem jurídica, execução sem conhecimento é arbitrarie-
dade; conhecimento sem possibilidade de executar a decisão sig-
nifica tornar ilusórios os fins da função jurisdicional.
Acreditamos que todo conhecimento somente se reve-
la por meio da linguagem, correspondendo ao ato ou efeito
de exercitar as modalidades formais da consciência (percep-
ção, sensação, lembrança, emoções, imaginação, vontade,
pensamento, sonhos, esperanças etc.); faculdade de conhe-
cer; ideia; noção; informação; notícia; consciência da pró-
pria existência. O conhecimento não reproduz o dado-ma-
terial (realidade disposta no mundo existencial), a coisa em
si mesma, mas reproduz o que se dá na experiência do ser
cognoscente – Homem como construtor da realidade. As-
sim, o homem consciente (“consciência de algo” – reflexão
interna e externa) confere representação e categorias de
conhecimento às impressões recebidas passivamente pelos
seus sentidos, sobre as quais o espírito, reagindo, aplica as
suas formas subjetivas, moldes dentro dos quais se enqua-
dram os fenômenos (conhecimento + valores).
Com efeito, o conhecimento é reconstitutivo desse dado-
-material e constitutivo do objeto-material. Assim depreende-
-se da lição do Professor Paulo de Barros CARVALHO:3
2. THEODORO JR., Humberto. Lei de execução fiscal, p. 87.
3. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método, p. 8.
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A PENHORA NA EXECUÇÃO FISCAL
Todo conhecimento é redutor de dificuldades, reduzir as com-
plexidades do objeto da experiência é uma necessidade inafastá-
vel para se obter o próprio conhecimento.
Para relacionarmos o conhecimento à linguagem, de-
vemos compreender inicialmente que a reviravolta linguís-
tica ocorreu por forte sustentação em WITTGENSTEIN,4 a
linguagem passa a ser entendida em primeiro lugar, como
ação humana, ou seja, a linguagem é o dado último enquan-
to é uma ação fática, prática. Há agora uma nova concep-
ção da constituição do sentido. Esse sentido não pode ser
mais pensado como algo que uma consciência produz para
si independentemente de um processo de comunicação,
mas deve ser compreendido como algo que nós, enquanto
participantes da realidade e de comunidades linguísticas,
sempre comunicamos reciprocamente. Essa virada rumo à
explicitação tem um caráter prático, intersubjetivo e histó-
rico da linguagem humana.
Assim, a linguagem é sempre uma práxis comum, reali-
zada de acordo com regras determinadas. Essas regras não
são, contudo, convenções arbitrárias, mas são originadas
historicamente a partir do uso das comunidades linguísti-
cas; são, portanto, costumes que chegam a se tornarem fa-
tos sociais reguladores, ou seja, instituições. Tantas são as
formas de vida existentes, tantos são os contextos praxeoló-
gicos, tantos são, por consequência, os modos de uso de lin-
guagem, numa palavra, os jogos de linguagem. E, justamente
dessa mudança de paradigma acima descrita (da filosofia da
consciência para a filosofia da linguagem), os juristas não se
deram conta do fato de que, nos sábios dizeres do Professor
Paulo de Barros CARVALHO:
[...] o Direito é linguagem e terá de ser considerado em tudo e por
tudo como uma linguagem. O que quer que seja e como quer que
seja, o que quer que ele se proponha e como quer que nos toque,
o Direito é-o numa linguagem e como linguagem – propõe-se sê-lo
4. WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus, p. 55.

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