Constitucionalismo X Democracia: multiculturalismo e as comunidades tradicionais

AutorKerlay Lizane Arbos - Carlos Frederico Marés de Souza Filho
CargoAdvogada, Especialista em Gestão Ambiental pela UFPR, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Direito Econômico e Socioambiental da PUCPR, Bolsista CAPES - Procurador do Estado do Paraná, Mestre e Doutor pela UFPR, Professor de graduação e Pós-graduação da PUCPR
Páginas55-75
Constitucionalismo x democracia:
o multiculturalismo e as
comunidades tradicionais1
Kerlay Lizane Arbos2
Carlos Frederico Marés de Souza Filho3
Resumo
Este trabalho analisa o surgimento do multiculturalismo como um desao
para as democracias liberais apoiadas na ideia de igualdade. Busca-se um multicultu-
ralismo democrático como política capaz de reconhecer a singularidade de cada cul-
tura, ampliando o diálogo, o respeito e aliando-se aos princípios constitucionais de
dignidade e respeito à diversidade cultural. Em que pese o multiculturalismo abarcar
diversas minorias; o presente estudo se restringirá à análise da questão a partir da
ótica das comunidades tradicionais, estas, por sua vez, reivindicam do Estado e da
sociedade o reconhecimento de seus direitos. A emergência dessas reivindicações
de diversos grupos culturalmente diferenciados surge em razão de uma perspectiva
universalista insuciente e incapaz de contemplar as diferentes identidades sociais
e realizar um dos fundamentos da democracia que é o princípio de igualdade para
todos. Esses grupos lutam pelo direito de ser diferente, e recusam o ideal do mun-
do capitalista e burocrático, que impõe padrões de comportamento e valores essen-
cialmente discriminatórios e excludentes. A nossa sociedade é possuidora de vasta
diversidade cultural, e a diferença apresenta-se como um componente estrutural da
vida social que precisa ser novamente harmonizado com o aspecto multicultural
dos povos. Conclui-se, portanto, que a democracia, em que pese diversos problemas
existentes, é ainda o campo no qual podem ser sustentadas ideias multiculturais, já
que é um espaço em que se permite o debate e, consequentemente, o aperfeiçoamen-
to de ideais. O valor e a originalidade do trabalho estão relacionados à proposta de
1 Este artigo está cadastrado no Digital Object Identier System sob o número doi: 10.5102/
prismas.2010.07.1.03 Disponível em: r>.
2 Advogada, Especialista em Gestão Ambiental pela UFPR, Mestranda do Programa de
Pós-graduação em Direito Econômico e Socioambiental da PUCPR, Bolsista CAPES.
3 Procurador do Estado do Paraná, Mestre e Doutor pela UFPR, Professor de graduação e
Pós-graduação da PUCPR.
56 | Prismas: Dir., Pol. Publ. e Mundial., Brasília, v. 7, n. 1, p. 55-75, jan./jun. 2010
Kerlay Lizane Arbos e Carlos Frederico Marés de Souza Filho
radicalizar a democracia, enfatizando-se a necessidade da incorporação das diferen-
ças pelos sistemas democráticos atuais, bem como a necessidade de desmisticar
uma pretensa homogeneidade cultural construída.
Palavras-chave: Constitucionalismo. Demo cracia. Comunidades tradicionais.
Multiculturalismo.
1 Introdução
O objetivo central deste estudo é ressaltar a importância do multicultura-
lismo e da diversidade cultural dos grupos humanos, a exemplo das comunidades
tradicionais, bem como a necessidade de que esses grupos sejam respeitados e re-
conhecidos dentro do espaço democrático, o local propício para se sustentar ideias
multiculturais e estabelecer debates que permitam o seu contínuo aperfeiçoamento.
Em um primeiro momento, analisam-se os postulados de constitucionalis-
mo e democracia, e a tensão existente entre estes diante da questão pluralista das
comunidades tradicionais.
Após, busca-se fornecer noções sobre multiculturalismo e a importância do
reconhecimento da diversidade cultural, além da adoção tímida de uma postura
multicultural e pluralista pela Constituição Federal de 1988. Neste ínterim, é váli-
do ressaltar que não será analisada qualquer abordagem multicultural especíca,
apenas serão levantadas questões gerais importantes para incentivar o debate mul-
ticultural dentro do cenário democrático.
Os grupos culturalmente diferenciados ou comunidades tradicionais cla-
mam, ao longo dos tempos, pelo reconhecimento de sua cultura singular. Esse
desejo de serem reconhecidos, enquanto povos diferenciados não se baseia em po-
líticas igualitárias, assimilacionistas ou integracionistas, mas sim em p olíticas de
reconhecimento das diferenças que propiciarão a construção de um patrimônio
histórico e cultural e a formação de uma identidade nacional.
Em diversos espaços, há lutas por direitos de reconhecimento, de pertenci-
mento a uma determinada cultura ou grupo social. São essas lutas que conduzem
as sociedades humanas a encontrarem uma forma especíca de ser, o que confere
signicado à vida e às diferenças culturais.

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