A constitucionalização, os direitos e as garantias fundamentais: um necessário decisionismo judicial?

AutorJuliana Justo Botelho Castello
Páginas337-368
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO,
OS DIREITOS E AS GARANTIAS
FUNDAMENTAIS:
um necessário decisionismo judicial?
Juliana Justo Botelho Castello
1 Introdução
Abertura, indeterminação, imprecisão, abstração, vagueza, generalida-
de ou derrotabilidade: essas são, a título de exemplo, algumas das caracte-
rísticas suscitadas pela dogmática constitucional ao tratar do fenômeno da
constitucionalização do Direito.
A constitucionalização do Direito representa, segundo Daniel Sar-
mento (2006, p. 172), fenômeno que se destacou nos mais variados orde-
namentos jurídicos ao redor do mundo, mormente no período posterior à
Segunda Guerra Mundial.
Embora a expressão constitucionalização seja polissêmica, consiste ela no
fenômeno segundo o qual a Constituição, mediante a positivação de um catá-
logo de direitos e garantias fundamentais, manifesta uma abertura axiológica à
realidade e, de igual modo, força irradiante aos demais âmbitos do ordenamento
jurídico. José Joaquim Gomes Canotilho (2000, p. 378) assim observa:
Designa-se por constitucionalização a incorporação de direitos
subjectivos do homem em normas formalmente básicas, subtraindo-
se o seu reconhecimento e garantia à disponibilidade do legislador
ordinário. A constitucionalização tem como consequência mais no-
tória a protecção dos direitos fundamentais mediante o controlo ju-
risdicional da constitucionalidade dos actos normativos reguladores
destes direitos. Por isso e para isso, os direitos fundamentais devem
ser compreendidos, interpretados e aplicados como normas jurídicas
vinculativas e não como trechos ostentatórios ao jeito das grandes “de-
clarações de direitos”. (grifo do autor)
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A base desse fenômeno, a saber, os direitos e as garantias fundamentais
seriam, por sua vez, normas constitucionais abertas, indeterminadas, impre-
cisas, abstratas, vagas, genéricas ou derrotáveis, as quais, quando irradiadas
pela ordem jurídica, dariam azo a uma diversidade de resultados possíveis.
Riccardo Guastini (2006, p.243) salienta que os direitos e as garantias
fundamentais apresentam uma textura aberta, uma indeterminação peculiar,
razão pela qual poderiam ser atuados, executados e concretizados de modos
diversos e alternativos.
No mesmo sentido, Alfonso García Figueroa (2006, p. 112-113) ressalta
que os direitos e as garantias fundamentais seriam, em razão de sua impreci-
são, razões derrotáveis ou condicionais, isto é, aqueles seriam vencíveis sob al-
gumas condições, adquirindo conteúdo apenas na concreta prática judiciária.
Robert Alexy (1988, p.140-141) salienta, por sua vez, que os direitos e
as garantias fundamentais são, em alguma medida, enunciados por normas
indeterminadas e imprecisas, gerando uma diversidade de resultados discur-
sivamente possíveis.
Por essa razão, aceitar a ideia da irradiação das normas constitucionais,
sobretudo dos direitos e das garantias fundamentais pela ordem jurídica, se-
gundo o fenômeno da constitucionalização do Direito, seria, portanto, acei-
tar que todo o sistema jurídico seria afetado por essa mesma condicionalida-
de (FIGUEROA, 2006, p. 113).
Adverte, todavia, Robert Alexy (2008a, p. 528) que mais relevante do
que diagnosticar a abertura axiológica dos direitos e das garantias fundamen-
tais e sua irradiação pela ordem jurídica é identificar o conteúdo e a influên-
cia conferida a esses direitos e a essas garantias.
Sob esse contexto, investiga-se, no presente ensaio, se a abertura axio-
lógica dos direitos e das garantias fundamentais e sua irradiação por toda
a ordem jurídica, segundo o fenômeno da constitucionalização do Direito,
implicariam, necessariamente, um decisionismo judicial, isto é, uma abertu-
ra desarrazoada e ilimitada ao intérprete constitucional.
Para a melhor compreensão da relação antes mencionada, isto é, da
relação entre constitucionalização do Direito, direitos e garantias fundamen-
tais e decisionismo judicial, necessário torna-se:
i. identificar os direitos e as garantias fundamentais no texto constitucional;
ii. analisar a estrutura normativa das normas fundamentais; e
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iii. estabelecer a possibilidade de concretização ótima dos direitos e das
garantias fundamentais na ordem jurídica pela atuação do Poder Judi-
ciário. Ocupar-se-á disso adiante.
2 O texto constitucional, a norma, os direitos e as garantias
fundamentais
Não é preciso grande esforço hermenêutico para identificar a Cons-
tituição e os direitos e as garantias fundamentais nela enunciados com um
conjunto de textos. Não é preciso, de igual modo, maiores esforços para
concluir que os direitos constitucionalmente assegurados o são por meio de
normas jurídicas, construídas com base nesse mesmo texto.
O percurso do texto ao Direito não constitui, porém, uma tarefa sim-
ples. Uma análise mais atenta do problema requer, nessa medida, a identifi-
cação dos direitos e das garantias fundamentais no corpo constitucional.
Como identificar os direitos e as garantias fundamentais a partir do
texto constitucional, considerando a intrincada relação entre texto, norma e
direitos? Seria possível identificar direitos e garantias fundamentais fora das
hipóteses literais enunciadas pelo texto constitucional?
A dogmática e a jurisprudência não titubearam em identificar direitos
e garantias fundamentais os quais não constavam, em sua literalidade, em
qualquer dispositivo constitucional. Faziam-no, todavia, a partir dos pró-
prios elementos textuais ali constantes.
Ada Pellegrini Grinover (1973, p. 18-19), em texto escrito em 1973,
sob a vigência, portanto, da Constituição anterior, salientava, por exemplo,
que a única garantia fundamental dirigida ao processo civil era a inafastabili-
dade do controle jurisdicional. A tutela constitucional processual do indiví-
duo se limitava, em muito, à esfera penal.
A escassez de dispositivos constitucionais dirigidos diretamente ao
processo civil não obstou, contudo, a atividade interpretativa, tampouco sig-
nificou, naquele período, pobreza normativa.
Ada Pellegrini Grinover (1973, p. 18-19) destacava, à época, que a ga-
rantia fundamental do devido processo legal, embora não enunciada expres-
samente em nenhum dispositivo do texto constitucional vigente, era passível de
ser extraída de uma garantia fundamental expressa, a saber, a da inafastabilidade
da jurisdição.
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