Constitucionalização formal e substancial do Direito do Trabalho. A ordem jurídica brasileira como ordem jurídica constitucionalizada, na perspectiva do Direito do Trabalho
Autor | Raimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha |
Páginas | 198-204 |
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O Direito do Trabalho e vários outros ramos do Direito passaram por um processo de constitucionalização.
Nesse sentido, é afirmado que, no Brasil, o Direito do Trabalho, o Direito Civil e o Direito Processual, por exemplo, estão constitucionalizados.
Contudo, o que significa, concretamente, a constitucionalização de um ramo do Direito?
O presente ensaio enfrenta esta questão e pretende demonstrar que a constitucionalização do Direito do Trabalho é um processo e que este processo se divide em duas fases:
-
a constitucionalização formal;
-
a constitucionalização substancial.
No entanto, para que o ensaio não permaneça no plano teórico, em sua segunda parte será verificado o grau de constitucionalização formal e substancial do Direito do Trabalho no Brasil.
À expressão constitucionalização do Direito são conferidos vários sentidos.
Riccardo Guastini assevera que a expressão é utilizada para representar a introdução de uma primeira Constituição escrita em determinado ordenamento jurídico e a transformação deste ordenamento jurídico pelas normas constitucionais (GUASTINI, 2009, p. 50).
Alfonso García Figueroa considera constitucionalização o processo e o resultado da transformação do direito pela Constituição (FIGUEROA, 2009, p. 163).
Virgílio Afonso da Silva aduz que a constitucionalização do Direito significa a irradiação dos efeitos das normas ou valores constitucionais nos demais ramos do Direito (SILVA, 2011, p. 39).
Os conceitos fornecidos pelos doutrinadores citados permitem afirmar que a constitucionalização do Direito é um processo, que se desenvolve em duas fases:
-
introdução de uma Constituição no ordenamento jurídico.
Esta fase corresponde à constitucionalização formal do Direito;
-
conformação/transformação da realidade econômica, jurídica, política e social pela Constituição.
Esta fase traduz a constitucionalização substancial do Direito.
Estas fases são interdependentes e complementares, na medida em que, por exemplo, a constitucionalização formal do Direito não terá efeitos práticos se as normas constitucionais não atuarem sobre a realidade econômica, jurídica, política e social.
Na linha das premissas estabelecidas no item anterior, pode ser afirmado que a constitucionalização do Direito do Trabalho é um processo, que se desenvolve em duas fases:
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1) a inclusão de regras e princípios do Direito do Trabalho na Constituição.
Esta fase do processo de constitucionalização do Direito do Trabalho corresponde à constitucionalização formal do Direito do Trabalho e dela resulta a instituição de uma verdadeira Constituição do Trabalho;3
2) a irradiação da Constituição do Trabalho sobre o ordenamento jurídico laboral, no momento da sua criação legislativa e negocial, intepretação e aplicação administrativa e judicial e análise e crítica doutrinária e as relações individuais e coletivas de trabalho.
Esta fase do processo de constitucionalização do Direito do Trabalho corresponde à sua constitucionalização substancial, ou seja, à conformação/transformação da realidade econômica, jurídica, política e social pela Constituição do Trabalho.4
A constitucionalização substancial do Direito do Trabalho é uma exigência da força expansiva ou irradiante da Constituição.5
Desse modo, a constitucionalização do Direito do Trabalho significa o processo de inclusão de regras e princípios do Direito do Trabalho na Constituição (constitucionalização formal do Direito do Trabalho) e de conformação/transformação, por força destas regras e princípios, do ordenamento jurídico laboral, no momento da sua criação, interpretação, aplicação, análise e crítica doutrinária, bem como das relações individuais e coletivas de trabalho (constitucionalização substancial do Direito do Trabalho).
Foi afirmado que o processo de constitucionalização do Direito do Trabalho comporta duas fases e a primeira delas resulta na instituição da Constituição do Trabalho.
Cumpre, então, estabelecer o conceito de Constituição do Trabalho.
À expressão Constituição do Trabalho são atribuídos dois sentidos, quais sejam:
-
conjunto de regras e princípios constitucionais que incidem direta ou indiretamente nas relações individuais e coletivas de trabalho e na relação entre capital e trabalho;6
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conjunto dos fatores econômicos, jurídicos e políticos que conformam o mundo do trabalho.
Adepto desta concepção, afirma Thilo Ramm que a Constituição do Trabalho é composta pelo conjunto dos fatores jurídicos e reais que determinam a relação de trabalho (RAMM, 1989, p. 153).7
A Constituição do Trabalho, sob este segundo enfoque, contempla os fatores estruturantes do mundo do trabalho.8
Embora não se possa negar relevância a todos os fatores que atuam na conformação do mundo do trabalho, para efeito das nossas reflexões, por Constituição do Trabalho tem-se as regras e os princípios constitucionais de incidência direta e indireta nas relações individuais e coletivas de trabalho e na relação entre capital e trabalho.
A referência a regra e princípios de incidência direta e indireta nas relações individuais e coletivas de trabalho decorre do fato de a Constituição conter:
-
regras e princípios que se referem especificamente à relação de trabalho, os quais estabelecem os direitos trabalhistas específicos;9
-
regras e princípios que não dizem respeito especificamente à relação de trabalho, mas asseguram direitos a todas as pessoas e cidadãos, dentre os quais aqueles que se encontram na condição de trabalhadores subordinados, ou seja, direitos trabalhistas inespecíficos.10
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De outro lado, estabelecido o conceito de Constituição do Trabalho, cumpre registrar que ela passa a existir a partir do momento em que a Constituição eleva o trabalho, os direitos inerentes ao trabalho e o Direito do Trabalho à condição de elementos constitutivos da ordem constitucional global e do Estado.11
A verificação da efetiva constitucionalização do Direito do Trabalho exige definir o que se deve entender por uma ordem jurídica constitucionalizada.
Para tanto, vale recorrer à doutrina de Riccardo Guastini (GUASTINI, 2009, p. 56-57), que aponta sete condições de constitucionalidade, isto é, condições a serem atendidas para que uma ordem jurídica possa ser considerada constitucionalizada, quais sejam:
-
a existência de uma constituição rígida;12
-
a garantia jurisdicional da Constituição;13
-
a força vinculante da Constituição;
-
a sobreinterpretação da Constituição;14
-
a aplicação direta da Constituição nas relações privadas;15
-
a interpretação conforme das leis;16
-
a influência da Constituição sobre as relações políticas.17
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Ainda conforme Riccardo Guastini, em uma ordem jurídica constitucionalizada: a legislação está condicionada pela Constituição;18 a jurisprudência está condicionada pela Constituição, no sentido de que os juízes têm o poder e dever de aplicar não só as leis, mas, principalmente, a Constituição; as relações privadas estão condicionadas pela Constituição, no sentido de que a Constituição disciplina não só as relações entre Estado e cidadão, como também as relações interprivadas; a doutrina está condicionada pela Constituição, o que significa que ela deve buscar na Constituição o fundamento axiológico das leis e definir o seu conteúdo normativo como desenvolvimento de princípios constitucionais (GUASTINI, 2010, p. 156-157).19
Cumpre anotar que, como assevera Riccardo Guastini, a constitucionalização é uma questão de grau, o que significa que o ordenamento jurídico pode estar mais ou menos constitucionalizado, de acordo com as condições de constitucionalização que nele estejam atendidas (GUASTINI, 2009, p. 50).
Definido o significado de constitucionalização formal e substancial do Direito do Trabalho e estabelecidas as condições sob as quais uma ordem jurídica pode ser considerada constitucionalizada, cumpre verificar, na perspectiva da Constituição de 1988, se a ordem jurídica brasileira atende às sete condições de constitucionalidade definidas por Riccardo Guastini, examinadas no item anterior, quais sejam: existência de uma Constituição rígida, garantia jurisdicional da Constituição, força vinculante da Constituição, sobreinterpretação da Constituição, a aplicação direta da Constituição nas relações privadas, interpretação conforme das leis, influência da Constituição sobre as relações.
Nesta perspectiva, a Constituição de 1988, na qual está inserida a atual Constituição do Trabalho:
-
é uma Constituição rígida, posto que é escrita e está protegida contra a legislação ordinária;
-
conta com garantia jurisdicional, na medida em que estabelece mecanismos que permitem o controle sobre a conformidade das leis e estado de coisa com as suas regras e princípios (art. 102, I, a);20
-
é dotada de força vinculante;
-
tem a sua sobreinterpretação por ela própria estabelecida, quando dispõe que os direitos e garantias nela previstos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios que adota, o que equivale a dizer que ela possui normas implícitas idôneas...
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