Constituição
Autor | Eduardo dos Santos |
Páginas | 3-31 |
CAPÍTULO I
CONSTITUIÇÃO
1. CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
Existem diversos conceitos de Constituição utilizados atualmente na literatura jurí-
dica, sendo que não se pode apontar nenhum deles como dominante. Trata-se de um termo
polissêmico e multifacetado, o que torna tarefa das mais difíceis estabelecer um conceito
Nada obstante, é preciso estabelecer, a partir da doutrina constitucionalista contem-
porânea, uma definição simples que possa servir de ponto de partida para aqueles que estão
iniciando seus estudos no direito constitucional.
Assim, pode-se definir a Constituição como sendo o conjunto sistêmico de normas
fundamentais supremas que organizam e estruturam o Estado, que organizam e estruturam os
Poderes do Estado e que limitam os Poderes do Estado, especialmente, mediante a proteção e
promoção dos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana.
a Constituição é um sistema legal de normas, obviamente um sistema legal especialíssimo,
chamada por isso de lei das leis, de lei fundamental, de lei máxima, de lei suprema etc. Não
necessariamente um sistema legal em sentido formal e positivo, no qual todas as suas normas
estão expressamente escritas, mas um sistema legal em sentido material, exigindo-se que
hierarquia entre normas constitucionais e nem mesmo, em abstrato, a existência de conflitos
Assim, pode-se afirmar que não existe hierarquia normativa entre um direito consti-
tucional e outro, isto é, no campo normativo todos os direitos constitucionais possuem a
mesma hierarquia não estando um acima do outro. Por exemplo, a hierarquia normativa
do direito à vida, do direito à liberdade, do direito à propriedade, do direito à intimidade e
do direito ao lazer é a mesma: hierarquia constitucional.
Ademais, como dito, em abstrato, não se admite a existência de conflitos entre as normas
da Constituição, isto é, no mero campo normativo sem considerar-se o caso concreto, não se
admite a ocorrência de conflitos ou tensões entre normas de direito constitucional. Por exemplo,
em abstrato, não existe conflito entre o direito à liberdade religiosa e o direito à vida, de modo
que a pessoa humana possui os dois direitos nos termos da Constituição. Contudo, no caso
concreto esse conflito pode surgir, como no caso da pessoa testemunha de Jeová que se recusa
a realizar transfusão sanguínea sabendo que sem esse procedimento virá a óbito.
está-se a afirmar a força normativa da Constituição, isto é, que a Constituição é norma jurí-
dica, possuindo todos os seus atributos e qualidades. Isto é, as normas constitucionais não
são meras recomendações ou standards nos quais os detentores do Poder Político devem se
1. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 37.
2. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 4. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2008.
3. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1159 e ss.
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DIREITO CONSTITUCIONAL SISTEMATIZADO • EDUARDO DOS SANTOS
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inspirar. Na verdade, as normas constitucionais são normas jurídicas e como tais estabele-
cem, deontologicamente, deveres, estando todos a elas submetidos, inclusive os detentores
do Poder Político e as Autoridades Públicas.4
se a afirmar que, além de ser norma jurídica, a Constituição é a norma hierarquicamente
superior da ordem jurídica. Isto é, está acima das demais normas do sistema jurídico, como
leis, decretos, atos administrativos, contratos etc.5
Por fim, ao se afirmar que a Constituição consiste num conjunto sistêmico de normas
fundamentais, tem-se revelada uma das principais características da Constituição, que é
ser parâmetro de validade para o sistema jurídico. Assim, sempre que uma determinada
norma for incompatível com as normas constitucionais, essa norma será inválida, vez que a
Constituição é parâmetro de validade para as demais normas do ordenamento. Por isso, se
2. ORIGENS
Partindo da definição de Constituição que propusemos, tem-se que a Constituição é um
conjunto de normas que regem a organização do Estado e dos Poderes, bem como a limitação
desses Poderes, especialmente, pelo reconhecimento de direitos fundamentais às pessoas.
Nada obstante, a Constituição nem sempre concentrou todas essas matérias, devendo-se
registrar que ao longo da história, num primeiro momento, as Constituições dedicaram-se à
Organização do Estado e de seus Poderes, o que está na raiz do próprio termo Constituição,
a indicar o “modo de ser de alguma coisa”, no caso, “o modo de ser do Estado”.7
Assim, onde quer que tenha existido um Estado, existiu também uma Constituição.
Ou, nos termos expressos por Ferdinand Lassale, “Constituição real e efetiva a possuíram e
a possuirão sempre todos os países, pois é um erro julgarmos que a Constituição é uma prer-
rogativa dos tempos modernos. Não é certo isso”.8 Isto acontece porque em toda e qualquer
estrutura estatal, por mais rústica ou antiga que possa ser, exigiu uma certa organização,
sendo regulamentada por normas, ainda que não escritas, que dispunham sobre a formação
do Estado e o exercício de seus Poderes.
4. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.
5. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 246 e ss.
6. Ibidem, p. 215 e ss.
7. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 37.
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