A Constituição Federal de 1988 e o Constitucionalismo Social

AutorDaniel C. Pagliusi Rodrigues
Ocupação do AutorProcurador do Estado de São Paulo
Páginas17-49
A Constituição Balzaquiana 17
Capítulo 1
o Constitucionalismo Social
Daniel C. Pagliusi Rodrigues1
1 Introdução:
Inegavelmente, nossa Constituição Federal de 5 de outubro
de 1988 adotou o modelo de constitucionalismo social, com a
maior positivação de direitos sociais de todas as constituições
que já tivemos.
Na positivação dos direitos sociais, nossa Constituição foi
bem ousada ao dispor, logo no artigo 6º, de um amplo leque
de direitos sociais considerados abstratamente, para depois, ao
longo do texto, esmiuçá-los.
É a previsão expressa do artigo 6º: “São direitos sociais
a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição.”
A importância que nossa Constituição confere aos Direitos
1 Procurador do Estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional na Fa-
culdade São Luís e no curso preparatório para concurso da Federal Concursos.
Professor-orientador na Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado de
São Paulo (ESPGE). Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade
Mackenzie. Especialista em Direito Constitucional pelo CEU-SP. Especialista em
Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie.
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Organização: Daniel C. Pagliusi Rodrigues
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Sociais é tal monta que os inclui dentro da rubrica dos Direitos
Fundamentais ao trata-los no capítulo II do Título II. É digno de
nota que nossa Constituição ainda guarda um Título inteiro para
tratar de grande parte desses direitos no Título VIII, da Ordem
Social, que compreendem os artigos 193 a 232.
Para entendermos melhor o constitucionalismo social, é
necessário compreender, primeiro, qual é o modelo de Estado
que ela visa reger (Estado social), o contexto histórico em que
esse modelo estatal surge, os pressupostos que o fundamentam
e, como não poderia deixar de ser, a aplicação desses funda-
mentos ao Estado brasileiro.
2 A crise do Estado Liberal e a construção do Estado Social:
Ao falarmos do constitucionalismo social estamos a tratar
de um modelo especíco de Estado, denominado de Estado social,
ou Estado de bem-estar social, ou ainda Estado Providência.
O Estado social é uma evolução do Estado liberal, idea-
lizando a positivação de direitos sociais, com a concretização
destes de forma progressiva por meio de políticas públicas, mas
com todo seu aparato erguido sob uma infraestrutura capitalista.
O Estado social não é uma revolução que colocou abaixo
o modo de produção existente (capitalismo), porém é fruto
de reformas que alteraram profundamente o regime jurídico e
político do capitalismo liberal.
É cediço que vários dos direitos sociais foram conquistados
por meio de revoltas que, em vários casos, teve o preço de várias
vidas humanas. Onde não houve tais revoltas, prosseguiu-se
numa luta ideológica em que o receio de ruptura com o modo de
produção existente (capitalismo) proporcionou a concessão de
direitos sociais para proteção e sobrevivência das classes sociais
mais desprivilegiadas.
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A Constituição Balzaquiana
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O signicado do Estado social, em última análise, foi a
forma encontrada pelo capitalismo para que tenha sobrevida.
É a alternativa encontrada pelo próprio capitalismo para que se
mantenha vivo na infraestrutura social, permitindo a adoção de
um aspecto mais social e menos individualista na superestrutura.
É preciso lembrar que o capitalismo liberal, idealizado
por Adam Smith e John Locke e que serviu para a derrocada
dos Estados Absolutistas nos séculos XVIII e XIX, teve como
consequência uma profunda revolução no modo de se viver em
sociedade. Os avanços tecnológicos, a produção e a acumulação
de riquezas, o êxodo das pessoas do campo para se aglomerarem
nas cidades transformou toda a forma do homem se relacionar e
subsistir. Até mesmo Marx e Engels reconhecem esse espírito:
“[a burguesia] foi quem primeiro demonstrou quão capaz é a
atividade dos homens. Realizou maravilhas superiores às pirâmides
egípcias, aos aquedutos romanos e às catedrais góticas. Levou a cabo
expedições maiores que as grandes invasões e as Cruzadas (...). Em
apenas um século de sua dominação de classe, a burguesia criou forças
de produção mais imponentes e mais colossais que todas as gerações
precedentes reunidas. O domínio das forças naturais, o maquinismo,
as aplicações da química à indústria e à agricultura, a navegação
a vapor, as ferrovias, o telégrafo, o desbravamento de continentes
inteiros, a canalização de rios, o aparecimento súbito de populações
– em que século anterior se poderia prever que tais forças produtivas
cochilavam no seio do trabalho social? (...) a sociedade burguesa
moderna que gerou, como por encanto, meios de produção e de
troca tão poderosos assemelha-se ao feiticeiro que já não consegue
dominar as potências demoníacas que evocara (...). Nas crises eclode
uma epidemia social que teria parecido um contrassenso a todas as
épocas anteriores: a epidemia da superprodução.”2
Ocorre que na mesma proporção e velocidade dos avanços
graves problemas sociais eclodiam.
2 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Tradução de
Sueli Tomazzini Barros Cassal. Porto Alegre: L&PM, 2006. p. 28 e 31-32.
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