A constituição resiste

AutorOscar Vilhena Vieira
CargoDiretor da escola de direito da FGV-SP
Páginas12-14
20 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
ENTREVISTA
“A
constituição
resiste”
Oscar Vilhena Vieira
DIRETOR DA ESCOLA DE DIREITO DA FGV-SP
Antes do novo governo tomar assento no poder, em 2019, o professor e diretor da Es-
cola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, Oscar Vilhena Vieira, aler-
tava em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo: a constituição brasileira será sub-
metida ao mais intenso teste de estresse desde as manifestações de junho de 2013.
Ele havia emprestado o termo da engenharia para exprimir o sentido exato
de sua preocupação em relação ao que se avizinhava: a eleição do conservador populista
Jair Bolsonaro, que chegara ao poder em uma aliança que reunia liberais econômicos
(coisa que ele nunca foi), militares e membros da extrema-direita, impunha uma sombra
aos direitos fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição.
O que se viu em Brasília, entretanto, foi um exercício diário de decisões temerárias,
recuos à exaustão e um governo que se revelou claudicante até mesmo em decisões pro-
gramáticas. Ante as reformas anunciadas e a perfumaria dos costumes, optou-se pela
última. Confrontado com o cenário de rinha de galos que opunha aliados de seu governo
– pragmáticos e olavinhos – e a ausência de maioria no parlamento, Bolsonaro apelou
para os decretos e medidas administrativas. Ou seja, o parlamento falou mais alto.
Para Vieira, foi uma surpresa agradável assistir o Congresso (e o Judiciário) resistirem
aos arroubos e às pressões do governo sem sofrer abalos perceptíveis. Isso representou
também uma consolidação dos ditames constitucionais.
“Não houve paralisia dos trabalhos legislativos e o que se viu foi o congresso atuando
como um moderador de conflitos”, afirma Vieira.
Do lado do presidente, funcionou como uma colher de óleo de rícino. O presidente
percebeu que não era dono de direito. Mais: teve que enfrentar a crise do presidencialis-
mo de coalizão e a perda de poderes relacionado à aprovação do orçamento impositivo
(Emenda Constitucional 100, de 26.06.19), que tirou dele o privilégio de autorizar gastos
apenas quando bem entendesse.
Autor de “A Batalha dos Poderes” (Companhia das Letras, 2018), em que analisa a tran-
sição democrática desde a promulgação da carta de 88, Vieira critica, de maneira incisiva,
a usurpação do poder por parte do Supremo Tribunal Federal (). Chama-a de “supre-
mocracia” ou “ministrocracia”, termo cunhado pelos seus colegas da -Rio para definir
o excesso de decisões monocráticas da corte. “Como escreveu Delfim Neo, só o pleno
é supremo”, diz Vieira na entrevista a seguir. Além de escritor e articulista, o advogado,
professor de direito e diretor da  é também fundador do Instituto Pro Bono, volta-
do, como diz o nome, à defesa de réus que não podem pagar honorários.
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REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 659 I AGO/SET 2019
Oscar Vilhena VieiraENTREVISTA
Na introdução de “A Batalha dos Poderes”, o
senhor afirma que a grave crise política que
se estabeleceu a partir das manifestações de
maio de 2013, dificultou-lhe o plano de fazer
um balanço sereno dos 30 anos da Constitui-
ção no momento em que o senhor redigia o
livro. E agora?
Eu diria que o quadro segue turbulento.
Sem dúvida, previam-se medidas heterodoxas
por parte do governo Jair Bolsonaro e é natu-
ral que isso gere turbulência e mal-estar. Mas
quais as consequências? São duas: 1) no campo
político; 2) no campo institucional, na qual eu
me atenho mais. É fato que a crise estava ins-
talada no país. Não se fez uma tempestade em
céu azul. Muito pelo contrário. A crise instalou-
-se e o populismo surgiu como alternativa nes-
se processo. É assim que governos populistas
surgem, pelo embate com as instituições. Pela
desconfiança em relação ao legislativo e ao ju-
diciário. O populismo se nutre desse ataque.
Não há arbitragem de conflitos. O novo pre-
sidente começou por atacar as pesquisas de
emprego do  [ao afirmar que o número de
trabalhadores em ocupação era maior]; da Fio-
cruz, sobre o número de dependentes de droga,
e dos meios de comunicação, que apontaram
queda na popularidade do mandatário do país.
A transição para a democracia no Brasil
exigiu um grande esforço por parte de dife-
rentes setores da sociedade que emergiam de
uma ditadura de 25 anos. O temor de um re-
trocesso explica a elaboração de uma carta
ampla e detalhista. Esse pacto constitucio-
nal está abalado? Há uma ruptura à vista,
ou melhor, há condições para que sobreve-
nha uma ruptura?
Aparentemente as instituições estão resis-
tindo. O Congresso Nacional está moderando
o conflito. Não houve uma paralisia do Le-
gislativo, que aprova algumas medidas e não
aprova outras. Claro, o maior conflito gira atu-
almente em torno da reforma da previdência.
Bolsonaro já entendeu que ele não é o dono do
direito. O Congresso Nacional caminha para
moderar os arroubos presidenciais e aprovou
uma proposta de emenda à constituição ()
que estabelece o orçamento impositivo, reti-
rando do governo o poder de autorizar gastos
apenas quando bem entender. Isso significa
uma mudança de poder sem paralelo nas úl-
timas décadas, o que explica a turbulência.
Tudo indica um reequilíbrio entre os poderes
e um Legislativo mais forte.
Em 2018, ainda durante a campanha presi-
dencial, os candidatos Fernando Haddad
() e Jair Bolsonaro () acenaram com a
possibilidade de convocar uma assembleia
constituinte, mas depois recuaram. O senhor
acha provável que, dada as dificuldades do

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