Construção de um modelo preditivo para decisões do STF em ações diretas de inconstitucionalidade

AutorAlessandra Corrêa Cid
Páginas11-52

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CONSTRUÇÃO DE UM MODELO PREDITIVO PARA DECISÕES

DO STF EM AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE

ALESSANDRA CORRÊA CID

Resumo


Este trabalho objetiva iniciar a construção de um modelo de previsão de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) utilizando um algoritmo de machine learning. A ideia que guia este trabalho é a de que, testando-se e avaliando-se elementos do processo decisório judicial, que são importantes para a realização de uma análise preditiva da decisão, é possível delimitar como e quais fatores podem estar inluindo no processo decisório. Para tanto, inicialmente, analisa-se a literatura que estuda a inluência de fatores cognitivos, econômi-cos e institucionais nas decisões. Em um segundo momento, desenvolve-se um modelo preditivo de decisões do STF em Ações Diretas de Inconstitucionalidade, utilizando um algoritmo de random forest. O algoritmo foi aplicado duas vezes. Na primeira, considerou-se os seguintes elementos como features do modelo: (i) relatórios das decisões; (ii) ano em que a decisão foi publicada;
(iii) ministro relator; e (iv) requerente. Na segunda aplicação, foi considerado, além do mencionado anteriormente, o voto do ministro relator. Na primeira aplicação, o algoritmo acertou o resultado de 85% dos casos previstos e, na segunda aplicação, acertou 90% dos resultados. A partir disso, foi analisada a importância de cada feature para a realização da análise preditiva. Esse exame permitiu discutir e delimitar como e quais fatores psicológicos, econômicos e institucionais podem estar inluindo no processo decisório judicial.

Palavras-chave


Análise preditiva. Machine learning. Random forest. Supremo Tribunal Federal. Ações diretas de inconstitucionalidade. Processo decisório judicial.

Abstract


The goal of this paper is to initiate the construction of a predictive model of decisions of the Brazilian Supreme Court (Supremo Tribunal Federal) in “Ações Diretas de Inconstitucionalidade” using a machine learning algorithm. We consider that by testing and evaluating the elements of the judicial decision-ma-

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king process that are relevant to perform a predictive analysis of the decisions, it is possible to narrow down how and which factors can inluence the decision making process. To do so, irst, we analyzed the literature that studies the inluence of cognitive, economic and institutional factors on decisions. Then, we began the construction of the predictive model using a random forest algori-thm. The algorithm was applied twice. The irst time, the algorithm was input with the following features: (i) the report of the case; (ii) the year in which the decision was published; (iii) the judge rapporteur; and (iv) the claimant. The second time, in addition to these features, the vote of the judge rapporteur was also considered. In the irst application, the algorithm predicted 85% of the cases correctly and, in the second time, 90% of the cases. From these results, the importance of each feature for the prediction was analyzed. This process allowed us to discuss and narrow down how and which cognitive, economic and institutional factors could be inluencing the judicial decision-making process.

Keywords


Predictive analysis. Machine learning. Random forest. Supremo Tribunal Federal. Judicial decision-making process.

1 Introdução


As decisões tomadas por juízes dos mais diversos níveis hierárquicos provocam profundo impacto na sociedade. Contudo, apesar da relevância dessas decisões, não é tarefa trivial avaliá-las como boas ou ruins1. A alternativa mais comum consiste em veriicar aspectos jurídicos objetivos, como quais fatos e dispositivos foram analisados na decisão, mas ainda resta uma parte signi-icativa do direito que está sujeita à interpretação do magistrado e que, para ser avaliada, depende de como cada indivíduo percebe o direito vigente2. Isso acontece porque a lei não fornece uma resposta exata para todos os casos3.

É necessário, então, que o magistrado escolha um método interpretativo para decidir como e quais leis aplicar ao caso em questão. Nesse exercício, há espa-ço para que um juiz seja inluenciado por diversos fatores externos ao direito.

Um dos fatores que podem inluenciar magistrados são os chamados vie-ses cognitivos. Estes consistem em “atalhos” que auxiliam os indivíduos a tomarem decisões mais rápidas. Apesar de serem essenciais para auxiliar os seres humanos a tomarem decisões no dia a dia, vieses cognitivos podem ser nocivos caso impactem indivíduos, especialmente magistrados, durante o seu exercício proissional, sem que eles percebam. Alguns exemplos de vieses são o da an-

1 POSNER, Richard A. How judges think. [s.l.]: Harvard University Press, 2010. p. 3.

2 Ibid.


3 SCHAUER, Frederick, Thinking like a lawyer. [s.l.]: Harvard University Press, 2009.

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coragem4, o framing5e o hindsight bias6, que podem levar, respectivamente, juízes a (i) basear determinado valor de sua decisão em um número com qual tiveram contato, não necessariamente ligado ao processo, (ii) a enxergar a sua decisão somente por um ponto de vista de perda ou ganho e (iii) a superestimar a sua capacidade de prever que um evento aconteceria.

De acordo com Richard Posner, magistrados também podem ser inluen-ciados em suas decisões por possibilidades de promoção na carreira, salário, ganhos de reputação e tempo dedicado ao trabalho e ao lazer7. Nesse sentido, juízes seriam, como quaisquer outros seres humanos, maximizadores da sua função utilidade, reagindo aos incentivos da carreira no judiciário.

Por im, também é possível considerar a inluência de questões institucionais na tomada de decisão de juízes. Essa inluência pode se originar (i) das regras institucionais do judiciário, que limitam o comportamento dos juízes ou (ii) da relação dos magistrados com outros atores políticos do país. Em relação à primeira forma, é possível mencionar três modelos sobre comportamento judicial baseados no judiciário dos Estados Unidos: o “legal”, o “atitudinal” e o “estratégico”. Ribeiro e Arguelhes8analisam como eles poderiam ser aplicados ao Brasil e mostram que fatores institucionais do Supremo Tribunal Federal (STF) podem afetar hipóteses desses modelos sobre como os magistrados se comportam. Na segunda forma de inluência, magistrados e, em especial, os ministros do STF, seriam provocados a realizar uma opção por exercer ou não um poder político, ou seja, a atuar ou não no campo político junto a outros atores. Arguelhes9mostra que é possível identiicar momentos em que ministros do STF optaram por, até mesmo, reduzir o poder político do Tribunal, apesar de condições externas que, consideradas isoladamente, poderiam indicar elevada atuação política da Corte.

Assim, é possível veriicar que diversos fatores exógenos, além do próprio direito, são capazes de inluir na tomada de decisão judicial. A identiicação de quais são esses fatores é importante para a melhor compreensão da sociedade em relação ao processo decisório judicial. A construção de um modelo preditivo pode contribuir para ampliar essa compreensão na medida em que permite enumerar elementos das decisões capazes de explicar com maior precisão os

4 GUTHRIE, Chris; RACHLINSKI, Jeffrey J; WISTRICH, Andrew J. Inside the judicial mind. Cornell L. Rev., v. 86, p. 777, 2000.

5 Ibid.


6 Ibid.


7 POSNER, Richard A. What do judges maximize? (The same thing everybody else does). 3

SUP. CT, Econ. Rev, v. 1, p. 3-4, 1993.
8 RIBEIRO, Leandro Molhano; ARGUELHES, Diego Werneck. Preferências, estratégias e motivações: pressupostos institucionais de teorias sobre comportamento judicial e sua transposição para o caso brasileiro. Revista Direito e Práxis, v. 4, n. 7, p. 85-121, 2013.
9 ARGUELHES, Diego Werneck. Poder não é querer: preferências restritivas e redesenho institucional no Supremo Tribunal Federal pós-democratização. Universitas Jus, v. 25, n. 1, 2014.

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seus resultados. Nesse sentido, ao indicar quais elementos (features) testados na análise preditiva são relevantes para determinar o resultado das decisões judiciais (e.g., partes envolvidas, data, relator, tema, entre outros), o modelo preditivo permite delimitar os fatores do processo judicial (cognitivo, econômico ou institucional) que podem inluenciar a tomada de decisão — possibilitando, assim, que essas inluências sejam melhor estudadas10.

Como exemplo, é possível considerar um modelo preditivo que identiique que o elemento mais relevante para a realização de uma previsão seja qual foi o juiz envolvido na decisão do caso. A partir desse dado, é possível realizar estudos mais aprofundados, analisando os possíveis fatores que podem levar esse elemento a ser considerado como o mais relevante. Uma possível explicação para esse resultado seria a incidência de vieses cognitivos. Outra explicação viável seria a de que é possível associar a determinados juízes um padrão de votação orientado a uma atuação política do Judiciário, tornando previsíveis as suas decisões. Da mesma forma, caso o elemento mais relevante para uma análise preditiva sejam as partes do caso, seria possível considerar que os juízes estivessem sendo mais parciais para determinados requerentes. Contudo, o resultado poderia indicar também que determinadas partes possuem advogados melhores e, por isso, é comum que os pedidos delas sejam deferidos. Em qualquer caso, a análise preditiva tem o importante papel de delimitar quais são os possíveis elementos do processo decisório judicial que merecem ser mais bem estudados para que se compreenda a inluência de diferentes fatores no processo decisório judicial.

Nesse sentido, a ideia que norteia este trabalho é a de que, testando-se e avaliando-se elementos do processo decisório, que são importantes para a realização de uma análise preditiva da decisão judicial, é...

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