Construções científicas sobre o aborto no Brasil entre 2010 e 2018

AutorRaquel Silva Barretto, Ana Elisa Bastos Figueiredo
CargoDoutoranda em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública - ENSP - Fiocruz, Brasil/Doutora em Ciências da Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública-ENSP-Fiocruz, Brasil
Páginas6-34
6GÊNERO | Niterói | v. 22 | n. 1 | p. -34 | 2. sem 2021
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NãoComercial 4.0 Internacional.
CONSTRUÇÕES CIENTÍFICAS SOBRE O ABORTO NO BRASIL
ENTRE 2010 E 2018
Raquel Silva Barretto1
Ana Elisa Bastos Figueiredo2
Resumo: Este artigo analisa produções científicas sobre o aborto no Brasil. A busca
por publicações ocorreu entre os meses de abril e maio de 2018 em bases virtuais
relevantes para as ciências sociais e da saúde. A única delimitação foi a definição
do país, restringindo os achados ao Brasil. A busca resultou em 389 publicações
datadas desde 1964. As pesquisadoras optaram por dividir as publicações em três
períodos e trabalharam com o último, por ter apresentado o maior número de
artigos (64). As publicações foram divididas em subcategorias conforme o âmbito
da abordagem: política; judicialização; per fil principal das mulheres que abortam no
Brasil e suas vulnerabilidades; direitos humanos; questões emocionais; moralidade
por parte dos profissionais de saúde e religião. As duas últimas foram as mais
exploradas. Este trabalho servirá de subsídio para outros pesquisadores, uma vez
que o tema vem ganhando cada vez mais espaço nos discursos sociais e científicos.
Palavras-chave: Abor to; publicações; moralidade.
Abstract: This article aims to analyze scientific productions about abortion
in Brazil. To this end, publications on the theme were searched on virtual
social and health sciences databases between April and May 2018. The only
inclusion criteria concerned the country of production, restricting the findings
to Brazil. The search returned 389 works published up from 1964, which were
grouped into three time frames. For presenting the largest number of articles
(64), the period ranging from 2010–2018 was selected, and articles were
divided into subcategories: politics; judicialization; main profile of women who
have abortions in Brazil and their vulnerabilities; human rights; mental health;
morality by health professionals; and religion – the final two being the most
explored. This study will contribute for further research, for the topic has been
gaining more and more space in social and scientific discourses.
Keywords: Abor tion; publications; moralit y.
1 Doutoranda em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública – ENSP / Fiocruz, Brasil. E-mail:
quelbarretto29@hotmail.com. Orcid: 0000-0002-9571-473X
2 Doutora em Ciências da Saúde, Escola Nacional de Saúde Pública-ENSP/Fiocruz, Brasil. E-mail:
aebfigueiredo@yahoo.com.br. Orcid:0000-0001-7207-0911
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GÊNERO | Niterói | v. 22 | n. 1 | p. -34 | 2. sem 2021
1 Dimensões do aborto
O aborto é um tema de extrema complexidade, pois se situa em
uma “zona de conflito” entre diversas áreas e atores sociais. Dados da
Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2003 estimaram (até o refe-
rido ano) a ocorrência de 22milhões de abortos no mundo em condições
consideradas inseguras. Desse número, cerca de 47 mil resultaram no
óbito de mulheres; entre as que sobreviveram, cerca de 5milhões apre-
sentaram algum comprometimento físico ou mental (WORLD HEALTH
ORGANIZATION [WHO], 2003).
No Brasil, o aborto é considerado crime, estabelecido nos artigos 124 ao
127 do Código Penal (BRASIL, 1940). Já o artigo 128 prevê algumas possi-
bilidades para a sua realização legal nos casos de: (1) não haver outro meio de
salvar a vida da gestante e (2) a gravidez ser resultante de um estupro.
A última e mais recente possibilidade diz respeito à interrupção por
anencefalia. Diante dessas três situações, o aborto, autorizado por ordem
judicial, pode ser realizado por médicos e equipes preparadas, em hospitais
referenciados. A equipe não se sujeita a nenhuma punição, embora a obje-
ção de consciência seja um problema rotineiro.
Para além das questões dos abortos legais, a problematização dos
abortos induzidos vem ganhando espaço, uma vez que não há como
negar sua ocorrência. A prova de que esses abortos são realizados está
em diversos estudos. Um deles, partindo da análise dos dados de interna-
ções por abortamento a partir do Serviço de Informações Hospitalares
do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) concluiu que, em 2005,
foram registrados 1.054.242 casos. A maioria deles ocorreu nas regi-
ões Sudeste e Nordeste, com uma taxa anual estimada em 2,07 por
100mulheres de entre 15 e 49 anos (BRASIL, 2009).
Em 2010, foi realizada a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA) em domi-
cílios urbanos brasileiros, abrangendo mulheres de 18 a 39 anos. Foram com-
binadas técnicas de urna e questionários aplicados por entrevistadoras face
a face e 2.002 mulheres responderam às questões fechadas. Como resul-
tado, verificou-se que, ao completar 40 anos, uma em cada cinco afirmou
ter realizado um aborto. Das 2.002 mulheres participantes, 15% afirmaram
ter passado por pelo menos um aborto na vida e metade delas o fizeram por
vias medicamentosas. Os pesquisadores cogitaram que a outra parcela tenha
envolvido métodos mais precários e que metade desses casos resultou em
internações (DINIZ; MEDEIROS, 2010).

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