Recuperação empresarial - Utilização das demonstrações contábeis pelos profissionais do direito nos casos concretos

AutorAlexandre Demetrius Pereira
Páginas281-307

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O presente trabalho busca analisar Oa aplicação prática dos dados constantes das demonstrações contábeis apresentadas pelas empresas em recuperação, verificando a viabilidade de seu uso pelos operadores jurídicos (juízes, advogados, promotores de justiça, etc.) na realização de prognósticos quanto à superve-niência de uma situação de falência.

Demonstrações contábeis e recuperação de empresas em crise

Nas antigas concordatas e nas atuais recuperações (judiciais ou extrajudiciais) a escrituração tem papel ainda de maior relevância do que aquele presente nas falências. Isso porque, ao contrário do que ocorre quando se possui uma situação fa-limentar previamente definida, é necessário que se visualize com grande precisão a probabilidade de reerguimento da empresa. Para tanto, a escrituração empresarial fornece aos credores, ao Poder Judiciário e aos membros do Ministério Público, informações preciosas para a determinação da viabilidade econômica da empresa.

Nas recuperações judiciais e extrajudiciais sem o consenso da totalidade dos credores (em que a homologação tornará o conteúdo do plano impositivo ou obrigatório aos credores dissidentes).1 faz-se necessário a apresentação dos seguintes

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documentos contábeis, nos termos Lei 11.101/2005, art. 51 e 163, § 6o, II:2

• As demonstrações contábeis relativas aos 3 (três) últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de:

• Balanço patrimonial;

• Demonstração de resultados acumulados;

• Demonstração do resultado desde o último exercício social;

• Relatório gerencial defluxo de caixa e de sua projeção.

Devemos aqui verificar que a legislação atual ampliou ainda mais os requisitos referentes às demonstrações contábeis, exigindo os relatórios referentes a três exercícios, além daqueles confeccionados imediatamente antes do pedido, ao contrário da norma revogada que fazia referência tão-somente ao último exercício.3

O motivo das demonstrações abrangerem mais de um exercício destina-se a possibilitar aos credores e aos demais destinatários da informação contábil acompanhar a evolução da atividade econômica do devedor no tempo, viabilizando a elaboração de comparações,4 tendências e maior previsibilidade dos respectivos resultados futuros.5

Cabe-nos aqui lançar algumas breves explicações sobre as demonstrações contábeis exigidas pela legislação referente à recuperação, bem como verificar sobre a possibilidade de serem os dados ali inerentes utilizados, com razoável dose de certeza, para predizer uma eventual falência.

Nesse sentido, algumas questões se põem e serão a seguir formuladas para debate e conclusão final:

1) Quais são as possíveis críticas e inovações no tocante às demonstrações contábeis exigidas pela Lei 11.101/2005?

2) Quais são e como devem ser apresentadas as demonstrações?

3) Que informações as demonstrações contábeis exigidas pela Lei 11.101/ 2005 apresentam e como é possível analisá-las?

4) Há como o juiz retirar alguma informação dos demonstrativos contábeis

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apresentados com o pedido de recuperação que lhe aponte a viabilidade econômica ou o risco de determinado empresário vir posteriormente a falir? Em caso positivo, poderá o juiz negar o processamento da recuperação judicial, considerando, com base nas demonstrações contábeis, que a atividade empresarial que ali se apresenta é inviável?

Inovações e críticas à Lei 11 101/2005 no que toca às demonstrações contábeis exigidas

A demonstração de resultados acumulados

Ao invés de exigir, como fazia o De-creto-lei 7.661/2005, a demonstração de lucros e prejuízos acumulados (DLPA), a Lei 11.101/2005 exigiu a apresentação de demonstração de resultados acumulados, a qual não é prevista na legislação societária.

Veja-se que a DLPA simplesmente visa a demonstrar as causas e origens de uma conta do balanço patrimonial, qual seja a de lucros e prejuízos acumulados no período de um exercício. Assim, bus-car-se-á demonstrar se o lucro ou prejuízo teve origem na atividade operacional, se houve capitalização de lucros e reservas, se houve distribuição, etc. Parte-se dos valores da conta lucros e prejuízos acumulados de um exercício, somando-lhe e subtraindo-lhe valores concernentes às respectivas origens e aplicações para chegar aos valores desta mesma conta no exercício seguinte.

No entanto, usualmente não se acumulam valores em contas de resultado. A receita operacional bruta e as despesas operacionais, por exemplo, servem precipuamente para justificar o lucro do respectivo exercício, sendo finalizadas ao final de cada período. Aliás, não há qualquer razão para a apresentação de contas de resultado acumuladas (somadas), englobando vários exercícios, pois o que in-teressa ao usuário da informação contábil é justamente verificar a evolução de tais contas conforme o tempo.

Diante disso, a exigência gerou algumas perplexidades na doutrina. Alguns entendem que a determinação da legislação não passou de um equívoco do legislador, devendo ser apresentada a demonstração de lucros e prejuízos acumulados (DLPA) e não a demonstração de resultados acumulados, ou mesmo que quaisquer das duas estejam prejudicadas, dada a falta de clareza do legislador.

O equívoco é apontado por Isidoro Fabrinni, em artigo sobre o tema:6 "Apenas como ressalva, vale observar uma in-correção na alínea 'b' deste inciso II, como também no art. 105 - I - b - onde consta: 'demonstração de resultados acumulados'. Não existe demonstração contábil com essa denominação. Ou o legislador pretende se referir à 'demonstração do resultado do exercício' (...) ou à 'demonstração de lucros ou prejuízos acumulados', que a meu ver não faria sentido nesse contexto. De qualquer forma, fica prejudicada a exigência da alínea 'b' do inciso II do art. 51".

A Professora Raquel Sztajn (2005: 251), com a pertinência que lhe é peculiar, também leciona sobre o assunto:7 "Mas o legislador se refere a demonstrativo de resultados acumulados. Que tipo de peça contábil é essa? Aquela em que os resultados dos três períodos anuais são somados, tal como se dá com o balanço? Ou aquela em que são apresentados lado a lado para fins de confronto? Se o que se tinha em mente era somar resultados anuais, o risco é que se computem duplamente aqueles transferidos para o balanço de encerramento do exercício que, por força do processo contábil, estão, em alguma

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medida, refletidos no balanço inicial do ano seguinte. Se o que se pretende é que os resultados sejam apresentados lado a lado, a peça não tem utilidade, porque pode ser obtida pela só justaposição dos demonstrativos anuais".

Realmente, a referência do legislador causa sérias dúvidas. Isso porque as contas de resultado acumulam valores durante algum período de tempo (normalmente um exercício), superado o qual seus valores são transferidos para uma conta única (apuração do resultado do exercício). O saldo desta última conta, por sua vez, é ordinariamente transferido para a conta de lucros e prejuízos acumulados, tornando "zerados" todos os saldos das contas de resultado.

No entanto, na tentativa de salvar o texto legal, podemos ressaltar que o demonstrativo de resultados acumulados não é um desconhecido da ciência contábil, havendo autores que o tratam como mero somatório dos valores finais das contas de resultados apresentadas na demonstração de resultado do exercício (DRE).8 Destinar-se-ia, justamente, à hipótese aventada pela Professora Rachel Sztajn, qual seja, à soma dos períodos dos exercícios em análise, mesmo que seja de utilidade muito duvidosa em termos de informação contábil ao usuário.

A ausência de correção monetária das demonstrações

Um dos maiores problemas em termos de demonstrações contábeis, presente em nosso ordenamento a partir da vigência da Lei 9.249/1995, é a ausência de correção monetária nas demonstrações contábeis.

Com efeito, isso distorce a os valores das demonstrações respectivas, apresentando ao usuário informação contábil vie-sada e muitas vezes não correspondente à realidade. Sem preocupação com a rigidez dos critérios contábeis relativos às operações em moeda constante, tentaremos demonstrar a seguir como essa distorção ocorre, grosso modo.

Imaginemos que nos últimos três exercícios contábeis anteriores ao pedido de recuperação, o lucro líquido apresentado por uma sociedade empresária seja respectivamente de R$ 100.000,00; R$ 102.000,00 e R$ 110.000,00. Ora, a impressão que o credor desavisado poderá ter é que a sociedade devedora apresenta tendência de aumento de lucro, podendo existir algum problema eventual de liquidez temporária para que esta venha a solicitar sua recuperação.

No entanto, se inserirmos no curso do segundo exercício acima mencionado uma inflação de 5%, e de 10% no curso do terceiro exercício, veremos, numa análise sumária e perfunctória, que a empresa pode estar apresentando justamente uma tendência de prejuízo.

De fato, para compararmos, grosso modo, os valores acima mencionados, deveríamos verificar que tivemos uma inflação acumulada, entre o primeiro exercício e o terceiro, de 15,5% (contando 5% mais 10%...

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