O contexto e as mudanças no sistema de relações de trabalho no Brasil: mudança, retrocesso e desafios

AutorClemente Ganz Lúcio
CargoDiretor técnico do DIEESE, clemente@dieese.org.br
Páginas48-67
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 242, p. 582-601, set./dez., 2017 | ISSN 2447-861X
O CONTEXTO E AS MUDANÇAS NO SISTEMA DE RELAÇÕES
DE TRABALHO NO BRASIL: MUDANÇA, RETROCESSO E
DESAFIOS
Introdução
A reforma trabalhista em curso no Brasil está em sintonia com outras reformas
idênticas realizadas em mais de uma centena de países. É um projeto mundial das forças
econômicas e políticas que organizam o sistema produtivo, a partir do capital financeiro -
bancos, rentistas e investidores - e de uma economia que expande o setor de serviços. E, para
isso, impõe a máxima flexibilidade da força de trabalho.
A grande diferença aqui, no Brasil, é que se depôs uma Presidenta eleita para
se materializar um conjunto de reformas que oferecem ao capital, preferencialmente
internacional, a oportunidade de ocupar o país e comprar suas riquezas naturais e produtivas
a preços módicos. Nesse processo acelerado de entrega, os investidores internacionais foram
claros nas condições: querem segurança jurídica dos ativos adquiridos, garantias de que o
Estado não aumentará impostos e manterá o fluxo controlado e contínuo de remuneração da
dívida pública; exigências que levam à reforma da previdência e à reforma trabalhista.
Vale lembrar uma declaração exemplar, de meados de 2016, de um representante da
Janus Capital Group, gestora americana com quase US$ 200 bilhões em fundos. Petrobras,
Itaú Unibanco, Iochpe-Maxion, Suzano e Marfing fazem parte de sua carteira de investimentos
no Brasil. Dan Raghoonundon, analista da empresa, concedeu entrevista ao jornal Valor
(11/06/16) e, sobre a Petrobras, disparou: “realmente acredito que a companhia tem um valor
Clemente Ganz Lúcio
Diretor técnico do DIEESE, clemente@dieese.org.br.
Informações do artigo
Recebido em 08/12/2017
Aceito em 26/12/2017
Resumo
O objetivo principal do artigo é discutir o contexto
da implantação e as bases da reforma trabalhista
no Brasil, bem como as consequências para os
trabalhadores e o movimento sindical. O texto mostra
também o resultado de mudanças nas relações e da
legislação de trabalho em outros países, em especial
França, Espanha e México, indicando que não há uma
relação direta das reformas com a criação de emprego.
Por fim, é feita uma reflexão sobre os vários desafios
para a ação sindical e os trabalhadores, diante da nova
realidade do país.
Palavras-chave: reforma trabalhista, movimento
sindical, trabalhadores, direitos trabalhistas.
O Contexto E As Mudan ças No Sistema De Relações De Trabalho No Brasil... | Clemente Ganz Lúcio
Cadernos do CEAS, Salvador/Recife, n. 242, p. 582-601, set./dez., 2017 | ISSN 2447-861X
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intrínseco e está barata relativamente a seus ativos. Existe muito potencial para a Petrobras
para um investidor de longo prazo”.
Avançando sobre as escolhas do país, Dan Raghoonundon soltou: “O Brasil tem que
decidir se pretende aceitar grandes quantidades de companhias estrangeiras controlando
ativos-chave de infraestrutura. E, claro, essas companhias estrangeiras vão ter que ser
compensadas pelo risco que vão tomar”.
As condições complementares e essenciais são por ele destacadas no início da
entrevista: a estabilidade política de um novo governo que deve encaminhar as reformas
necessárias para o objetivo proposto. E quais são elas? Dan com a palavra: “Vamos monitorar
a aprovação de todas, como a da previdência e dos benefícios trabalhistas”.
A impressão é que os brasileiros não se dão conta de que o país é uma das maiores
economias do planeta, com inigualável base natural, robusta estrutura produtiva e enorme
mercado interno. É um grande negócio para o resto do mundo a venda de ativos e a
transferência da soberania brasileira para empresas estrangeiras. Infelizmente a sociedade
dá pouca atenção a esse processo, que se encontra em fase avançada de execução. Mas não
é esse o foco deste artigo.
Aqui vamos analisar a reforma trabalhista no contexto das demais reformas no Brasil
e no mundo, indicar os eixos estruturantes da reforma aqui realizada e apontar impactos e
alternativas para a ação sindical e para os trabalhadores.
A nova loucura ocupa o mundo
Está em curso um movimento de profunda transformação no sistema produtivo e
distributivo do capitalismo mundial, capitaneada pelo sistema financeiro, que fragmenta a
produção e concentra renda e riqueza.
O setor de serviços expande a mercantilização de todas as atividades humanas e é
parte estratégica da externalização de custos da produção industrial pela terceirização. Nessa
dinâmica, já é responsável por 60% a 80% da estrutura econômica dos países desenvolvidos
e em desenvolvimento e por mais da metade dos empregos.
Há investimentos vultosos de empresas e Estados no desenvolvimento tecnológico
da base produtiva e, especialmente, de tecnologia para as áreas do setor de serviços e do
comércio. A tecnologia atingirá em massa os empregos no mundo desenvolvido e em

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