Contexto das experiências atuais de cooperativismo

AutorFábio de Oliveira
Ocupação do AutorProfessor do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
Páginas37-44

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Comecemos por identificar as condições que constituem o contexto em que se produziu, a partir dos anos 1990, a proliferação pelo país de novas cooperativas de trabalhadores e os elementos que permitiram suas diferentes manifestações, especialmente as que serão analisadas no pr óximo capítulo.

Paul Singer (2004) - ao chamar a atenção para essa proliferação, que denominou como "surto" de cooperativas de trabalho - enumera algumas razões para a sua ocorrência:

"As cooperativas de trabalho estão em crescimento acelerado nos últimos anos. Diz-se que todo dia nascem duas novas cooperativas de trabalho em São Paulo. O surto das cooperativas de trabalho se explica pelas profundas transformações sofridas pelo mercado do trabalho, que são autêntica tragédia para o trabalhador. Em resumo, elas resultam do rápido crescimento da produtividade do trabalho, produzido pela revolução industrial em curso; da liberalização do comércio mundial, que tornou possível transferir quantidades cada vez maiores de postos de trabalho para países de baixos salários e parcos direitos sociais; a mesma liberalização ensejou a exportação em acelerado aumento de bens e serviços dos países para onde migram os capitais para os países em que o custo do trabalho é maior" (p. 1).

Nesse contexto, marcado pela saturação de mercados, pelo incremento do desemprego, pelo crescimento do mercado informal e pela fragilização dos vínculos de trabalho, várias são as respostas de diferentes setores da sociedade em função de seus interesses.

De um lado, intensificam-se os esforços das empresas para reduzir custos de produção, o que envolve, entre outras ações: a introdução de novas tecnologias que reduzem a necessidade de aplicação de mão de obra, a terceirização, as novas práticas de gestão. Antunes (1999) utiliza uma expressão muito eloquente para descrever esse quadro, que denomina como um processo "liofilização"17 do trabalho, isto é, o enxugamento da produção em proporções nunca vistas antes na história do capitalismo.

Para Dowbor (2002), o conjunto dessas mudanças tem como resultado a flexibilização e a precarização das relações de trabalho:

"De forma geral, estamos indiscutivelmente assistindo a uma imensa flexibilização dos vínculos de trabalho, a qual adota formas muito diversificadas. Estas surgem com tal ritmo que, no mais das vezes, tornou-se extremamente

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difícil acompanhar os diversos subsistemas que estão se formando. A precariedade parece ser um denominador comum do processo, ainda que nem todas as formas ou tendências sejam negativas" (p. 45, itálicos nossos).

De outro lado, trabalho, emprego e geração de renda são temas que passam a fazer parte das angústias diárias dos trabalhadores, das reivindicações dos movimentos sociais, das promessas de candidatos a cargos públicos e das políticas sociais propostas por vários governos.

No que diz respeito às cooperativas, elas aparecem como uma resposta ou alternativa dentre várias outras e é interessante notar as diferentes origens desses empreendimentos. Singer (2004) nos oferece algumas pistas para compreender essa diversidade do fenômeno.

As mudanças ocorridas no mercado de trabalho tornaram conveniente para as empresas a "substituição de trabalho assalariado regular por trabalho contratado autônomo", assim, segundo o autor,

"Empresas criam cooperativas de trabalho, com seus estatutos e demais apanágios legais, as registram devidamente e depois mandam seus empregados se tornarem membros delas, sob pena de ficar sem trabalho. Os empregados são demitidos, muitas vezes de forma regular, e continuam a trabalhar como antes, ganhando o mesmo salário direto, mas sem o usufruto dos demais direitos trabalhistas. Estas são as falsas cooperativas também conhecidas como cooperfraudes e outros epítetos. São cooperativas apenas no nome, arapucas especialmente criadas para espoliar os trabalhadores forçados a se inscrever nelas" (p. 2).

Mas, ainda segundo Singer (2004), a terceirização de mão de obra não é a única origem dos empreendimentos cooperativos surgidos ao longo da última década:

"A outra origem das cooperativas de trabalho resulta de iniciativas de trabalhadores marginalizados, sem chance de obter emprego regular ou ainda em perigo de perder o trabalho que têm. Esse é, por exemplo, o caso dos trabalhadores de empresas em crise, que se organizam em cooperativa ora para tentar recuperar a sua ex-empregadora (comprando-a com seus créditos trabalhistas e eventualmente com financiamento) ora para disputar o mercado de serviços terceirizados, tendo como arma sua proficiência profissional" (p. 2, itálicos nossos).

São essas as cooperativas que se formaram a partir das "empresas recuperadas" - algumas das quais associadas, por exemplo, à Anteag ou à UniSol, entidades referidas no primeiro capítulo.

Vemos também surgirem as chamadas cooperativas populares, cuja formação tem ligação estreita com iniciativas locais e com o fomento de instituições como as incubadoras universitárias. Segundo o autor:

"Formam também cooperativas de trabalho trabalhadoras e trabalhadores muito pobres, que sobrevivem vendendo seus serviços individualmente e tentam

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obter melhores condições de ganho unindo-se em cooperativas de...

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