Contornos da Proteção do Direito de Imagem da Pessoa do Trabalhador

AutorFlaviana Rampazzo Soares
Ocupação do AutorCoordenadora
Páginas107-116

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1. Introdução

Na atualidade, não mais se questionam o reconhecimento e necessidade de proteção dos denominados direitos de personalidade, “direitos essenciais” que constituem “a medula da personalidade”1, pois a personalidade é uma expressão da própria pessoa, cujo vínculo inexorável provém da dignidade humana.

Os atributos pessoais inatos (em sua maioria) e ínsitos, que compõem os direitos de personalidade, estão dispostos em diferentes regras jurídicas, em distintos diplomas legislativos, com maior ou menor grau de proteção e disponibilidade e, alguns deles, possuem representação econômica imediata, tais como os direitos de autor e o direito de imagem.

Este artigo abordará um desses direitos de personalidade, qual seja, o direito de imagem, enfatizando sua abrangência e peculiaridades no direito laboral, investigando seu conceito, natureza, condições de uso, emprego desautorizado, consequências do uso não autorizado, possibilidade de utilização independente de autorização, em suma, tratará dos contornos e limites do direito de imagem da pessoa do trabalhador, sem alcançar, no entanto, os direitos do empregador quanto ao uso da sua imagem pelo empregado e sem tratar da “imagem” moral (também conhecida como “imagem-atributo”) do seu titular, que nada mais é do que a reputação, abordada no capítulo desta obra que trata do dano à honra.

2. Da natureza dos direitos de personalidade à concepção do direito de imagem

Os direitos de personalidade são, ao mesmo tempo, ponto de partida e ponto de chegada. Com isso, quer-se dizer que os direitos de personalidade têm na pessoa a sua gênese, sujeito cujos atributos constituem “objeto” desses direitos, para o qual são reconhecidos direitos subjetivos vinculados aos seus elementos constitutivos de ordem física, psíquica e de expressão “moral” (de criação)2.

São o ponto de chegada, porquanto a irradiação desses direitos de personalidade gera uma justa expectativa tanto de exercício sem obstáculos ilegítimos (esfera pessoal), quanto de respeito pelos demais (esfera social).

Os direitos de personalidade têm sua natureza no poder de exercício inerente à própria pessoa titular, e possuem algumas características relevantes, e que mais trazem consequências no direito laboral, que são:

(a) seu caráter de direito absoluto (unicamente porque é oponível erga omnes);

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(b) a intransmissibilidade (em que pese a organicidade do vínculo entre direito de personalidade e pessoa, é possível a transmissibilidade na órbita dos efeitos patrimoniais);

(c) a universalidade (pois são de todas as pessoas naturais e, em alguns aspectos, podem ser atribuídos às pessoas jurídicas);

(d) a extrapatrimonialidade imediata (trata-se de um interesse vinculado a aspectos subjetivos, que pode, conforme o caso, ter repercussão econômica mediata); e

(e) a irrenunciabilidade (de modo genérico, com o objetivo de preservação de seu núcleo essencial3).

Os direitos de personalidade estão sujeitos à autolimitação, cabendo, no entanto, uma separação entre a renúncia ao direito em si, e a renúncia a determinadas projeções que concernem ao exercício do direito em sua esfera subjetiva, sendo que o primeiro aspecto é proibido e o segundo é permitido4.

Assim, o direito à imagem é protegido e irrenunciável, embora uma pessoa possa, por exemplo, permitir o uso de um retrato, por terceiros, se isso não lhe trouxer prejuízo, ou seja, se for juridicamente justificável.

Dessa forma, somente se reconhece a possibilidade de renúncia ou limitação para o que é permitido dispor. Quando é assegurada a capacidade de autodeterminação pessoal, bem como o seu exercício, passa-se a admitir a existência de um poder de disposição que, ainda que não seja pleno (e a restrição à plenitude reside essencialmente na admissão de iguais direitos aos demais seres), permite regulação dos interesses vinculados à personalidade humana, pois essa disposição é condição ao livre desenvolvimento da personalidade, que representa um dos feixes da dignidade humana.

Se, por um lado, reconhecem-se tais características como anteparo contra possíveis condutas indesejáveis, por outro, podem servir como eventual limitação à autodeterminação do trabalhador, pois, conforme dito, tais direitos não podem ser suprimidos por declaração de vontade de seu titular, embora seja reconhecido que há possibilidade de disposição relativa, como a cessão de uso de imagem. O critério qualitativo servirá como marco fronteiriço entre a legalidade e a ilegalidade, porquanto o poder de disposição depende do amoldamento desse exercício ao cumprimento da utilidade da situação jurídica subjetiva correspondente.

Um dos direitos da personalidade em que é mais comum ocorrer o exercício do poder de disposição é o direito de imagem.

A imagem é concebida como representação visual pessoal exterior. Trata-se da efígie, exteriorizada por reprodução, mediante qualquer meio que retrate o aspecto exterior pessoal, e pode ser literal ou por semelhança, gráfica, física ou virtual (que costuma ser denominada como imagem-retrato).

Esse signo distintivo essencial da pessoa5não se confunde com a honra (algumas vezes referida como imagem-atributo), que trata da reputação, muitas vezes vinculada à imagem, mas que a ela não se equipara conceitualmente6. Para tanto, basta dizer que a mera exposição desautorizada da imagem-retrato, que não seja ofensiva, não causa dano à honra, mas causa dano à imagem e traz a proteção jurídica às mãos de seu titular.

3. Teorias monista e dualista do direito de imagem

O direito à imagem costuma ser tratado doutrinariamente por duas teorias, denominadas monista e dualista7. Tradicionalmente, a teoria dualista tem sido aplicada no sistema de common law e a monista no sistema da civil law.

Na teoria dualista, o direito à imagem é desdobrado em right to privacy e right to publicity, ambos autônomos entre si, o primeiro reputando a imagem como uma das expressões intangíveis da privacidade (dela derivada, e não independente) e tutelando valores pessoais da personalidade nessa esfera, e o segundo, tratando da dimensão patrimonial da imagem, passível de exploração econômica8.

O right of publicity, foi reconhecido nos EUA, inicialmente, em 1953, no precedente Haelan Laboratories, Inc. v. ToppsChewing Gum, Inc., no qual o juiz Jerome Frank afirmou que “além e independentemente do referido direito de privacidade, um ser humano tem direito no valor de publicidade de sua fotografia, ou seja, o direito de usufruir do privilégio exclusivo de publicar a sua imagem”9, e essa proteção da imagem, mesmo quando seu uso desautorizado ocorre sem fins lucrativos, fundamenta-se na primeira emenda da Constituição estadunidense10.

Na teoria monista, que é a adotada no sistema jurídico brasileiro, não ocorre uma divisão quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais do direito de imagem, pois ambos aspectos são tratados conjuntamente, assegurando-se que o titular da imagem tem tanto a possibilidade de defesa desse legítimo interesse em face de ingerências alheias

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indevidas, quanto o poder de disposição, mediante a possibilidade de obtenção de benefícios decorrentes da autorização de exploração.

Seja pelo right of publicity da teoria dualista, seja pela teoria monista brasileira, tem-se como axioma que a imagem, o nome, a voz e a assinatura do titular do direito, são protegidos contra ingerências alheias indevidas e desautorizadas.

Há um fundamento constitucional para essa proteção, seja pela implícita cláusula geral protetiva do direito de personali-dade, seja especificamente pela redação do art. 5º, X, da Constituição Federal, o qual prevê a inviolabilidade da imagem pessoal, assegurando a possibilidade de indenização na ocorrência de violação. No plano infraconstitucional, é o art. 20 do Código Civil que estatui a proteção ao direito de imagem11.

O direito à imagem protege seu titular pelo fato de conceder-lhe poder de disposição e autonomia para o exercício da autodeterminação, como senhor da decisão pela autorização ou não autorização quanto a captura e o uso de sua imagem por terceiro, e, concomitantemente, proíbe aquele que não é titular da imagem ou detentor de direito de uso, de utilizar a imagem alheia (designado como um “direito de não intervenção”12).

Assim, quem tiver seu nome, a voz, a assinatura ou imagem (ou qualquer expressão semelhante13) utilizada sem autorização, terá a possibilidade de postular tutelas preventivas (inibitórias, inclusive) ou, caso o dano tenha se consumado, terá a possibilidade de ser indenizado por esse uso indevido.

Tem-se que o titular da imagem detentor tanto dessa expressão, por si, quanto na sua exploração, a qual será incluída, como objeto, em negócios jurídicos. Em decorrência disso, tem o direito potestativo de definir quando, como, onde e de que forma sua imagem poderá circular, assim como a legítima pretensão de que, quando autorizado o uso da imagem, esta seja mantida íntegra.

O consentimento do titular da imagem pode ser outorgado por escrito ou verbalmente, de forma expressa ou tácita, e o uso pode ocorrer de forma onerosa ou gratuita.

Conforme referido, o direito à imagem, como direito de personalidade autônomo, é uma típica expressão sujeita à circulação jurídica e, mais precisamente, está licitamente disponível para servir de objeto de determinados negócios jurídicos, conforme os legítimos interesses do seu titular, e isso será...

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