Contrassensos sanitários do controle vetorial da dengue, zica e chicungunya: onde fica o direito a um ambiente saudável?

AutorLia Giraldo da Silva Augusto - Finn Diderichsen - Solange Laurentino dos Santos
Páginas127-131

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Lia Giraldo da Silva Augusto *

Finn Diderichsen **

Solange Laurentino dos Santos ***

Introdução

Desde 2015, o Brasil vem sofrendo três epidemias concomitantes: dengue, zika e chikungunya. Surtos de dengue têm sido frequentes desde 1986, cuja incidência tem sido em escala crescente. Em 2015 foram registrados mais de 1,5 milhões de casos no Brasil, com mais de 800 mortes confirmadas nesse ano.

O vírus Chikungunya foi registrado pela primeira vez na América em 2013 e em 2015 mais de 38.000 casos foram relatados no Brasil. O registro de mortes começou tardiamente, uma vez que os casos de Chikungunya começaram a ser diagnosticados a partir do segundo semestre de 2015. Centenas de casos com sintomas graves e duradouros de dor nas articulações têm retirado do trabalho por longo período uma grande quantidade de pessoas.

Em maio de 2015, os primeiros casos de infecção pelo vírus Zika foram relatados no Brasil e em poucos meses o vírus se espalhou rapidamente para outros 22 países. Enquanto os sintomas da infecção por Zika por si só são leves e podem até ser inexistentes, seus efeitos podem ser devastadores. Distúrbios neurológicos e má-formação congênita têm sido relatados como associados a essa infecção. A mais grave é a microcefalia em bebês de mães infectadas durante a gravidez.

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A epidemia pelo vírus Zika foi declarada uma emergência nacional e alguns meses depois a Organização Mundial da Saúde a classificou como uma emergência global até o segundo semestre de 2016, quando essa situação é suspensa, mesmo sem grandes modificações do quadro epidemiológico e dos riscos em expansão.

Desde o início do surto de microcefalia e de outras anomalias congênitas do sistema nervoso, possivelmente relacionadas ao Zika, até fevereiro de 2016, foram registrados 5.640 casos suspeitos. Destes, 745 foram confirmados clinicamente como decorrentes da infecção por esse vírus, sendo que 12% (88 casos) tiveram o diagnóstico confirmado sorologicamente. Quanto às mortes, houve 120 registros de crianças que foram a óbito (após o nascimento ou durante a gravidez) com microcefalia e/ou alteração do sistema nervoso central, dessas 25% estavam infectadas pelo vírus Zika.

Embora os Estados do Nordeste brasileiro tenham sido os primeiros a registrar casos de Zika, atualmente está sendo observado em 1.101 municípios de 25 Estados brasileiros. O Amapá e o Amazonas são os únicos entes da federação que ainda não têm casos registrados até o presente momento.

Vários estudos têm demonstrado uma relação inversa entre riqueza e infecção por dengue. Estudos brasileiros têm evidenciado grandes desigualdades sociais em sua ocorrência e nas taxas de sobrevivência, quando se compara o viver em áreas desfavorecidas com o de áreas mais abastadas. As áreas desfavorecidas apresentam a menor proporção de domicílios com abastecimento regular de água, e se sabe que as interrupções no abastecimento de água estão associadas ao aumento dos casos de dengue.

A pobreza urbana e outros determinantes sociais contribuem fortemente para a transmissão da dengue nessas áreas, que possuem enorme deficiência de saneamento básico, especialmente com baixo acesso a água potável, com coleta de lixo, rede de esgoto e drenagem de águas superficiais inexistentes ou inadequadas.

Esta situação cria excelentes condições para a existência de criadouros de mosquitos, como o Aedes aegypti e o Culex. Infelizmente, ao invés de se corrigir essas deficiências, o governo vem há mais de 30 anos lançando mão do uso de larvicidas químicos despejados em recipientes de água para consumo humano nas áreas mais pobres e da pulverização de inseticidas sob pressão (Baixo Ultra Volume), para eliminar o mosquito adulto.

Essa forma de enfrentamento do problema tem sido ineficaz, e por ser mantida é perdulária e perigosa. Expõe milhares de trabalhadores da saúde, que aplicam esses venenos, a produtos tóxicos. A população é levada a acreditar que o veneno utilizado só faz mal ao mosquito. O ocultamento do risco realizado pelas autoridades sanitárias leva as populações pobres, incomodadas pelas pragas urbanas, especialmente o Culex (conhecido também como pernilongo ou muriçoca) a reivindicar a borrifação...

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