O contrato de locação de ativos e a implementação de infraestrutura atrelada ao saneamento básico

AutorFloriano de Azevedo Marques Neto; Carlos Eduardo Bergamini Cunha
Páginas625-657
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O CONTRATO DE LOCAÇÃO DE
ATIVOS E A IMPLEMENTAÇÃO DE
INFRAESTRUTURA ATRELADA AO
SANEAMENTO BÁSICO
FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES NETO
CARLOS EDUARDO BERGAMINI CUNHA
Sumário: Introdução. I. A Contratualidade na Administração
Pública. I.1. Os modelos contratuais colocados à disposição do
administrador público. I.2 O critério de definição do tipo de contrato
a ser utilizado: atendimento a interesses públicos concretamente
delimitados. I.3 A possibilidade de serem entabulados contratos
administrativos atípicos. II. O Contrato de Locação de Ativos. II.1
A normatividade do modelo contratual de locação de ativos para o
setor do saneamento básico. II.2 A previsão legal do modelo de
locação de ativos na Lei do RDC. III. A Legitimidade do Modelo
Contratual de Locação de Ativos. III.1 Impossibilidade de
engessamento do Poder Público e legitimidade da utilização de
contratos tidos como atípicos. III.2 Normatização do modelo
contratual da locação de ativos. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
É inegável a existência hoje de um grande número de modelos
de contratos administrativos à disposição do administrador público para
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FLORIANO DE A. MARQUES NETO; CARLOS EDUARDO B. CUNHA
as mais diversas finalidades. Se até meados dos anos 1990 dispúnhamos
basicamente dos contratos de empreitada da Lei n. 8.666/93 e das con-
cessões de serviços e obras públicas tradicionais, hoje há as PPPs, os
contratos de consórcios públicos, os contratos de gestão, os termos de
fomento e acordos de cooperação com as organizações da sociedade civil,
as parcerias institucionais com o Poder Público, entre inúmeros outros.
Entretanto, um desses modelos contratuais tem ganho destaque
mais recentemente, na verdade nos últimos quinze anos, notadamente
no setor de implementação de infraestrutura para a prestação de serviços
públicos de saneamento básico. Refere-se aqui ao chamado contrato de
locação de ativos, um mecanismo de construção de infraestruturas pú-
blicas consistente em delegar ao particular a sua construção e posterior
locação com a finalidade de garantir a amortização dos investimentos e
do lucro projetado. Melhor explicando, a estrutura desses contratos
envolve, após o fim do devido processo licitatório, o dever do particu-
lar contratado de (i) executar, às suas expensas, as obras de implemen-
tação da infraestrutura necessária à prestação de determinado serviço
público e (ii) locá-la à Administração contratante por determinado
prazo, de forma a garantir a amortização das despesas havidas e do lucro
projetado. Ao final desse período, (iii) a infraestrutura passa a integrar o
domínio do Poder Público, que pode ou operá-la e prestar os serviços
por conta própria ou então delegar sua prestação à iniciativa privada.
Embora o modelo da locação de ativos tenha se vincado como
uma alternativa bastante recorrente para a construção de infraestruturas
ligadas aos serviços de saneamento básico, muito pouco há escrito sobre
o tema, o que justifica o interesse do presente texto. No mais, alterações
legislativas recentes garantiram a efetiva institucionalização do instru-
mento, muito embora sua legitimidade sempre se fez presente.
Assim, o texto se iniciará tratando do fenômeno da contratualidade
na Administração Pública, oportunidade em que se discorrerá sobre os
modelos de contratos mais tradicionais disponibilizados ao administrador
público pelo cenário normativo vigente (Item II); em segundo lugar,
parece-nos indesviável descrever mais detalhadamente a arquitetura do
modelo contratual da locação de ativos, bem como apresentar sua previsão
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normativa para obras de infraestrutura em saneamento básico e mesmo as
recentes alterações legislativas que impactaram de alguma forma esse tipo
contratual (Item III); a partir daí, adentraremos especificamente ao tema
da licitude desses contratos (Item IV). A conclusão virá ao final (Item V).
I. A CONTRATUALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Pode parecer até surpreendente nos dias de hoje, mas há pouco
tempo atrás era comum o questionamento da própria existência do que
hoje conhecemos como contratos administrativos. Focados no aspecto
da soberania do ente estatal, diziam os teóricos de até meados do sécu-
lo passado que por não ser a Administração Pública portadora de von-
tade própria (persegue constantemente o interesse público) nem uma
mera parte contratual (já que dispõe de prerrogativas de constrangimen-
to legítimo do particular), elementos, sabe-se, essenciais em um contra-
to, as relações que celebrava com os privados não configuravam contra-
tos, mas sim atos jurídicos bilaterais. “Partia-se aí da concepção de que,
em se tirando as hipóteses de o Estado, autorizado por lei, firmar con-
tratos regidos pela legislação civil (os chamados contratos privados da
Administração), nos demais contratos não haveria que se falar na exis-
tência de um tipo peculiar de contrato administrativo, mas sim de um
ato jurídico bilateral”.
Atualmente, entretanto, esse debate se mostra completamente
despropositado. Após se constatar que o contrato administrativo perten-
ce à Teoria Geral do Direito (e não a este ou aquele ramo), foi possível
à doutrina distingui-lo dos demais contratos privados. Nesse sentido, é
comum falar que os contratos administrativos são ajustes bilaterais pe-
culiares, marcados por três fatores: (i) de um lado, pela existência de
cláusulas exorbitantes em favor do Poder Público contratante, as quais
lhe concedem prerrogativas de unilateralmente alterar, rescindir, fisca-
lizar os ajustes, bem como sancionar seus contratados; (ii) de outro, pela
ausência de liberdade na escolha do particular a ser contratado pelo
Estado (submetido em regra ao dever de licitar); e, por fim, (iii) na au-
sência de autonomia volitiva da Administração, que está vincada na
incessante busca pelo atingimento do interesse público.

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