Contrato de Trabalho Intermitente

AutorIuri Pereira Pinheiro
Ocupação do AutorJuiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região
Páginas35-52
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IURI PEREIRA PINHEIRO
(1)
(1) Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Ex-Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Ex-
-Assistente de Juiz e Ex-Assessor de Desembargador (CJ-3) no TRT da 7ª Região, Ex-Assistente de Juiz e Ex-Chefe de Gabinete de Desembargadora
(CJ-2) no TRT da 2ª Região, Ex-servidor do TRT da 9ª Região e Ex-Assistente de Ministro (FC-5) do TST. Graduado em Direito pela Universidade
de Fortaleza. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera e em Direito Público pela Faculdade Fortium.
Palestrante na área de Direito Material e Processual do Trabalho. Professor da Verbo Jurídico, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
(PUC Minas) e da Escola da Associação de Magistrados Trabalhistas da 9ª Região. Colaborador Beneficente da Faculdade de Peruíbe. Escritor de
obras jurídicas e artigos científicos na área de Direito Material e Processual do Trabalho. E-mail: iurippinheiro@gmail.com.
(2) JOÃO, Paulo Sérgio. Trabalho intermitente: novo conceito de vínculo de emprego. .com.br/2017-set-22/reflexoes-
trabalhistas-trabalho-intermitente-conceito-vinculo-emprego2>. Acesso em: 23.9.2017.
(3) AMADO, João Leal. Perspectivas do direito do trabalho: um ramo em crise identitária? Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região,
n. 47, Campinas, p. 187, 2015.
(4) NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
1. Introdução
A denominada Reforma Trabalhista de 2017 (Lei n.
13.467/2017) transformou profunda e sistematicamente o
microssistema laboral brasileiro, em especial a Consolidação
das Leis do Trabalho.
Há, dentre as tantas mudanças, uma alteração legislativa
que merece particular atenção: a inserção do § 3º no art.
443 e do art. 452-A na CLT, inaugurando no Brasil a figura
do contrato de trabalho intermitente. Tal modalidade pode
vir a transformar a relação de emprego no país, na medida
em que amplia o seu conceito, flexibilizando o requisito
do trabalho não eventual e rompendo com o exercício dos
poderes disciplinar e diretivo do empregador(2), conforme
elucidaremos mais adiante.
Essa novel forma de contratação se alicerça em dois
grandes eixos: (1) a redução/compressão dos custos empre-
sariais e (2) a ampliação das faculdades/poderes patronais na
gestão da mão de obra, conforme há muito já nos alertava o
Professor Amauri Mascaro(3).
O contrato de trabalho intermitente é novidade no or-
denamento brasileiro, mas já é praticado em alguns países
anglófonos e europeus. Nele, o trabalhador e a empresa ce-
lebram um contrato no qual se estipula o valor da hora, não
inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido
aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a
mesma função. A prestação do serviço é descontínua ou até
mesmo eventual, podendo alternar em dia e hora, cabendo
ao empregado o pagamento das horas efetivamente traba-
lhadas. Ainda, a empresa deve avisar o trabalhador com um
prazo de antecedência sobre a disponibilização do serviço.
Amauri Mascaro Nascimento, antes mesmo da apro-
vação da Reforma Trabalhista, alertava a necessidade de
regulamentação do trabalho intermitente, uma vez que este
já seria parte da prática social, conforme o trecho elucidativo
adiante transcrito: “regime jurídico do trabalho intermitente
carece de regulamentação para afastar dúvidas sobre o seu
conceito e enquadramento, de modo que seria de toda a con-
veniência uma lei em condições de dirimir dúvidas, oferecer
maior segurança para o contratante e, também, especificar
os direitos para o contratado”.(4)
Por ocasião da tramitação do projeto de lei que redun-
dou na “Reforma Trabalhista”, o Deputado Rogério Marinho
relatou a questão nesses termos: “Não mais podemos aceitar
que as rígidas regras da CLT impeçam a absorção pelo mer-
cado de trabalho de milhões de brasileiros que integram as
estatísticas oficiais do desemprego, do subemprego e dos que
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Reforma Trabalhista — Avanço ou Retrocesso?
desistiram de procurar por um emprego, após anos de busca
infrutífera por uma ocupação no mercado (...). Ressalte-se
que o próprio TST já admitiu a legalidade do pagamento das
horas trabalhadas, o que pode ser verificado na OJ n. 358,
segundo a qual “havendo contratação para cumprimento de
jornada reduzida, inferior à previsão constitucional de oito
horas diárias a quarenta e quatro semanais, é lícito o paga-
mento do piso salarial ou do salário mínimo proporcional
ao tempo trabalhado”.
O ex-ministro do TST, Almir Pazzianotto afirmou que
a criação do contrato de trabalho intermitente “é a regula-
mentação do bico, uma realidade que já existe. Dá segurança
para as duas partes e é uma fonte de rendimento. Músicos e
garçons se beneficiariam com este regime, por exemplo”(5).
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes)
estima que dois milhões de empregos seriam criados com a
regulamentação do trabalho intermitente(6).
Por outro lado, de acordo com a Senadora Vanessa Gra-
zziotin (PCdoB-AM), “observa-se a transferência do risco do
negócio da empresa para o empregado, pois o empregado
fica à disposição integral do empregador na espera de ser
chamado para executar o trabalho. (...) Trata-se de uma for-
ma nefasta de precarização do trabalho e do emprego, pois
o empregado poderá receber um salário inferior ao salário
mínimo (...)”.(7)
Jorge Luiz Souto Maior alertou que a positivação deste
regime acarretará em “evidente precarização do trabalho,
exigindo do trabalhador que se vincule a dois ou mais
empregadores e que permaneça a disposição, impedido de
organizar sua vida (...) em vez de modernização o que se
propõe é o retorno à lógica do século XVIII”(8).
Na visão de Homero Batista da Silva, “A figura é assus-
tadora porque poderá resolver os índices de desemprego do
Brasil sem que as pessoas tenham renda assegurada (...). O
propósito do registro é apenas blindar a empresa de alegações
de mão de obra clandestina”.(9)
O presente artigo visa analisar a redação dos dispositivos
que regulamentam o contrato intermitente, questionando se
as regras ínsitas nele — tal como estão dispostas — são aptas
para construir um ambiente de segurança jurídica relativa
aos casos em que o trabalho é um “bico”, e se a regulação do
(5) COURA, Kalleo; GANTOIS, Gustavo. A reforma trabalhista em 12 pontos. Disponível em:
em-12-pontos-13042017>. Acesso em: 23.9.2017.
(6) UNECS lança folder sobre trabalho intermitente. Disponível em: <http://www.abrasel.com.br/conexao-abrasel/4227-unecs-lanca-folder-sobre-
trabalho-intermitente.html>. Acesso em: 23.9.2017.
(7) Emenda n. 3 PLC n. 38/2017 – CAE.
(8) MAIOR, Jorge Luiz. Análise do Projeto de Reforma trabalhista. Disponível em: .jorgesoutomaior.com/blog/analise-do-projeto-
de-reforma-trabalhista>. Acesso em: 23.9.2017
(9) SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. Op. cit., p. 74.
(10) AMADO. Op. cit., p. 187.
(11) § 12 Arbeit auf Abruf: (1) Arbeitgeber und Arbeitnehmer können vereinbaren, dass der Arbeitnehmer seine Arbeitsleistung entsprechend dem
regime intermitente favorecerá, de fato, a criação de novos
postos de trabalho. Ainda, será investigado se tal modalidade
de contrato não é, possivelmente, apenas mais uma forma
de precarização da mão de obra. Por fim, será analisado o
alcance que pode ser dado a esse tipo de pactuação. Será
feita a análise da redação originária da Lei n. 13.467/2017
e, após, a incursão sobre as novidades trazidas pela Medida
Provisória n. 808/2017, visto que há grande desconfiança
acerca de sua aprovação no Congresso.
2. Contrato de trabalho intermitente no direito
comparado
Tal como no Brasil, o contrato de trabalho intermitente
vem sendo introduzido nas legislações de países em crise
econômica, como Itália, Espanha e Portugal, com o objetivo
de tornar as suas empresas mais competitivas no mercado
exterior e criar mais empregos.
Nas palavras de João Leal Amado, trata-se de “um fenô-
meno bem conhecido, inerente ao processo de globalização
capitalista que marca o nosso tempo e que (...) está a ser
acirrado pela crise: concorrência entre trabalhadores à escala
universal, ênfase na competitividade das empresas, deslo-
calizações transnacionais (...), colocando os ordenamentos
jurídicos laborais em concorrência feroz, sob a égide dos
mercados financeiros (...). Neste sentido, a globalização
capitalista representou tanto o triunfo das leis do mercado
como a consagração do mercado das leis”.(10)
Na Alemanha, figura semelhante ao contrato de trabalho
intermitente (Arbeit Auf Abruf) foi inserida na legislação em
1985. Nela, o empregador e trabalhadores podem realizar
acordo para que o trabalhador labore de acordo com as
necessidades do trabalho. Este acordo deve especificar a
duração semanal e a quantidade de horas diárias de trabalho.
Se a duração semanal não for especificada, será presumida a
jornada em 10 horas semanais, no caso de não especificação
da jornada diária o empregador deverá chamar o trabalhador
por pelo menos três horas consecutivas. Ainda, o emprega-
do só é obrigado a comparecer no trabalho caso tenha sido
notificado com pelo menos 4 dias de antecedência(11).
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