O contrato de trabalho intermitente e a uberização do trabalho. Será juridicamente adequado considerar um motorista uberizado como trabalhador com contrato intermitente?

AutorRegiane Cunha - Ana Cláudia Nascimento Gomes
CargoDoutora em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Portugal) - Mestranda em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Páginas97-123
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O CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE E A UBERIZAÇÃO
DO TRABALHO:
SERÁ JURIDICAMENTE ADEQUADO CONSIDERAR UM
MOTORISTA UBERIZADO COMO TRABALHADOR COM
CONTRATO INTERMITENTE?
THE INTERMITTENT EMPLOYMENT AGREEMENT AND THE
UBERIZATION OF WORK:
IS IT LEGALLY APPROPRIATE TO CONSIDER AN UBERIZED
DRIVER AS A WORKER WITH INTERMITTENT CONTRACT?
Ana Cláudia Nascimento Gomes1
Regiane Pereira Silva da Cunha2
RESUMO: Este artigo discorre e coloca em debate as controvérsias existentes sobre o regime jurídico do contrato
intermitente brasileiro e a sua aplicação aos motoristas uberizados. Por meio de análise de trabalhos acadêmicos,
decisões judiciais no âmbito brasileiro, legislações e artigos científicos sobre o contrato intermitente no Direito
Comparado, especialmente como regulamentado em Portugal e Espanha, destacamos em quais situações esses
países permitem a sua utilização e como foi regulamentado no Brasil. Discorremos sobre a “ jornada móvel e
variável”, herdeira jurídica do zero hour contract (britânico); jornada a qual, defendemos, tenha sido
materialmente incorporada ao ordenamento nacional. Apresentamos em seguida o fenômeno da Uberização do
trabalho e decisões trabalhistas que julgaram procedentes pedidos para o enquadramento dos motoristas de
transporte particular por aplicativo como empregados intermitentes. Concluímos por fim ser juridicamente
inadequado o enquadramento do trabalhador uberizado como intermitente por se tratar de roupagem de pacto
manifestamente menos garantístico para os trabalhadores, não só pelos direitos trabalhistas expressamente
obstados; mas, porque não afiança a percepção de um padrão remuneratório mensal e nem contém uma carga
horária mínima a ser desenvolvida. Defendemos ainda que o regime jurídico do contrato intermitente brasileiro é
incompatível também para o trabalho realizado pelos motoristas uberizados; seja pelo seu grau de lesividade
jurídica; seja porque não há mesmo contrato por escrito nesse sentido entre as partes (o qual pudesse legitimar o
enquadramento judicial em um pacto atípico).
Artigo enviado em 22/04/2022
Artigo aprovado em 25/04/2022
1 Doutora em Direito Público pela Universidade de Coimbra (Portugal) (revalidação pela Universidade Federal de
Minas Gerais/MG). Pós-Doutora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do UDF (Estágio Pós- Doutoral),
Brasília/DF. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
(revalidação pela Universidade Federal de Minas Gerais/MG). Especialista lato sensu em Direito do Trabalho e
em Direito do Consumidor. Professora Concursada (Adjunta IV) da Graduação e do Programa de Pós-Graduação
em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte/MG. Procuradora do Trabalho,
Ministério Público do Trabalho/MPT -MPU. Ex-Membro Auxiliar da PGR (2017- 2019) em matéria t rabalhista.
Autora de livros e artigos. Palestrante. Emails: anaclaudianascimentogomes@hotmail.com;
anaclaudia.gomes@mpt.mp.br; https://orcid.org/0000-0002-0445- 3504 ; ID Lattes: 5584946115077617.
2 Mestranda em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais linha de pesquisa
Trabalho, Democracia e Efetividade. Especialista em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Graduada em Direito pela PUC-MINAS. Advogada. Bolsista FAPEMIG - Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais. Endereço eletrônico: regianesilvaadv@gmail.com.
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PALAVRAS-CHAVE: Contrato intermitente. Jornada móvel-variável. Uberização do Trabalho.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. CONTRATO INTERMITENTE E SUA REGULAMENTAÇÃO NO
DIREITO COMPARADO. 3. CONTRATO INTERMITENTE NO BRASIL E A SUA CORRELAÇÃO COM
A “JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL”: A POSITIVAÇÃO DO CONTRATO DE “JORNADA VAZIA” POR
MEIO DO RÓTULO DA “INTERMITÊNCIA DO EMPREGADO”. 4. APLICAÇÃO DO CONTRATO
INTERMITENTE AO TRABALHO UBERIZADO? 5. CONCLUSÃO
ABSTRACT: This article discussed and debated the existing controversies about the legal r egime of the Bra zilian
intermittent contract and its applica tion to uberized drivers. Through the analysis of aca demic works, scientific
articles, judicial decisions in t he Brazilian scope, legislation a nd scientific works on the intermittent contr act in
Comparative Law, especially as regulated in Portugal and Spain, we highlight in which situations these countries
allow its use. We talk about the “mobile and variable journey”, the legal heir of the zero hour contract (British);
which, we defend, has been materially incorpor ated into the national order . Next, we present t he phenomenon of
Uberization of work and labor decisions that upheld r equests to classify private tr ansport drivers by applica tion
as inter mittent employees. Finally, we conclude that the framing of the uberized worker a s intermittent is legally
inadequate beca use it is manifestly less guaranteeing pact clothing for workers, not only because of the expressly
impeded labor r ights; but, because it does not guarantee the perception of a monthly remuneration pa ttern, nor
does it contain a minimum workload to be developed. We a lso defend tha t the legal regime of the Brazilian
intermittent contract is also incompatible for the work carri ed out by uberized drivers; either by its degree of legal
harm; either because there is no written contract in this sense between the parties (which could legitimize the
judicial framing in an atypical agr eement).
KEYWORDS: Intermittent contract. Mobile-Variable journey. Uberized Drivers.
SUMMARY: 1. INTRODUCTION. 2. INTERMITTENT CONTRACT AND ITS REGULATIONS IN
COMPARATIVE LAW. 3. INTERMITTENT CONTRACT IN BRAZIL AND ITS CORRELATION WITH THE
“MOBILE AND VARIABLE JOURNEY”: THE P OSITIVATION OF THE “EMPTY JOURNEY” AGREEMENT
THROUGH THE “INTERMITTANCE OF THE EMPLOYEE” LABEL. 4. APPLICATION OF THE
INTERMITTENT CONTRACT TO UBERIZED WORK? 5. CONCLUSION
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo visa discorrer acerca do regime jurídico do contrato intermitente
brasileiro que foi incluído na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT; Decreto-Lei nº
5.452/1943) por meio da aprovação da Lei nº 13.467/2017, sob o mote de que a sua positivação
iria reduzir o índice de desemprego e da informalidade no Brasil. 3 Contudo, conforme se
verificará, especialmente por meio de estatísticas do DIEESE/Brasil Departamento de
Estatística e Estudos Socioeconômicos, de artigos jurídicos e jurisprudências selecionadas, a
institucionalização do regime jurídico do contrato intermitente não proporcionou a prometida
geração de empregos e/ou melhores condições de trabalho dos trabalhadores brasileiros; muito
ao reverso.
Sucessivamente, o presente artigo objetiva perquirir se esse novel tipo de pacto laboral
é juridicamente adequado aos denominados trabalhadores uberizados; ou, em outras palavras,
3 A mencionada informação foi extraída do relatório da Comissão Especial destinado a proferir parecer ao projeto
de Lei nº6.787, de 2016. Disponível em: <
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1544961 >. Acesso em 05.dez.2021.

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