Os contratos atípicos

AutorPedro Proscurcin
Ocupação do AutorDoutor em Direito pela PUC/SP. Professor de Direito na FECAP/SP
Páginas172-200

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1. Contratos de trabalho atípicos trabalhistas

Neste tópico vamos estudar as modalidades não enquadráveis nos modelos estudados. Para o Direito Civil, contratos atípicos seriam aqueles peculiares ou não previstos em lei. Para o Direito do Trabalho, atípicos estão previstos em lei. São contratos atípicos porque novos produzidos pela flexibilização precarizante, com redução de direitos, típicos do governo da era FHC do final do século passado, e alguns contratos mais antigos, que atendiam e continuam atendendo às situações provisórias ou transitórias, que à época a doutrina condenava, dada a insegurança que traziam às relações de trabalho.

Os contratos atípicos, portanto, segundo a doutrina dominante, têm como marca indelével a precarização, isto é, vale repetir, não conferem os mesmos direitos dos contratos normais típicos, pois são modalidades de extrema fluidez e transitórios, con-sequentemente, geradores de inseguranças (profissional, familiar, social, económica, física e psíquica). Na linguagem dos juristas, essas características são as mesmas dos contratos mercantis, daí a ideia de reprivatização e negação dos fundamentos sociais dos autênticos contratos laborais. Esse grave problema é motivo de grande debate na doutrina. Adiante, acreditamos que alcançaremos a maioria desses contratos, com comentários e alternativas sobre o formato.

1.1. Contrato de obra certa

A Lei n. 2.959, de 17 de novembro de 1956, trata de contrato de trabalho de prestação de serviços atípico. O art. 1a da referida lei diz que o "contrato individual de trabalho por obra certa" implica anotação em carteira de trabalho pelo construtor, "desde que exerça a atividade em caráter permanente". A não anotação sujeita o empregador ao pagamento de multa. Curiosamente, o art. 2° diz que findo o contrato de trabalho por "término da obra ou serviço, tendo o empregado mais de 12 (doze) meses de serviço, ficará assegurada a indenização por tempo de serviço na forma do art. 478 da CLT, com 30% de redução". Atualmente, tais disposições deixaram de vigorar, pois o regime aplicável é o do FGTS.

Observe-se que começa falando em obra certa, depois em obra certa ou serviço. Apesar de promulgada no auge do taylorismo, essa modalidade de contrato é precária e não oferece segurança de continuidade da relação, salvo se o empregador tiver na atividade da construção civil caráter empresarial com ânimo permanente. O professor Cesarino Júnior comentou a modalidade contratual fundado em autores

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que perceberam a dúvida e a insegurança que pairam nessa relação de emprego, pois "não se sabe quando a obra vai terminar, criando aquela situação de incerteza de tempo"152. Essa insegurança social impossibilita ao trabalhador planejar sua vida pessoal e familiar. Portanto, é correta a classificação desse contrato de trabalho entre os atípicos.

Convém reforçar que empresas do ramo da construção civil, cujo objeto social permanente é a execução de obras em geral, não poderão se valer do contrato de obra certa. É correto esse entendimento legal, em função de essas empresas terem como finalidade ininterrupta a exploração da atividade económica da construção civil.

1.2. Contrato de trabalho de curta duração sucessiva

Diante da grave crise de desemprego e exclusão social em função da reestru-turação produtiva com a introdução de novas tecnologias, as empresas nacionais e as multinacionais, ao mesmo tempo em que ganhavam em produtividade, procediam às maiores racionalizações de mão de obra ocorridas no país153. A resposta governamental veio com a Lei n. 9.601, de 21 de janeiro de 1998, criando os contratos de trabalho atípicos de curta duração. A ideia não deu certo, obviamente. As empresas estavam introduzindo tecnologia e demitindo pessoal para ganhar mais produtividade e competitividade. Nada faria o processo de reestruturação parar. O governo procurou mostrar que fazia a sua parte. Afinal, desempregado vota. Com efeito, foi criada uma modalidade de contrato por prazo determinado que é totalmente distinto daquele que estudamos e que está regulado a partir do art. 443 da CLT.

Primeiramente, pelo art. 12da Lei n. 9.601, não há mais a necessidade de justificar a transitoriedade da contratação. Como vimos, essa transitoriedade somente será válida nos casos de serviços ou atividades empresariais que justifiquem o estabelecimento de prazo, conforme o § 2a do referido artigo. A nova norma passou a permitir que se fizessem contratos de curta duração, um contrato após o outro, desde que, somados todos os períodos, não ultrapassassem dois anos. Para incentivar o empregador a contratar, foram criados incentivos: o FGTS poderia ser de 2% e os encargos com SESI, SENAI, SEST, SESC, SENAT, INCRA e SEBRAE, que somam algo como 5,5%, poderiam ser reduzidos pela metade e recolhidos ao INSS. Essas reduções valeriam

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por 60 meses, isto é, cinco anos, cujo prazo esgotou em 22 de janeiro de 2004. Não aconteceu qualquer prorrogação desses incentivos. Consta que a adesão ao programa foi pequena, pelo menos nos grandes centros do país, exceção feita à Ford, que o fez para debelar uma crise gerada por demissões, quase três mil em 1999, fato conduzido de forma tão primária que derrubou a diretoria no Brasil. O acordo fazia referência à Lei, mas sem as derrogações da CLT que a norma em causa instituiu.

As empresas poderiam contratar pessoas por essa modalidade, tomando em consideração o quadro de empregados nas seguintes proporções: 50% para parcela inferior a 50 empregados; 30%, parcelas entre 50 e 199 empregados; 20% para parcelas superiores a 200 empregados. Os percentuais são cumulativos. A lei preconiza que as parcelas de empregados acima referidas sejam calculadas sobre a média aritmética mensal do número de empregados contratados por prazo indeterminado do estabelecimento, nos seis meses anteriores à vigência da lei. A lei autoriza a dispensa da indenização da metade do tempo restante do contrato nos casos de ruptura contratual antecipada. A única vantagem social dessa norma é obter ocupação, pouco importando a qualidade ou a segurança dela. Mas sua aplicação prática foi também pequena. Trata-se daquelas medidas que governantes fazem para aparentar sensibilidade social para com o eleitor.

Esse contrato de curta e sucessiva duração somente é possível mediante negociações coletivas entre empresas e sindicatos de trabalhadores. Fala-se que a Lei n. 9.601 foi sugestão de uma central sindical (Força Sindical). O governo teria abraçado a proposta com tal gana que a fez passar pelo Congresso como quis, pois tinha controle sobre os parlamentares em sua esmagadora maioria. Aliás, foi nesse período (ano de 2001) que quase foi revogado o sistema dos direitos trabalhistas por uma emenda ao art. 618 da CLT, que autorizava derrogar as regras do referido estatuto social básico do país pelas partes sociais, ignorando maldosamente as diferenças económicas existentes entre a empresa e o empregado! Piordetudo, em momento de público e notório enfraquecimento dos sindicatos, graças à desocupação e diminuição de representação provocada pelas inovações tecnológicas. Ao invés de propor um sistema completo de inclusão ao trabalho, a opção do governo foi deixar às partes a fixação das regras sem as garantias básicas mínimas. Foi o auge da aliança neoliberal no país. O que não significa que os mercadistas deixaram de pontificar com as suas intenções no campo social. Ou que o país esteja imune à nova vaga neoliberalista, em detrimento da sociedade em geral.

A quem interessa a desregulação ou regulamentação da prestação do trabalho? Para a sorte da sociedade, o plano de zerar direitos não deu certo. É preciso vigilância porque o discurso político não é confiável. Numa conjuntura de sindicatos esvaziados pelas demissões em massa, tal desregulação significava a restauração do estado de natureza154 no mundo do trabalho. Essa...

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