Contratos bancários

AutorAlice Saldanha Villar
Páginas179-294

Page 179

1 Definição

A atividade primordial dos bancos consiste na intermediação monetária entre agentes econômicos superavitários e deficitários, recolhendo os ganhos excedentes dos agentes superavitávios e repassando-os aos deficitários, buscando o equilíbrio econômico entre as unidades.219

Na esteira de outros autores, entendemos que existem dois critérios fundamentais que diferenciam os contratos bancários dos contratos comerciais e civis: a) critério subjetivo: exige-se a presença de uma instituição financeira em um dos pólos da relação contratual, e b) critério objetivo: diz respeito ao objeto do contrato bancário, que será necessariamente uma intermediação de crédito.220A obrigatoriedade de participação de um banco em, pelo menos, um dos pólos da relação contratual constitui, portanto, a pedra angular do contrato bancário. Como observa Ulhoa Coelho, são bancários os contratos que somente podem ser praticados por um banco, ou seja, aqueles que configurariam infração à lei caso fossem praticados por pessoa física ou jurídica não autorizada a funcionar como instituição financeira. Dessa maneira, qualquer pessoa física ou jurídica que, não estando autorizada a operar na atividade bancária, realiza contratos de intermediação de dinheiro incorre em conduta ilícita.221

Page 180

Evidentemente, os bancos podem realizar contratos que não possuem caráter bancário, como os contratos de locação pactuados entre a instituição e o locador para a instauração de uma agência bancária. Assim como os particulares também podem realizar operações creditícias que não são bancárias. Portanto, para conceituar o contrato bancário, é necessário unir os critérios objetivo e subjetivo.

Dessa forma, pode-se definir o contrato bancário como o negócio jurídico entre banco e cliente, tendo-se por objeto uma intermediação de crédito.222A expressão "banco" deve ser compreendida em sentido amplo, alcançando todas as instituições financeiras, nos termos do art. 17 da Lei nº 4.595/64:

Lei nº 4.595/64. Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros.

Por fim, cumpre apontar algumas características próprias da formação e execução dos contratos bancários, a saber:223

Page 181

· Os contratos bancários são os instrumentos para a concretização de operações realizadas pelos bancos ou entidades congêneres;

· O contrato bancário é um fato jurídico;

· O ordenamento jurídico legal o considera como negócio jurídico bilateral;

· Os contratos bancários geram direitos subjetivos e deveres jurídicos;

· O conceito de operações bancárias é mais amplo do que o de contratos bancários, porém, na linguagem comum, são considerados como caracterizando transações sinônimas;

· Na relação obrigacional bancária, o objeto imediato é uma prestação, que é sempre uma conduta a ser cumprida pelo obrigado; e o objeto mediato é a coisa ou o fato prestado.2242 Características Básicas

As principais características do contrato bancário são: comutativo, contrato de massa, adesividade, sigilo bancário, instrumento de crédito, sistema rígido de contabilidade, complexidade estrutural e busca pela simplificação, caráter profissional e comercial, informalidade e interpretação específica.

2. 1 Comutativo

Nos contratos comutativos, as obrigações se equivalem, conhecendo os contratantes, ab initio, as suas respectivas prestações.

2. 2 Contrato de Massa

Os contratos bancários são contratos de massa, atingindo um grande número de clientes de forma uniforme. Este fenômeno de

Page 182

massificação dos contratos resulta em um negócio jurídico, no qual cabe à parte mais fraca simplesmente aderir ou não ao que a outra parte estipula. Trata-se da chamada adesividade, característica analisada a seguir.

2. 3 Adesividade

Os contratos adesivos são aqueles em que um dos pactuantes predetermina, isto é, impõe as cláusulas do negócio. Os contratos bancários são contratos de adesão. A enorme quantidade de operações e contratos bancários exige que existam contratos pré-determinados, formulados com antecedência e que possam garantir a uniformidade de tratamento. Conforme observa Covello, há ainda outro motivo para a necessidade de padronização dos contratos bancários: a intervenção do Estado, pelo Banco Central do Brasil (BACEN), nos bancos, chegando até mesmo a determinar a minuta do contrato.225Os contratos de adesão são definidos no art. 54 do Código de Defesa do Consumidor (CDC):

CDC. Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

O CDC impõe que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável para a parte hipossuficiente na relação de consumo, isto é, os consumidores. Nas palavras de Daniel Tavares:226O consumidor aderente possui a seu favor toda a sorte de tutela admitida na Lei nº 8.078/90, mais especificamente em relação aos abusos das cláusulas estipuladas, pois a principal função do Código de Defesa do Consumidor é a de estabelecer, na medida do possível, o equilíbrio contratual entre as partes movido pelo princípio da função social do contrato.

Page 183

Consideram-se abusivas as cláusulas que se mostram desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual, tornando inválido o contrato pela quebra do equilíbrio entre as partes contratantes. As chamadas cláusulas abusivas são disciplinadas no art. 51 do CDC, que também contém um rol exemplificativo com algumas dessas cláusulas. O rol não é exaustivo, de modo que o juiz, com base nos princípios da boa-fé e no Sistema de Proteção ao Consumidor, pode reconhecer a abusividade de uma cláusula sempre que for verificado desequilíbrio entre as partes contratantes.

Na esteira do civilista Orlando Gomes e Pablo Stolze, podemos trazer quatro traços característicos dos contratos de adesão:227· Uniformidade: o objetivo do estipulante é obter, do maior número possível de contratantes, o mesmo conteúdo contratual, para uma racionalidade de sua atividade e segurança das relações estabelecidas;

· Predeterminação unilateral: a fixação das cláusulas é feita anteriormente a qualquer discussão sobre a avença. De fato, a simples uniformidade não é suficiente para se considerar um contrato como de adesão, pois é imprescindível que tais cláusulas uniformes sejam impostas por somente uma das partes;228· Rigidez: além de uniformemente predeterminadas, não é possível rediscutir as cláusulas do contrato de adesão, sob pena de descaracterizá-lo como tal;

· Posição de vantagem (superioridade material) de uma das partes: embora a expressão "superioridade econômica" seja a mais utilizada (até pela circunstância de ser a mais comum), consideramos mais adequada a "concepção de superioridade material", uma vez que é em função de tal desigualdade fática que se pode ditar as cláusulas aos interessados. É o

Page 184

exemplo de alguém que, embora não sendo considerado um potentado econômico, seja o detentor do monopólio de exploração de determinado produto ou serviço, pelo que, no campo dos fatos, sua vontade prevalece sobre a dos aderentes, ainda que mais forte economicamente.

2. 4 Sigilo Bancário

O sigilo bancário, segundo disposição legal, é a obrigação imposta às instituições financeiras de conservar sigilo nas operações ativas e passivas e nos serviços prestados, configurando crime a sua quebra injustificada fora das hipóteses autorizadas na Lei Complementar no 105 de 2000 (arts. 1º e 10). O sigilo bancário, portanto, pode ser entendido como o dever jurídico das instituições financeiras de não revelar a terceiros, sem justa causa, informações captadas por ela no exercício de sua atividade. Sobre este tema, remetemos o leitor ao Capítulo I, Seção 4.

2. 5 Instrumento de Crédito

O contrato bancário é marcadamente um instrumento de crédito. Ou seja, o contrato bancário é um negócio jurídico entre banco e cliente, tendo por objeto uma intermediação de crédito, onde o banco será a parte responsável por movimentação e distribuição do crédito. Este é um dos aspectos essenciais da caracterização dos contratos bancários, que, como visto anteriormente, possui dos pressupostos indispensáveis: a presença de um banco como parte da relação negocial e a intermediação de crédito.

Conforme explica Nelson Nery, sob a denominação genérica de crédito englobam-se todos os concursos financeiros, isto é, "todas as operações bancárias, mais especificamente o crédito e a operação pela...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT