Contratos de concessão e PPP irreequilibráveis: um problema subnotificado antes da pandemia

AutorAndre Martins Bogossian
Ocupação do AutorDoutorando em Direito da Regulação na FGV Direito Rio (2020-)
Páginas108-128
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Transformações do Direito Administrativo:
Direito Público e regulação em tempos de pandemia
Contratos de concessão e PPP irreequilibráveis:
um problema subnotificado antes da pandemia
Andre Martins Bogossian176
Resumo
A pandemia deixou em evidência a possibilidade de que con-
cessões comuns de serviço público ou parcerias público-privadas
tornem-se “irreequilibráveis”, ou seja, quando o pagamento pelo de-
sequilíbrio, através dos métodos usualmente empregados (acréscimo
tarifário, extensão de prazo, indenização pelo concedente, redu-
ção de investimentos, alteração dos parâmetros de desempenho),
é dificultado, quando não inviabilizado, demandando a adoção de
soluções não usuais. Este artigo pretende trabalhar com a hipóte-
se de que essa situação excepcional, embora já materializada antes
da pandemia, não era contemplada pelo ordenamento jurídico — as
normas do Direito Administrativo parecem presumir, incorretamen-
te, que o reequilíbrio sempre seria possível —, que não apresenta
resposta direta ao problema e pela literatura.
Palavras-chave: Serviço público. Concessões. Parcerias público-pri-
vadas. Equilíbrio econômico-financeiro. Contratos irreequilibráveis
1. Introdução
A pandemia popularizou o termo “irreequilibrável” como carac
-
terística de contratos administrativos e, mais especificamente, de
contratos de concessão (concessões comuns e PPPs), tendo sido
tema de webinars177 e artigos de opinião.178 Em resumo, em função
176 Doutorando em Direito da Regulação na FGV Direito Rio (2020-); Master of Laws (LL.M.) pela
Harvard Law School (2016); mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional na Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (2015); visiting research fellow na Brown University
(2014); graduado magna cum laude pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro (2010); andre.bogossian@fgv.edu.br.
177 Como, por exemplo, o debate envolvendo os professores Floriano de Azevedo Marques Neto,
Egon Bockmann Moreira, Patrícia Baptista e Marcos Augusto Perez. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=uC- IdV9Kl04. Também o debate entre os professores Egon Bock-
mann Moreira, Flávio Amaral Garcia, Rodrigo Zambão e Bruno Navega, disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=XRs6f0tSftM&feature=youtu.be. Acesso em: 20 out. 2020.
178 Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/pandemia-de-covid-19-e-o-
-reequilibrio-de-contratos-de- concessao-13042020. Acesso em: 20 out. 2020.
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Contratos de concessão e PPP irreequilibráveis: um problema
subnotificado antes da pandemia
dos efeitos da pandemia (especialmente da redução drástica da
demanda em determinados setores), em muitos casos não apenas
restam desatendidas as “condições” dos contratos (para os fins do
artigo 10 da Lei de Concessões — Lei no8.987/95);179 sua própria
caracterização (das condições dos contratos) foi desnaturada a tal
ponto que o restabelecimento do equilíbrio contratual de acordo
com as premissas (as condições) originais tornou-se inviável.
Mas não se pretende, aqui, tratar dos desequilíbrios causados
pela pandemia e da inviabilidade de seu pagamento nas bases con-
tratuais originais. O presente trabalho tem como objetivo, fazendo
uso de alguns termos da moda em tempos pandêmicos, mostrar
que esse não é um problema novo, apesar de subnotificado e pou-
co explorado.
Em relação ao primeiro ponto, já se havia identificado a possibi-
lidade de que, em certos casos, o reequilíbrio econômico-financeiro
de concessões e PPPs não seja efetivo ou viável pelos métodos tradi-
cionais, mostrando-se como esse cenário de desequilíbrio contratual
extremo não é objeto de tratamento adequado pelo ordenamento
jurídico setorial. Na verdade, trata-se mesmo de uma anomalia em
relação ao modelo de equilíbrio econômico-financeiro, uma situação
de exceção quanto à premissa adotada pelo ordenamento jurídico de
que o pagamento integral do reequilíbrio econômico-financeiro é
sempre viável e efetivo por meio das formas de pagamento tra-
dicionais. Mesmo antes da pandemia, esse cenário de anomalia
contratual sempre esteve potencialmente presente — e talvez se
tenha materializado em alguns casos no próprio Rio de Janeiro, par-
ticularmente em PPPs, como o VLT Carioca180 e a concessionária
Porto Novo181 —, embora nunca tenha recebido o tratamento ade-
quado pela literatura.
179 Art. 10. “Sempre que forem atendidas as condições do contrato, considera-se mantido seu
equilíbrio econômico-financeiro”.
180 Decorrente de inadimplemento alegado de mais de 150 milhões de reais, perdurando por
mais de um ano. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/concessionaria-do-vlt-pede-
-justica-rescisao-de-contrato-com-prefeitura- 23783733. Acesso em: 20 out. 2020.
181 Com o esgotamento do modelo de obtenção de recursos através da venda de CPACS,
tornou-se inviável o pagamento do município do Rio de Janeiro por meio da CDURP à con-
cessionária, que passou a devolver ao município serviços previstos no contrato. Disponível
em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019- 08/concessionaria-devolve-admi-
nistracao-de-tuneis-prefeitura-do-rio. Acesso em: 20 out. 2020.

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