Contratos, superendividamento e a proteção dos consumidores na atividade econômica

AutorRodrigo Toscano de Brito, Fábio José de Oliveira Araújo
Páginas165-204
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1 INTRODUÇÃO
O fenômeno do superendividamento pode-se dizer
um fenômeno do capitalismo moderno. Ele afeta direta e
sensivelmente sujeitos das mais variadas classes sociais,
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para poder se inserir socialmente, as pessoas estão perdendo o
controle e se endividando além de seus limites.
Num mundo onde tudo é feito para durar por prazo
Doutor pela PUC-SP e Advogado.
Mestrando em Direito Econômico pela UFPB e Juiz de Direito do TJ/PB.
CONTRATOS, SUPERENDIVIDAMENTO
E A PROTEÇÃO DOS CONSUMIDORES
NA ATIVIDADE ECONÔMICA
Rodrigo Toscano de Brito *
Fábio José de Oliveira Araújo **
RESUMO: Este trabalho busca defender a ideia de que o
superendividamento do consumidor é fator de alijamento
social e, por conseguinte, de exclusão da cidadania. Numa
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pode trazer sérias e graves consequências, pessoais e
familiares. Daí a necessidade de conhecer a realidade
doutrinária do contrato e as temáticas circundantes, inter-
relacionando-as, dando ênfase na tentativa de lançar luzes
sobre o problema, ao dever geral de renegociação como
fundamento derivado do princípio da boa-fé objetiva.
Palavras-chave: Superendividamento. Dever geral. Consumo.
Renegociação.
*
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Revista Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v. 5, n. 9, p. 165-204, jan/jun. 2014
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certo, ou seja, onde existe uma obsolescência programada
nos produtos e serviços que são colocados à disposição
do consumidor, a ideia que se repassa, cada vez com maior
naturalidade, é a de que tudo, inclusive o ser humano, é
volátil. É em meio a esse contexto de modernidade líquida,
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superendividamento se prolifera e faz suas vítimas.
Aparentemente, poder-se-ia imaginar fosse ele um
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perdulários ou pouco previdentes. A realidade vem
demonstrando exatamente o contrário. Por mais cuidadosos que
possam parecer, os cidadãos estão sendo levados a consumir
mais e mais, não raras vezes sem a menor necessidade, tudo
por conta das poderosíssimas forças do mercado, a exemplo do
marketing agressivo e da psicologia indutiva do consumo.
É em meio a essa realidade que o resgaste ao conceito de
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e buscar meios para minimizar o problema desses sujeitos é
tarefa da qual não se pode fugir, principalmente numa sociedade
como a nossa em que há compromisso expresso do legislador
constituinte no sentido da proteção e defesa do consumidor
A sugestão apontada ao longo do texto é a de que,
dentre outros meios, a categoria jurídica do dever geral de
renegociação fundamenta os pedidos de revisão dos contratos
de natureza cativa, tudo com vistas a adequá-los aos princípios
da equivalência material das prestações, da boa-fé objetiva e
da função social dos contratos.
Para tanto, faremos um percurso que se inicia
com a revisitação das teorias contratuais, passando pela
constitucionalização dos direitos privados, pela conceituação
do fenômeno do superendividamento e dos respectivos meios
de tutela, findando por analisar a categoria do dever anexo
de renegociação e sua vinculação ao princípio da boa-fé
objetiva.
Contratos, Superendividamento e a Proteção dos
Consumidores na Atividade Econômica
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Rodrigo Toscano de Brito, Fábio José de Oliveira Araújo
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2 CONTORNOS DAS TEORIAS CONTRATUAIS: DA
CLÁSSICA À PÓS-MODERNA
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coincidiu com a sedimentação do sistema capitalista de
produção, é fruto do Estado Liberal burguês. Sua base
ideológica está toda calcada nos princípios do voluntarismo,
da igualdade formal e do individualismo jurídico, valores bem
próximos dos ideais do laissez-faire. 
repousa na doutrina racional-mecanicista, de viés jusnatural
e com ampla predominância na Europa dos séculos XVII e
XVIII. A propriedade privada é seu valor-guia.
Em sintonia com esses postulados, e em meio a uma
ambiência de liberdade perante a lei e de quase nenhuma
intervenção estatal nas relações privadas, foi que se abriu
espaço, na modernidade, para a sedimentação da teoria clássica
do contrato na esfera legal. Todos os grandes monumentos
legislativos da época, em especial o Code Napoleón, de
1804, e o BGB alemão, de 1896, trouxeram regulamentação
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que desenhavam os contornos do Estado Liberal.
Remonta a essa época a proclamação do pacta sunt
servanda. Traduzido no dogma de que o contrato faz lei
entre as partes, tal instituto restou previsto expressamente no
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assente de que o acordo era irrevogável e, portanto, deveria ser
cumprido nos moldes em que pactuado, independentemente
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vinculante era tamanha que era comum fazer-se uso da relação
de igualdade entre as expressões contratual e justo (quid dit
contractuelle dit juste) como forma de invocar o cumprimento
das prestações.
Não havia espaço em meio a essa realidade – é quase
intuitivo deduzir-se isso – para alterações de conteúdo do

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