Contratualizando o processo': três notas sobre os negócios jurídicos processuais (e seu possível 'fracasso')

AutorGustavo Osna
CargoProfessor Adjunto dos Programas de Graduação e de Pós-Graduação stricto sensu em Direito da PUC-RS
Páginas163-185
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 163-185
www.redp.uerj.br
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“CONTRATUALIZANDO O PROCESSO”: TRÊS NOTAS SOBRE OS NEGÓCIOS
JURÍDICOS PROCESSUAIS (E SEU POSSÍVEL “FRACASSO”)1
‘CONTRACTING FOR PROCEDURE’: THREE TOPICS ABOUT
CONTRACTUALIZED PROCEDURES (AND THEIR POSSIBLE “FAILURE”)
Gustavo Osna
Professor Adjunto dos Programas de Graduação e de Pós-
Graduação stricto sensu em Direito da PUC/RS. Doutor em
Direito das Relações Sociais pela UFPR. Mestre em Direito
das Relações Sociais e Bacharel em Direito pela UFPR.
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual.
Advogado. Curitiba/PR. E-mail
gustavo@mosadvocacia.com.br
RESUMO: O tema dos negócios jurídicos processuais tem recebido, ao longo dos últimos
anos, especial atenção doutrinária não apenas no Brasil, mas também em perspectiva
comparada. Contudo, há quem indique que essa preocupação não viria tendo a mesma
repercussão prática, evidenciando um possível fracasso do mecanismo. O presente ensaio
problematiza essa questão, a partir de três notas: (i) nem todo processo é propenso à
customização (devido ao seu jogo de custos e de benefícios), e nem toda customização é tão
extrema quanto se costuma supor; (ii) como modificação cultural, as convenções obviamente
não produzirão impacto imediato especialmente pelo fato de seu campo ainda ser marcado
por incertezas; e (iii) diante da impossibilidade de conhecimento pleno sobre as convenções
ex ante, a viabilidade de se aferir empiricamente sua utilização é bastante limitada. Diante
desses elementos, alerta-se, então, para o risco de se cravar de maneira insuficiente um
potencial insucesso do instrumento, ainda incipiente em nossa realidade.
PALAVRAS-CHAVE: Negócios Processuais; Custos e Benefícios; Cultura Processual;
Efetividade Procedimental.
1 Artigo recebido em 21/09/2019 e aprovado em 04/05/2020.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP.
Rio de Janeiro. Ano 14. Volume 21. Número 2. Maio a Agosto de 2020
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 163-185
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ABSTRACT: Procedural agreements are receiving, over the last few years, substantial
academic attention - not only in Brazil, but also in comparative perspective. Nonetheless,
some lectors and practitioners are starting to sustain that such element is not achieving the
same dimension at reality, which could lead to the conclusion that it has failed. This essay
refuses that conclusion, based on three notes: (i) procedural customization is not thought to
every case (due to its costs and benefits) and will not always receive extreme shapes; (ii) as
a cultural modification, procedural agreements surely could not have an immediate impact -
especially due to the current uncertainty about the dimension of its enforcement; and, (iii)
since ex ante agreements cannot be fully known, any empirical study of their use might be
insufficient. Considering these topics, one must be careful to present any conclusions about
the mechanism's fate, since it still incipient in our reality.
KEY WORDS: Procedural Agreements; Costs and Benefits; Procedural Culture;
Procedural Effectiveness.
1. Introdução
Poucos temas receberam tanta atenção na academia jurídica, ao longo dos
últimos anos, quanto os negócios jurídicos processuais. Em resumo, a possibilidade de
conferir às partes uma maior esfera de disposição a respeito do procedimento, mudando a
feição tradicional do processo, mostrou-se teoricamente encantadora. E, em nossa realidade,
esse discurso obteve cores ainda mais vivas com a aprovação do Código de Processo Civil
de 2015 que conferiu a essa prerrogativa, antes excepcional, contornos de regra geral 2.
2 De fato, conforme exposto em outra ocasião, a existência de hipóteses de convenção processual não é de todo
recente em nosso processo civil. Na verdade, “por mais que o Código de Processo Civil de 1973 não encampe
explicitamente essa guia valorativa, há vetores em sua redação que ( ainda que de forma silente) parecem-nos
partilhar do mesmo norte. Essa situação pode ser percebida, por exemplo, ao se admitir a celebração de cláusula
contratual de eleição de foro. Também, ao determinar-se que o juízo territorialmente incompetente, se não
oposta ex ceção, tenha prorrogada sua competência para análise do litígio. Embora nossa legislação possua
regras voltadas à divisão de competência territorial, nas duas hipóteses se admite sua derrogação por iniciativa
das partes. Seja pela disposição via contrato, seja pela atitude adotada em juízo, permite-se que os litigantes
vinculem de forma restritiva a atuação estatal, sujeitando-a à decisão tácita ou abertamente celebrada. Ainda
nessa linha está a possibilidade de negociação contratual dos parâmetros de ônus de prova, ou a faculdade
conferida às partes para estipularem a suspensão do seu processo. Em ambas as circunstâncias, permite-se que
os sujeitos adotem condutas de disposição capazes de vincular o Estado-juiz. Tan to em uma quanto na outra
os titulares do conflito assumem papel de destaque na fixação de parâmetros procedimentais, estipulando como
o julgador deve agir em caso de dúvida ou o sujeitando a uma suspensão do feito sobre a qual possui poderes

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