Contribuições do pensamento de hannah arendt para a construção dos sentidos sobre violência

AutorCamila Cardoso de Mello Prando
CargoMestre em Direito pela UFSC. Professora do curso de Graduação em Direito da UNIVALI- São José e da Faculdade Florianópolis - CESUSC.. E-MAIL: camilaprando@gmail.com
Páginas387-390

Camila Cardoso de Mello Prando1

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Em um momento político em que os Estados organizam-se em torno de soluções punitivas e violentas e comprimem espaços de construção democrática2, a releitura do texto de Hannah Arendt apresenta-se como passo importante para compreensão da atualidade.

Aquele leitor que se indaga sobre as relações entre violência e política; que busca compreender, de outro modo, as políticas dos Estados contemporâneos, e que, ao se aproximar destas discussões, toma como questionável a leitura da violência como um mal ontológico, tem uma tarefa importante na compreensão do texto "Sobre a violência", de Hannah Arendt.

O texto oferece, sob estas perspectivas, ao menos duas contribuições relevantes. A primeira, em virtude das distinções conceituais em torno da violência, do poder e da política. A segunda, porque foge das análises moralizantes e reducionistas sobre violência.

A autora compreende previamente que nem a razão nem a consciência distingüem o homem de outros seres, mas antes a linguagem. Essa elaboração parece representar uma crítica à racionalidade instrumental iluminista, como pode se depreender do pensamento de Arendt, que aponta que a racionalidade científica pode levar a resultados tão paradoxais, como a destruição do próprio ser humano.

Em contraposição, Arendt afirma claramente que "nenhuma outra faculdade, a não ser a linguagem - e não a razão ou a consciência - distingue-nos tão radicalmente de todas as espécies animais"3. Afinal é a linguagem que possibilita a ação política, e oferece condições para o homem político se desenvolver.4

Provavelmente por ter experenciado as conseqüências dos governos totalitários de direita e de esquerda, a autora abandona a perspectiva da redenção, e constrói a perspectiva da ação política voltada para fins mais imediatos, sem que se utilize como recurso a violência enquanto instrumento para conquistar fins longínquos e talvez nunca atingidos. A sua perspectiva é a da radicalização do alargamento das esferas políticas, necessárias para que os homens possam exercer sua liberdade, entendida, esta, como uma construção dependente do espaço público, capaz de relacionar a dualidade querer e poder. Para a autora, só há liberdade onde existe coletividade e exercício político.5

Com estes pressupostos, Arendt produz a discussão dos conceitos de violência e poder a partir da análise do contexto político da época (1969/EUA), e dele extrai eventos que permitem a depuração e a distinção de categorias conceituais. Mais especificamente, a autora encontra-se em meio aos movimentos de estudantes e ao movimento negro no EUA, à experiência ainda em assimilação da Segunda Guerra Mundial, à Guerra Fria e à grande potência destrutiva das armas nucleares, à formação dos governos tecnocráticos e à burocracia da vida pública. Estas experiências traduzem a crítica à razão instrumental, que permeia estas situações.

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A partir desses fatos, ela depreende que a relação entre violência e poder foi tensionada ao máximo no momento em que o instrumento da violência está tecnologicamente tão desenvolvido, que o uso dela, paradoxalmente, pode extinguir a vida humana, e obviamente, por conseqüência, destruir a possibilidade de ação política. Assim, ela afirma que não apenas o progresso da ciência deixou de coincidir com o progresso da humanidade, mas também poderia mesmo disseminar o fim da humanidade, tanto quanto o progresso ulterior da especialização bem pode levar à destruição de tudo o que a tornara válida antes. Em outras palavras, o progresso não serve mais como padrão por meio do qual avaliamos o processo de mudança desastrosa que desencadeamos. 6

Neste contexto, a autora identifica alguns discursos teóricos de pensadores de esquerda da época, como Sartre e Fanon, que exaltam a violência como forma de fazer frente às promessas de progresso e de igualdade da modernidade, bem como à desigualdade decorrente deste modelo.

Tanto os eventos históricos apresentados, quanto o pensamento de esquerda radical da época, retratam um momento crítico das promessas da modernidade. Sob este pano de fundo, a autora vem a oferecer sua contribuição a partir do resgate da noção de política e liberdade (em contraposição à noção de...

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