Contribuição sindical e a força normativa da Constituição: inconstitucionalidade da lei que cria uma situação de inconstitucionalidade por omissão superveniente

AutorEdilton Meireles
Páginas149-156
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CONTRIBUIÇÃO SINDICAL E A FORÇA NORMATIVA DA
CONSTITUIÇÃO: INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI QUE
CRIA UMA SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
POR OMISSÃO SUPERVENIENTE
16.1. Introdução
Uma das mais relevantes alterações introduzidas pela Reforma Trabalhista, pela Lei n. 13.467/2017,
vigente a partir de 11 de novembro, foi a extinção da compulsoriedade da contribuição sindical prevista no
A alteração legislativa, porém, trouxe consigo grande celeuma quanto a sua constitucionalidade.
Assim, utilizando o método dedutivo, com interpretação de textos normativos, revisão da literatura
doutrinária e pesquisa jurisprudencial, abordamos a questão relativa à constitucionalidade da alteração
legislativa nesta matéria.
O estudo dessa questão, por sua vez, justifica-se em face da importância do tema, já que a contribuição
sindical é (ou era) a principal fonte de receita das entidades sindicais, as quais, sem a mesma, dificilmente terão
condições de continuar a prestar os serviços para quais foram criadas em face do fim da compulsoriedade
desta prestação, com alteração de sua natureza jurídica.
16.2. Da natureza jurídica da contribuição sindical
Era(é) induvidoso, à luz da atual Constituição Federal(754), que a contribuição sindical, originariamente
denominada de “imposto sindical” (art. 578 da CLT em sua versão inicial)(755), tinha(tem) natureza de
contribuição social de interesse das categorias profissionais ou econômicas (art. 149 da CF/1988).
Tributo da espécie contribuição social, como bem já definido pelo STF no julgamento do RE n. 396.266(756),
inclusive aquela devida no meio rural(757).
Não se trata de imposto, pois este exige que o Estado aplique a receita em contraprestação em favor do con-
tribuinte, ainda que indiretamente. A contribuição social, porém, não obriga o credor da receita a fornecer qualquer
contraprestação ao contribuinte, conforme decidido pelo STF no RE n. 635.682(758), ainda que assim possa ser.
Também era (é) induvidoso que essa contribuição era (é) devida por todos integrantes da categoria
profissional ou econômica, já que se trata de um tributo, daí por que compulsório(759). Diferentemente,
(754) BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial, Brasília, 1988. Disponível em:
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 24 mar. 2018.
(755) BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial, Rio de Janeiro.
Disponível em: . Acesso em: 24 mar. 2018.
(756) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 396.266. Diário da Justiça, Brasília, 2004. Disponível em:
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261730>. Acesso em: 22 mar. 2018.
(757) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 430.985. Diário de Justiça, Brasília, 2007.
Disponível: . Acesso em: 22 mar. 2018.
(758) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 635.682. Diário da Justiça, Brasília, 2017. Disponível em:
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261730>. Acesso em: 22 mar. 2018.
(759) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 198.092. Diário da Justiça, Brasília, 1996. Disponível:
stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=235926>. Acesso em: 22 mar. 2018.
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portanto, da contribuição confederativa, que, por ser aprovada pela assembleia dos filiados ao sindicato,
somente obriga os seus associados, na forma da jurisprudência do STF(760).
A Lei n. 13.467/2017, todavia, alterando o disposto na CLT em seu art. 578, transformou essa contribuição
em uma prestação facultativa(761). Logo, por força da lei nova, ela perdeu sua natureza de tributo, para
se tornar uma prestação eventualmente doada pelo integrante da categoria profissional ou econômica ao
sindicato representativo respectivo.
À luz da nova legislação, não se trata sequer de uma prestação decorrente da filiação à entidade sindical.
Cuida-se, na realidade, de simples doação de dinheiro em favor do sindicato. Doação esta que pode se fazer
mediante desconto no salário ou renda do doador, na forma do art. 579 da CLT, com a redação dada pela
Com a Reforma Trabalhista essa contribuição passou, efetivamente, a ter natureza de negócio jurídico
benéfico, constituindo-se em verdadeiro ato de doação de dinheiro à entidade sindical. Isso porque, no caso,
essa contribuição somente será devida se o trabalhador ou a empresa concordar com a contribuição respectiva
em favor da entidade sindical, autorizando prévia e expressamente o desconto respectivo, se for o caso
(art. 545 c/ arts. 579 e 582 da CLT). Logo, sem a declarada vontade expressa do doador-interessado, essa
contribuição não será devida.
Aqui, então, chama-se a atenção para a verdadeira “infantilidade” do legislador. Infantilidade porque o
legislador, ao lado da extinção da contribuição sindical compulsória, que tinha natureza tributária (contribuição
social), estabeleceu a possiblidade de o empregado autorizar o pagamento de uma “contribuição” mediante
prévia e expressa autorização do seu desconto. E, ao assim determinar, transformou a contribuição em
verdadeiro ato de doação de uma prestação à entidade sindical.
Ora, doar por doar seu salário ou sua renda ou parte dele, qualquer um pode fazer e já podia fazer antes
mesmo da Reforma Trabalhista. E, por óbvio, que a lei não pode limitar essa doação apenas ao equivalente
a um dia de salário, isto é, a princípio, o empregado ou a empresa pode doar à entidade sindical de sua
categoria profissional ou econômica qualquer quantia, ou mesmo a qualquer outra pessoa que seja, desde
que não haja qualquer vedação legal ou se esteja diante de vício de consentimento. Logo, todo o capítulo da
CLT que trata da contribuição sindical perde sua razão de ser (arts. 578 a 600) com a Reforma Trabalhista,
a se tê-la como constitucional, já que essa prestação decorre de mero ato de vontade do empregado ou da
empresa ao dispor sobre seu salário ou renda, doando, ainda que em parte, para a entidade sindical. E, neste
sentido, por óbvio, que o empregado tanto pode autorizar que a doação se faça mediante desconto em folha
como ele pode, depois de receber o salário, dirigir-se à entidade sindical e efetuar a sua doação (contribuição
sindical) diretamente, sem intermediação do empregador. E é o que ocorre, em geral, com as empresas, que,
podem, voluntariamente, efetuar o pagamento da contribuição sindical mediante simples fato de entrega do
dinheiro à entidade sindical.
E mais. Em sendo simples ato de vontade, por certo que o empregado ou a empresa pode desvincular
essa contribuição do rateio e das finalidades estabelecidas em lei (arts. 589 e 592 da CLT). Ora, se é mera
doação, a pessoa pode fazê-la de forma livre ou mediante encargo (art. 540 do Código Civil)(762), salvo se se
entender que o trabalhador ou a empresa esteja impedido de doar dinheiro à entidade sindical, exceto na
hipótese prevista no art. 545 da CLT, o que não parece razoável.
Em outras palavras, no caso do trabalhador, a autorização para o empregador efetuar o desconto da
contribuição sindical em favor da entidade sindical não passa de mero ato de doação, ainda que “em forma
de subvenção periódica” (art. 545 do CC).
(760) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 666. “A contribuição confederativa de que trata o art. 8º, IV, da Constituição,
só é exigível dos filiados ao sindicato respectivo”. Recurso Extraordinário n. 198.092. Diário da Justiça, Brasília, 2003. Disponível
em: .
Acesso em: 28 mar. 2018.
(761) BRASIL. Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n.
5.452, de 1º de maio de 1943, e as Leis ns. 6.019, de 3 de janeiro de 1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de
1991, a fim de adequar a legislação às novas relações de trabalho. Diário Oficial, Brasília, 2017. Disponível em:
gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13467.htm>. Acesso em: 24 mar. 2018.
(762) BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
leis/2002/L10406.htm>. Diário Oficial, Brasília, 2002. Acesso em: 24 mar. 2018.
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É certo, porém, que o empregador somente está obrigado a efetuar a operação de desconto e repasse
do valor respectivo para a entidade sindical por força da lei, isto é, sua obrigação legal é descontar (reter parte
do salário), quando autorizado, e depositar o valor respectivo na forma prevista no art. 586 da CLT, o que
acaba gerando o rateio previsto no art. 589 deste mesmo diploma legal. E, em assim agindo, tem-se que parte
da doação do empregado acaba sendo desviada para a União (“Conta Especial Emprego e Salário”), conforme
regra da alínea e do inciso II do art. 589 da CLT.
Se o empregado, porém, pretender fazer a doação com outra finalidade (sem beneficiar a União ou
mesmo sem o fim de custear todo sistema confederativo), poderá até autorizar o desconto respectivo,
contudo, o empregador somente estará obrigado a assim proceder se acordar individualmente essa operação
(de desconto do dinheiro e repasse para terceiro) ou estiver obrigado por força de norma coletiva. Em outras
palavras, esse desconto se equivaleria a qualquer outro de natureza voluntária, a exemplo de consignações de
empréstimos, mensalidade sindical, etc.
A questão, todavia, é em se saber se essa alteração legislativa se revela compatível com a Constituição.
De logo, contudo, deve-se afastar qualquer alegação de inconstitucionalidade ao fundamento de que, em
se tratando de contribuição social, ela somente poderia ser regulamentada, inclusive quanto a sua supressão,
mediante lei complementar. Isso porque o STF tem entendimento pacífico no sentido de que as contribuições
sociais, previstas no art. 149 da Constituição Federal, salvo a previdenciária, podem ser disciplinadas por
lei ordinária. Decidiu-se que elas, ainda que “sujeitas à lei complementar do art. 146, III, CF, isto não quer
dizer que deverão ser instituídas por lei complementar”. Logo, podem ser objeto de criação, modificação ou
extinção mediante simples lei ordinária as contribuições sociais de intervenção no domínio econômico e de
interesse de categorias profissionais ou econômicas(763).
16.3. Da força normativa da Constituição e da inconstitucionalidade do ato legislativo
revogador da norma que supre a obrigação legislativa
Conquanto não se possa afirmar que a Lei n. 13.467/2017, ao extinguir a contribuição sindical enquanto
tributo da espécie contribuição social, é inconstitucional pelo fato de este diploma não ter natureza de lei
complementar, por outra razão, se pode alcançar aquela conclusão (de inconstitucionalidade).
Para tanto, é preciso, primeiro, ter em mente que o texto constitucional tem força normativa, irradiando
eficácia e comando legislativo a todos aqueles que estão sob sua jurisdição.
Neste caminhar, temos que o inciso IV do art. 8º da CF estabelece que a assembleia geral das entidades
sindicais pode fixar “a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em
folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da
contribuição prevista em lei”.
Vejam, então, que este dispositivo constitucional encerra dois comandos. Pelo primeiro, a Constituição
autoriza que as entidades sindicais, por deliberação de sua assembleia geral, possam criar uma contribuição
destinada ao custeio do sistema confederativo.
Essa contribuição, como definido pelo STF em sua Súmula n. 666, somente pode ser exigida aos filiados
do sindicato. Logo, trata-se de uma receita instituída pela própria parte interessada (entidade sindical),
mediante deliberação de seus associados. E, diga-se, para este fim (adotando o entendimento prevalecente
no STF), sequer era necessário esse comando constitucional, já que qualquer associação pode criar uma
prestação a ser paga pelo associado (mensalidade, taxa extra, etc.), dando-lhe o fim que desejar (para uso
próprio ou para doação a terceiro). E caso o associado não concorde com essa prestação, resta-lhe a liberdade
de se desfiliar da entidade sindical, assim como qualquer pessoa em relação à associação de outra natureza a
qual tenha se associado. Ou paga as prestações previstas em estatuto ou estabelecidas pela assembleia dos
associados, ou se retira da entidade ou a ela não se filia. E aqui a associação e o indivíduo agem no âmbito
de suas autonomias da vontade.
(763) BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 396.266. Diário da Justiça, Brasília, 2004. Disponível em:
redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=261730>. Acesso em: 22 mar. 2018.
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Neste sentido, a regra da primeira parte do inciso IV do art. 8º da CF se revela inútil a partir do
entendimento do STF. Com ou sem ela, por certo que as associações, em sua liberdade de agir, conforme
deliberação dos associados, podem criar contribuições a ser pagas por seus filiados, dando-lhes o destino que
bem deliberarem(764).
A Constituição Federal, no entanto, no inciso IV do art. 8º, em sua parte final, contém, outro comando
legislativo. Ali está dito que pode ser criada a contribuição confederativa “independentemente da contribuição
prevista em lei”.
Vejam, então, que a Constituição prevê a instituição de uma “contribuição prevista em lei” em favor
das entidades sindicais. Esse dispositivo, por sua vez, é coerente com o disposto no art. 149 da CF,
que estabelece a possibilidade de a União “instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio
econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação
nas respectivas áreas...”.
A partir desses dispositivos, se pode questionar, então: é obrigatória a instituição das contribuições
sociais de interesse das categorias profissionais ou econômicas?
De logo, devemos afastar qualquer entendimento de que, com a Lei n. 13.467/2017, essa contribuição
continuou a existir. Isso porque com a novel redação dos arts. 578 e 579 da CLT, o que era contribuição social
de interesse das categorias profissionais ou econômicas, passou a ser simples previsão legal de desconto da
contribuição voluntária autorizada pelo doador de uma quantia em favor da entidade sindical. Como dito
anteriormente, essa contribuição passou a ter natureza de simples doação de dinheiro.
Mas, aqui, portanto, volta-se para o questionamento: é obrigatória a instituição das contribuições sociais
de interesse das categorias profissionais ou econômicas, já que referidas na parte final do inciso IV do art. 8º
da CLT e no caput do art. 149 da CF?
Cabe responder de forma afirmativa. Isso porque a Constituição não pode ser interpretada como simples
diploma programático a facultar ao legislador infraconstitucional a possibilidade de regulamentar ou não,
a seu bel-prazer, aquilo que está assegurado no Texto Maior(765). Com maior razão, ainda, chega-se à essa
conclusão quando se está diante de direitos fundamentais sociais, como o previsto na parte final do inciso
IV do art. 8º da CF, ante do disposto no § 1º do art. 5º do Texto Maior, quando este impõe que “As normas
definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”(766).
Daí se extrai que a parte final do inciso IV do art. 8º da CF impõe um dever de legislação(767). Este
dispositivo inflige de forma concreta e explícita o dever de se legislar ordinariamente de modo a regulamentar
o direito social ao financiamento público das entidades sindicais, mediante cobrança de uma contribuição
social. E é esse concreto e específico comando constitucional que impõe o dever de legislar(768), ou seja,
(764) A interpretação deve ser em sentido oposto ao do STF. Na realidade, o legislador constituinte quis, com a primeira parte do
disposto no inciso IV do art. 8º da CF, estabelecer a possibilidade de os sindicatos criarem uma contribuição devida por toda categoria,
“independentemente da contribuição prevista em lei”. Isso porque, como dito, para ela ser devida apenas pelos filiados, por óbvio
que não é preciso uma regra específica neste sentido, ainda mais posta na Constituição, já que essa prestação pode ser livremente
estabelecida pelos associados no estatuto ou por decisão da assembleia, adotando-se o princípio da autonomia da vontade. O que a CF
quis, em verdade, foi prever a possibilidade dessa contribuição confederativa ser instituída pela assembleia sindical para ser cobrada de
toda categoria. E, para ser devida por toda categoria, é preciso lei prevendo essa possibilidade, pois terceiros (não filiados) não podem
ser obrigados por ato alheio sem previsão legal. Já para ser imposta apenas ao associado, basta a lei não vedar essa conduta (autonomia
da vontade). A lógica da cláusula constitucional, portanto, seria a de autorizar a criação de outra fonte de renda das entidades sindicais,
devida por toda categoria, “independentemente da contribuição prevista em lei”. Cabe rever a Súmula n. 666 do STF.
(765) Cf., por todos, HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antonio
Fabris, 1991. ISBN 85-88278-18-9, passim, e ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. 2. tir. Trad. Virgílio Afonso da
Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 450-498.
(766) CF. PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. Ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado
de injunção. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 104-109.
(767) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002, ISBN 972-
40-1647-1, p. 1.024.
(768) MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. t. II, p. 313. 358 e 507.
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deve se ter que, quando a CF, no inciso IV do seu art. 8º, estabelece que as entidades sindicais podem criar
uma contribuição com objetivo de custear o sistema confederativo “independentemente da contribuição
prevista em lei”, ela dispõe de forma imperativa, nesta segunda parte, impondo um comando ao legislador
infraconstitucional, que fica obrigado a instituir essa contribuição por lei infraconstitucional.
E não se diga que se trata de mera faculdade do legislador ao fundamento de que o ente público não es-
taria obrigado a instituir, por lei, qualquer tributo ainda que eles estejam mencionados na Constituição Federal,
a exemplo daqueles referidos no seu art. 153. Isso porque, ao menos no caso da contribuição social de interesse
das categorias profissionais ou econômicas, o que se quer é a instituição de uma receita compulsória devida
em favor das entidades sindicais e não em favor do próprio ente público legiferante (da União). E essa conclu-
são decorre do comando da parte final do inciso IV do art. 8º da CF ao prever que, ao lado da contribuição
confederativa, deve-se instituir uma contribuição social, prevista em lei, de natureza tributária, enquanto fonte
de receita para custeio do sistema confederativo. Este texto, portanto, estabelece específica e concreta incum-
bência constitucional de legislar. Está-se diante de uma verdadeira ordem constitucional de legislar de modo a
tornar concreto o direito fundamental social estabelecido no art. 8º, inciso IV, in fine, da CF(769), ou seja, o que a
Constituição impõe é a possibilidade de a entidade sindical criar uma contribuição, por ato de vontade própria,
para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, “independentemente da contribui-
ção prevista em lei”, instituída pelo Poder Público para o mesmo fim: custeio do sistema confederativo sindical.
A criação da “contribuição prevista em lei”, portanto, é obrigação da União, imposta pela Constituição
enquanto direito das entidades sindicais para custeio do sistema confederativo, independentemente da
contribuição confederativa que pode ser criada pela assembleia geral, ainda que ambas tenham por finalidade
o “custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva”. Pode-se afirmar, inclusive, que se
trata de um direito social constitucional dos integrantes das categorias profissional e econômica em financiarem
o sistema confederativo com contribuição de todos os seus membros (da categoria).
Não se trata, portanto, de mera faculdade da União criar ou não essa contribuição de interesse da
categoria profissional ou econômica. Cuida-se de uma obrigação constitucional, a demandar, inclusive, a
propositura de mandado de injunção ou de ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão quando
diante da ausência da legislação infraconstitucional.
Diga-se, ainda, que essa conclusão se revela coerente com o disposto no inciso III do art. 8º da Constituição
quanto este dispõe que “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da
categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.
Ao sindicato, por mandamento constitucional, incumbe a defesa dos direitos e interesses de todos os
membros da categoria profissional ou econômica, seja ele filiado ou não à entidade sindical. Daí se tem que a
entidade sindical deve dispender, por óbvio, de parte de suas receitas para defesa dos interesses e direitos dos
associados e dos não associados. E, ao se prever a contribuição sindical compulsória, de natureza tributária, o
que se quer é assegurar à entidade sindical justamente uma contrapartida (uma receita) de todos os membros
da categoria que podem ser beneficiados pela atuação daquela.
O ordenamento jurídico, assim, seria de todo coerente. Assegura-se à entidade sindical a receita
compulsória devida pelos integrantes da categoria e em contrapartida aquela tem o direito-dever de atuar na
defesa dos interesses individuais e coletivos de todos os membros da categoria que representa.
A partir desse entendimento se pode, então, alcançar a conclusão de que, ao alterar a natureza da
contribuição prevista no art. 578 da CLT, perdendo esta sua natureza de tributo, o reformador trabalhista
acabou por colocar a União num estado de devedor legislativo, passando à situação jurídica de legislador
inconstitucionalmente omisso dada sua obrigação de instituir por lei a contribuição tributária.
Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a União, aproveitando-se da legislação ordinária
até então existente e que foi recepcionada pela nova ordem constitucional, estava a cumprir com sua obrigação
(769) Cf. a respeito do dever de proteção dos direitos fundamentais, SILVA, Jorge Pereira da. Deveres do Estado de proteção de
direitos fundamentais. Lisboa: Universidade Católica, 2015.
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legislativa, pois já havia sido instituída a contribuição impositivamente prevista na parte final do inciso IV
do art. 8º da CF. Aliás, neste ponto, o legislador nunca foi omisso, já que o imposto/contribuição sindical
existe(ia) desde 1943. Com a Reforma Trabalhista, no entanto, a se ter a Lei n. 13.467, neste ponto, como
constitucional, a União passou à condição de omissa constitucionalmente.
A partir dessas premissas, então, cabe indagar: pode a lei nova colocar o ente legiferante numa condição
de inconstitucionalidade por omissão?
A conclusão há de ser negativa. No caso, é inexorável concluir que a lei nova que revoga a anterior,
colocando o ente legiferante na condição de legislador omisso inconstitucionalmente, é, em si mesmo
(a lei nova), inconstitucional. E a inconstitucionalidade está no fato de a lei nova revogar a lei anterior
sem que nova regulamentação seja promulgada de modo a dispor sobre a matéria a qual deveria estar
disciplinando, passando o legislador da condição de cumpridor de sua obrigação constitucional à de
devedor legislativo.
E aqui não se diga que a inconstitucionalidade decorreria da nova situação de omissão legislativa, a atrair
as regras pertinentes. Se se assim se entender, ao certo, no caso em análise, caberia concluir que, diante da
omissão inconstitucional, o legislador ainda não teria incorrido na mora legislativa, pois não decorridos nem
seis meses da vigência da Lei n. 13.467/2017. Esse curto prazo, assim, não caracterizaria a mora legislativa de
modo a se concluir pela omissão inconstitucional. Mas, ainda que já caracterizada essa mora, dada a natureza
da norma de direito fundamental do art. 8º, inciso IV, da CF, mesmo assim, conforme disposto no art. 12-H da
Lei n. 9.868/99(770), com a redação dada pela Lei n. 12.063/2009(771), caberia notificar o ente legislativo para
que ele cumprisse com sua obrigação de legislar sobre a matéria.
Contudo, no caso em análise, não se trata de concluir pela inconstitucionalidade por omissão diante
da ausência de uma norma que discipline a contribuição social de interesses da categoria profissional ou
econômica. Em verdade, neste caso, cabe analisar a constitucionalidade ou não da lei que coloca o ente
público na condição de inconstitucionalmente omisso, ou seja, a pergunta a ser respondida é: pode a lei
ordinária, revogando a legislação anterior que disciplina a matéria que deve ser objeto de regulamentação
infraconstitucional, criar uma situação de omissão inconstitucional?
A resposta há de ser negativa. É óbvio que o legislador não pode legislar de modo a sair de sua condição
de cumpridor de sua obrigação constitucional de legislar (não omisso) para aquela na qual incorre em omissão
inconstitucional. Isso porque, ao assim agir, está tendo uma conduta incompatível com a Constituição,
violando-a por ato normativo inconstitucional. Isso porque o legislador infraconstitucional tem o dever de não
atuar de forma contrária à Constituição(772).
Está-se diante, em verdade, de um “princípio que proíbe o legislador de reconstituir situações de
inconstitucionalidade por omissão”(773). Por ele, se impede de o legislador poder “gerar, por via de acção, uma
situação de inconstitucionalidade omissiva”(774). Há “uma proibição de repor ou recriar situações de omissão
legislativa inconstitucional, independentemente do âmbito material em que estas se revelem”(775).
A lei infraconstitucional que coloca o ente legiferante na condição de legislador inconstitucionalmente
omisso é, assim, em si mesmo, contrária à Constituição. O legislador infraconstitucional, portanto, não
pode sair de sua condição de cumpridor de suas obrigações constitucionais legislativas para a de devedor
(770) BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade
e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Diário Oficial, Brasília, 1999. Disponível em:
www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9868.htm>. Acesso em: 24 mar. 2018.
(771) BRASIL. Lei n. 12.063, de 27 de outubro de 2009. Acrescenta à Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, o Capítulo II-A, que
estabelece a disciplina processual da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Diário Oficial, Brasília, 2009. Disponível em:
. Acesso em: 24 mar. 2018.
(772) CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 5. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 438.
(773) SILVA, Jorge Pereira da. Deveres do Estado de proteção de direitos fundamentais. Lisboa: Universidade Católica, 2015. p. 582.
(774) SILVA, Jorge Pereira da. Deveres do Estado de proteção de direitos fundamentais. Lisboa: Universidade Católica, 2015. p. 584.
(775) SILVA, Jorge Pereira da. Dever de legislar e proteção jurisdicional contra omissões legislativas. Contributo para uma teoria da
inconstitucionalidade por omissão. Lisboa: Universidade Católica, 2003. p. 283.
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delas mesmas. Não pode sair de sua condição de não omisso para a de omisso inconstitucional, já que
estaria atuando de forma contrária à Constituição. Destaque-se que isso não quer dizer que não se possa alterar
a legislação. O que se veda, na realidade, é a criação de uma situação de inconstitucionalidade omissiva
absoluta ou deficiente, com “recuo para níveis de concretização, densificação ou proteção legal tão baixos que
redundam em inconstitucionalidade por omissão”(776).
Assim, como já decidido pelo Tribunal Constitucional de Portugal, em acórdão da relatoria do Conselheiro
Vital Moreira:
“Impõe-se a conclusão: após ter emanado uma lei requerida pela Constituição para realizar um direito fundamental, é interdito
ao legislador revogar essa lei, repondo o estado de coisas anterior. A instituição, serviço ou instituto jurídico por ela criados
passam a ter a sua existência constitucionalmente garantida. Uma nova lei pode vir alterá-los ou reformá-los nos limites
constitucionalmente admitidos; mas não pode vir extingui-los ou revogá-los”.
...
Se uma lei, que veio dar execução a uma norma constitucional que a exigia, colmatando assim uma omissão inconstitucional,
for revogada por outra, que, desse modo, repõe a anterior situação de inexecução da norma constitucional e de omissão
inconstitucional, então a revogação ofende directamente a Constituição e consubstancia uma inconstitucionalidade por
acção”(777).
Daí ser inexorável concluir que se revela inconstitucional o disposto na Lei n. 13.467/2017 naquilo
em que alterou os arts. 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT em suas redações anteriores a 11 de
novembro de 2017.
Inconstitucional essa alteração, toda legislação anterior continua válida e vigente, de modo a se concluir
pela compulsoriedade da contribuição sindical prevista no art. 578 da CLT, com a redação dada pelo Decreto-
-lei n. 229, de 28.02.1967(778).
16.4. Conclusão
Assim, em síntese, pode-se concluir que a Constituição Federal, na parte final do inciso IV do seu art. 8º,
impõe, de forma imperativa, que seja criada uma contribuição social, de caráter tributário, compulsório, de
interesses da categoria profissional ou econômica.
Essa contribuição social, outrossim, deve ser instituída para custeio do sistema confederativo, devendo
ser imposta compulsoriamente a todo e qualquer membro das categorias profissionais e econômicas
representadas por entidades sindicais.
Uma vez suprido o comando constitucional, tendo o legislador infraconstitucional cumprido com
sua obrigação de legislar sobre a matéria imposta na Constituição Federal, ele não pode, por ato nor-
mativo superveniente, revogar a legislação supridora da obrigação, passando à situação de omissão
inconstitucional.
A lei nova que somente revoga a lei anterior, que disciplina(va) a matéria constitucional carecedora
de regulamentação infraconstitucional, sem que nova disposição legislativa seja imediatamente estabelecida
sobre o mesmo tema, é inconstitucional, posto que contraria a Constituição ao deixar o legislador de dispor
sobre o direito carecedor de disciplina infraconstitucional.
O legislador infraconstitucional não pode sair da situação jurídica de cumpridor de suas obrigações
legislativas impostas na Constituição para a de devedor legislativo, passando a incorrer em omissão
inconstitucional.
(776) SILVA, Jorge Pereira da. Deveres do Estado de proteção de direitos fundamentais. Lisboa: Universidade Católica, 2015. p. 584.
(777) PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão n. 39/84, de 5 de maio. Diário da República, Lisboa, n. 104. 1984, Série I de
1984-05-05. Disponível em: . Acesso em: 2 abr. 2018.
(778) BRASIL. Decreto-lei n. 229, de 28 de fevereiro de 1967. Altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo
Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providencias. Diário Oficial, Brasília, 1967. Disponível em:
planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0229.htm>. Acesso em: 24 mar. 2018.
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A partir dessas premissas, têm-se como inconstitucionais as disposições da Lei n. 13.467/2017 naquilo
em que alterou os arts. 545, 578, 579, 582, 583, 587 e 602 da CLT em suas redações anteriores.
Inconstitucionais essas alterações legislativas, toda legislação anterior continua válida e vigente, de modo
a se concluir pela compulsoriedade da contribuição sindical, de natureza tributária, da espécie contribuição
social, prevista no art. 578 da CLT, com a redação dada pelo Decreto-lei n. 229, de 28.02.1967.

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