O controle concentrado e as ações regulamentadas pela lei 9.868/1999

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas71-109
4
O CONTROLE CONCENTRADO
E AS AÇÕES REGULAMENTADAS
4.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
Analisadas, no Capítulo 3, as principais informações sobre o controle difuso de
constitucionalidade brasileiro, passaremos a estudar neste Capítulo, bem como no Ca-
pítulo seguinte, as diversas espécies de controle concentrado de constitucionalidade
adotadas pelo Brasil. Trataremos, na oportunidade, não só das modalidades criadas pelo
constituinte originário, como também das novas, instituídas por meio de emendas à
Veremos, aqui, mais alguns esclarecimentos genéricos sobre o controle concentrado
de constitucionalidade, tais como sua def‌inição e efeitos, ultimando o Capítulo com o
estudo de 3 (três) ações constitucionais específ‌icas dessa modalidade de controle, todas
regulamentadas pela Lei 9.868/1999, a saber: ação direta de inconstitucionalidade ge-
nérica, ação declaratória de constitucionalidade e ação direta de inconstitucionalidade
por omissão.
4.2 CONTROLE CONCENTRADO
O controle concentrado, como já mencionado, foi usado pela primeira vez na
Constituição austríaca de 1920 (por isso costumeiramente denominado modelo
austríaco), ao instituir uma Corte Constitucional para exercer, em caráter de exclu-
sividade, o controle de constitucionalidade das normas. Também conhecido como
controle por via de ação direta, referido controle é aquele realizado em caráter exclu-
sivo por um determinado tribunal, e que tem por objeto a obtenção da declaração de
inconstitucionalidade (ou da constitucionalidade) de lei ou ato normativo, em tese,
independentemente da existência de casos concretos em que a constitucionalidade
da norma esteja sendo discutida.
Trata-se, portanto, de um processo de natureza objetiva, uma vez que nenhum
interesse subjetivo de particulares está sendo apreciado na demanda. Aqui, o exame
da constitucionalidade da norma é o objeto mesmo da ação, realizado por uma Corte
especialmente designada para tal f‌im, que produz ef‌icácia em relação a todos (ef‌icácia
erga omnes).
EBOOK DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL 11ed.indb 71EBOOK DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL 11ed.indb 71 02/12/2021 08:53:4902/12/2021 08:53:49
DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
72
Na lição de Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior,1 o caráter
objetivo dessa ação decorre de sua própria razão de ser, que não cumpre a f‌inalidade
de analisar relações jurídicas concretas, mas sim o conf‌lito abstrato entre a lei ou o ato
normativo e a Constituição. Concluem, com base em tais assertivas, que o objeto dessa
ação “é resguardar a harmonia do ordenamento jurídico, motivo pelo qual se pode af‌ir-
mar que o controle concentrado tem por f‌inalidade declarar a nulidade da lei violadora
No Brasil, o controle concentrado, também conhecido como controle por via de ação
direta, é aquele realizado exclusivamente pelo Supremo Tribunal Federal, quando tiver
por objeto a análise, em tese, da inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal
ou estadual, confrontado em face da Constituição Federal e também pelos Tribunais de
Justiça dos Estados e do Distrito Federal, quando a inconstitucionalidade disser respeito
a lei estadual, municipal ou distrital em face da constituição do respectivo Estado ou da
Lei Orgânica do Distrito Federal.
O controle concentrado de constitucionalidade, no âmbito do Supremo Tribunal
Federal, está previsto em diversos dispositivos constitucionais. Com efeito, o artigo
102, inciso I, alínea a, de nossa Lei Maior, trata da ação direta de inconstitucionalidade
genérica. O artigo 103, § 2º, da CF por sua vez, refere-se à ação direta de inconstitucio-
nalidade por omissão. Já o artigo 36, inciso III, trata da ação direta de inconstituciona-
lidade interventiva.
O artigo 102, inciso I, alínea a, parte f‌inal, dispõe sobre a ação declaratória de
constitucionalidade, inovação trazida ao texto da Constituição Federal pela Emenda
Constitucional 3/1993. E o artigo 102, § 1º, por f‌im, trata da arguição de descumpri-
mento de preceito fundamental, também trazida para o corpo da Carta Magna de 1988
pela Emenda Constitucional 3/1993.
No âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados, o artigo 125, § 2º, da Constituição
Federal, dispõe expressamente que “cabe aos Estados a instituição de representação de
inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da
Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão”.
A Carta Magna de 1988, portanto, prevê expressamente a possibilidade de os
Estados-membros instituírem o controle concentrado de constitucionalidade de lei
ou ato normativo estadual ou municipal, em face de suas respectivas constituições. O
dispositivo constitucional, entretanto, não entra em minúcias acerca do processamento
daquela espécie de controle, que poderá variar de Estado para Estado, em conformidade
com o que dispuser a respectiva constituição estadual.
Algumas regras, contudo, foram explicitadas pela Constituição Federal, e devem
ser aqui destacadas, mesmo que de maneira breve (já que o assunto será tratado com
mais vagar em seção específ‌ica deste Capítulo). A primeira delas é de que a competência
para julgamento desses processos é do Tribunal de Justiça do Estado, conforme se pode
depreender do artigo 35, inciso IV, da Lei Maior, quando trata da ação direta de incons-
1. Curso de direito constitucional. 14. ed. Saraiva, 2010, p. 58.
EBOOK DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL 11ed.indb 72EBOOK DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL 11ed.indb 72 02/12/2021 08:53:4902/12/2021 08:53:49
73
4 • o CoNtrolE CoNCENtrAdo E AS AçõES rEgulAmENtAdAS PElA lEI 9.868/1999
titucionalidade interventiva para assegurar a observância dos princípios indicados na
constituição estadual.
O objeto do controle concentrado de constitucionalidade em face das constituições
estaduais também restou perfeitamente delimitado pelo artigo 125, § 2º, da Constitui-
ção de 1988: apenas as leis e os atos normativos estaduais e municipais. Não poderão ser
objeto de controle de constitucionalidade, portanto, as normas federais, que somente
poderão ser submetidas a controle concentrado de constitucionalidade em face da
No tocante à legitimidade para a propositura do controle concentrado perante os
Tribunais de Justiça dos Estados, a Lei Maior, em seu artigo 125, § 2º, veda expressamente
a atribuição de legitimidade a um único órgão. No caso específ‌ico da ação direta de incons-
titucionalidade interventiva estadual, contudo, conforme previsto no artigo 35, inciso
IV, da Constituição Federal, a legitimidade para a propositura da ação em questão será ne-
cessariamente do procurador-geral de Justiça, o chefe do Ministério Público estadual, tudo
em conformidade com o que preconiza o artigo 129, inciso IV, do texto constitucional.
Na seara infraconstitucional, a ação direta de inconstitucionalidade e a ação de-
claratória de constitucionalidade foram regulamentadas pela Lei 9.868, de 10 de no-
vembro de 1999. A ação direta de inconstitucionalidade por omissão, por sua vez, foi
regulamentada pela Lei 12.063, de 27 de outubro de 2009, que acrescentou um Capítulo
(Capítulo II-A) à supramencionada Lei 9.868/1999.
Já a ação direta de inconstitucionalidade interventiva, conforme previsão expressa
do artigo 36, inciso III, da Constituição Federal de 1988, esta foi regulamentada pela
Lei 12.562, de 23 de dezembro de 2011. A arguição de descumprimento de preceito
fundamental, por f‌im, foi regulamentada pela Lei 9.882, de 3 de dezembro de 1999.
4.3 EFEITOS DA DECISÃO NO CONTROLE CONCENTRADO
Como já vimos anteriormente, no controle difuso a declaração de inconstituciona-
lidade da lei ou ato normativo, como regra geral2, produz ef‌icácia apenas entre as partes
litigantes, fazendo com que a lei deixe de ser aplicada tão somente em relação àqueles que
f‌iguraram no processo, permanecendo válida, contudo, em relação às demais pessoas.
Em outras palavras, a decisão que declarou a inconstitucionalidade da lei ou ato
normativo, no controle difuso, somente tem ef‌icácia inter partes. A norma, contudo,
não é retirada do ordenamento jurídico, permanecendo válida e ef‌icaz em relação a todas
as demais pessoas, que não foram partes do processo.
Para que isso possa ocorrer, é preciso que o Senado Federal, nos termos do artigo
52, inciso X, da Constituição Federal, suspenda a execução daquela lei ou ato norma-
2. Af‌irmamos que isso ocorre como “regra geral” porque, como já vimos anteriormente, a adoção da teoria da trans-
cendência dos motivos determinantes e a consequente abstrativização dos efeitos das decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, permite que tais decisões tenham
força cogente em face de todos (ef‌icácia erga omnes).
EBOOK DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL 11ed.indb 73EBOOK DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL 11ed.indb 73 02/12/2021 08:53:4902/12/2021 08:53:49

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT