O controle concorrencial das condutas das empresas estatais que exploram atividade econômica

AutorMarjorie Gressler Afonso
Ocupação do AutorBacharel em Direito
Páginas289-305
o controle concorrenciAl dAs condutAs
dAs empresAs estAtAis que explorAm
AtividAde econômicA
Marjorie Gressler Afonso1
1. introdução
Nos termos do art. 173 da Constituição Federal (CF), a exploração direta
de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária
aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo. A
exploração de atividade econômica pelo Estado será exercida por meio de
empresa pública, de sociedade de economia mista e de suas subsidiárias,
como determina o caput do art. 2º da Lei nº 13.303/2016 (a “Lei das Esta-
tais”), que dispõe sobre o estatuto jurídico das empresas estatais.2
Sendo assim, a criação das empresas públicas e sociedades de eco-
nomia mista, instrumentos de atuação direta do Estado na economia, é
justicadaapenas noscasos emque estiverpresente umrelevante inte-
resse coletivo ou em decorrência de imperativo de segurança nacional.3 O
interessecoletivo e imperativode segurançanacional que justicousua
criação deve ser indicado na Lei que autorizar a sua constituição, confor-
me exigência do art. 2º, §1º, e do art. 27, caput, da Lei das Estatais.4
1 Bacharel em Direito, FGV Direito Rio; Mestranda em Direito da Regulação, FGV
Direito Rio. Advogada.
2 Art. 2º, Lei 13.303/2016: “A exploração de atividade econômica pelo Estado será
exercida por meio de empresa pública, de sociedade de economia mista e de suas
subsidiárias”.
3 Para um standard de interpretação do artigo 173 da Constituição Federal: CYRI-
NO, André Rodrigues. “Até onde vai o empreendedorismo estatal. Uma análise eco-
nômica do art. 173 da Constituição”. In ARAGÃO, Alexandre Santos de. Empresas
Públicas e Sociedades de Economia Mista. Belo Horizonte: Fórum, 2015. pp. 47-76.
4 Nesse sentido, o §1º do art. 2º prevê: “A constituição de empresa pública ou de
Transformações do direiTo adminisTraTivo: ConsequenCialismo e esTraTégias
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ALeidasEstataisespecicaosobjetivosque devemorientarareali-
zação do interesse coletivo, quais sejam: (i) o alcance do bem-estar econô-
micoeaalocaçãosocialmenteecientedosrecursosgeridospelaestatal,
(ii) a ampliação economicamente sustentada do acesso de consumidores
aos produtos e serviços da empresa pública ou da sociedade de economia
mista, e (iii) o desenvolvimento ou emprego de tecnologia brasileira para
produção e oferta de produtos e serviços da empresa pública ou da socie-
dadedeeconomiamista,sempredemaneiraeconomicamentejusticada.
Nota-se, portanto, que as empresas estatais são importantes instru-
mentosde atuaçãoestatal. Anal,para quepossa ser criada,a empresa
pública ou sociedade de economia mista precisa atender aos requisitos
constitucionaisacima. Pode-se, portanto, armar que a empresa estatal
visa à promoção de interesses públicos (seja esse um “relevante interesse
coletivo” ou a “preservação da segurança nacional”).
Contudo,alémdeprevera guradasempresasestataiseosrequisi-
tos para sua criação, a Constituição Federal também as submete ao regime
jurídico próprio das empresas privadas (art. 173, §1º, inciso II, CF).5 Como
tal, a atuação das estatais deve se submeter ao controle concorrencial de
condutas e dos atos de concentração, previstos na Lei nº 12.529/2011, a Lei
de Defesa da Concorrência (LDC).6 A LDC, que estrutura o Sistema Brasi-
leiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão
às infrações econômicas, prevê expressamente que seus dispositivos se
aplicam também às pessoas jurídicas de direito público (art. 31, LDC).
sociedade de economia mista dependerá de prévia autorização legal que indique, de
forma clara, relevante interesse coletivo ou imperativo de segurança nacional, nos
termos do caput do art. 173 da Constituição Federal.” Similarmente, o art. 27, caput,
prevê: “A empresa pública e a sociedade de economia mista terão a função social
de realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança
nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação”.
5 ApesardaConstituiçãoFederalarmar queasempresaspúblicasesociedades
de economia mista se submetem ao regime jurídico próprio das empresas privadas,
na verdade, a doutrina e jurisprudência, havia muito tempo, já reconheceram que se
trata, na prática, de um regime misto, que foi moldado ao longo do tempo em de-
corrência de decisões judiciais e administrativas. Com o advento da Lei das Estatais,
foram consolidados diversos aspectos desse regime jurídico misto, muitos dos quais
já eram adotados na prática. Deve-se ressaltar, contudo, que a Lei das Estatais não
tratou da submissão das estatais às normas do direito concorrencial.
6 Há quem entenda que o Constituinte, ao incluir o §4º como um dos parágrafos
do artigo 173, buscou deixar claro que as empresas estatais se submetem ao contro-
leantitruste.Veja,nesse sentido,armaçãodeCalixtoSalomão Filho:“AConstitui-
ção de 1988 deixou essa sujeição particularmente clara ao incluir (ao contrário das
anteriores) a tradicional proteção contra o abuso do poder econômico em um dos
parágrafos que tratam da exploração direta da atividade econômica pelo Estado
(art.173,§4º).ALei12.529/2011conrmaesseentendimentoaopreverasujeiçãode
todos, sejam pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, às normas
concorrenciais” (SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial. São Paulo: Malhei-
ros, 2013. p. 270.)

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