Controle de constitucionalidade

AutorEduardo dos Santos
Páginas833-941
CAPÍTULO XXIV
CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
1. CONCEITO
O controle de constitucionalidade parte da supremacia das normas constitucionais,
pautando-se na lógica de que as normas do sistema jurídico (leis e atos normativos) devem
ser produzidas com a devida observância dos requisitos formais e materiais estabelecidos
pela Constituição, não podendo contrariá-la e, caso isso ocorra, em razão do princípio da
força normativa da Constituição, é preciso existir um órgão com competência para decla-
rar essa incompatibilidade com a Constituição (inconstitucionalidade) e a, consequente,
invalidade da norma infraconstitucional.
Deste modo, temos que o controle de constitucionalidade consiste em uma forma de
controle de compatibilidade vertical de normas através da qual se afere se uma determinada
norma infraconstitucional (um artigo de lei, por exemplo) é compatível com as normas
constitucionais (explícitas ou implícitas), vez que qualquer norma infraconstitucional que
for incompatível com a Constituição será inválida (nula).
Assim, pode-se af‌irmar que o controle de constitucionalidade é uma forma de controle
de validade materializada pela análise da compatibilidade das normas infraconstitucionais
com as normas constitucionais.1 Af‌inal, de nada adiantaria reconhecermos que uma norma
infraconstitucional (um certo decreto, ou uma certa lei, ou um certo contrato, por exemplo)
é incompatível com a Constituição, se não fosse imposta uma sanção a essa norma infra-
constitucional, sendo a declaração de invalidade a sanção mínima que lhe deve ser imposta,
extirpando-a do mundo jurídico, em regra, desde a data de sua edição, já que ela é invalida
desde que foi editada, não devendo produzir efeitos.2
2. PRESSUPOSTOS
A doutrina tradicional tem apontado que, em regra, o controle de constitucionalidade
clássico (ou moderno) possui alguns pressupostos para que possa ser realizado, sendo eles:
i) Constituição Formal, o que nos parece um grande equívoco, já que, a nosso ver, foi
sob a égide de uma Constituição Material (a Constituição dos Estados Unidos da
América do Norte) que o controle de constitucionalidade moderno foi fundado.
Aqui, talvez, a doutrina quisesse se referir à Constituição Escrita (o que seria um
equívoco menor, mas, também, não deixaria de ser um equívoco).
ii) Constituição Rígida (ou Semirrígida), já que uma Constituição Flexível poderia ser
modif‌icada por um processo legislativo ordinário, o que iria na contramão da ideia
de supremacia da Constituição.
iii) Constituição compreendida como norma-jurídica fundamental, isto é, como funda-
mento de validade do ordenamento jurídico.
iv) Existência de Órgão(s) competente(s) para realizar a atividade de controle.
1. KELSEN, Hans. Jurisdição Constitucional. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
2. BARBOSA, Rui Os atos inconstitucionais do Congresso e do Executivo. Rio de Janeiro: Companhia Impressora, 1893.
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v) Sanção para a conduta (comissiva ou omissiva) praticada em desconformidade com
a Constituição, exigindo-se, pelo menos, o reconhecimento de sua invalidade.
3. ESPÉCIES (OU TIPOS) DE INCONSTITUCIONALIDADE
Como dissemos, o controle de constitucionalidade busca verif‌icar a compatibilidade
das normas infraconstitucionais – e práticas do poder público, de um modo geral – com as
normas constitucionais, isto é, verif‌icar se as normas infraconstitucionais são constitucio-
nais (estão de acordo com a Constituição) ou inconstitucionais (estão em desacordo com
Assim, surge uma importante questão: quais as espécies (ou tipos) tipos de incons-
titucionalidade? Essa questão nos leva às formas como a inconstitucionalidade pode ser
classif‌icada.
3.1 Inconstitucionalidade formal e material
Quanto à norma constitucional violada, ou melhor, quanto à natureza normativa do
vício ocorrido na edição da norma infraconstitucional, a inconstitucionalidade pode ser
classif‌icada em formal (ou nomodinâmica) ou material (ou nomoestática).
A inconstitucionalidade formal, também chamada de nomodinâmica, ocorre quando
o vício da norma editada diz respeito ao seu processo de criação, isto é, ao devido processo
legislativo constitucionalmente previsto para a criação das leis e dos atos normativos. Ao
editar normas infraconstitucionais (leis ou atos normativos) o poder público deve obser-
var as normas constitucionais que digam respeito ao seu processo de criação (normas de
competência, de iniciativa, de elaboração, de discussão e deliberação, de aprovação e de
complementação de ef‌icácia, por exemplo), sendo que a sua inobservância gera a incons-
titucionalidade formal da lei ou ato normativo. A doutrina, classicamente, tem dividido
a inconstitucionalidade formal nas seguintes subespécies: i) inconstitucionalidade formal
orgânica; ii) inconstitucionalidade formal propriamente dita, que se subdivide em a) subjetiva
e b) objetiva.
i) inconstitucionalidade formal orgânica: ocorre quando há o descumprimento de uma
norma constitucional de competência. Assim, por exemplo, se um determinado
Estado da federação editar lei estadual criando o seu próprio Código Penal, essa lei
será inconstitucional (inconstitucionalidade formal orgânica), vez que é competência
privativa da União legislar sobre direito penal, nos termos do art. 22, I, da CF/88.
ii) inconstitucionalidade formal propriamente dita: ocorre quando há descumprimento
das normas constitucionais concernentes ao devido processo legislativo, isto é, ao
processo em si de formação das normas, podendo ser subjetiva ou objetiva:
a) inconstitucionalidade formal subjetiva: ocorre quando há desrespeito às normas
de iniciativa do processo legislativo de uma determinada espécie normativa, isto
é, quando o sujeito/pessoa/autoridade que inicia/def‌lagra o processo legislativo
não é aquela prevista na Constituição para tanto. Assim, por exemplo, se um De-
putado ou Senador propor projeto de lei sobre matéria de competência privativa
do Presidente da República (art. 61, §1º, da CF/88), teremos um claro caso de
inconstitucionalidade formal propriamente dita subjetiva.
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b) inconstitucionalidade formal objetiva: ocorre quando há descumprimento das
normas constitucionais concernentes a outras fases do processo legislativo que
não a fase de iniciativa. Assim, por exemplo, se for aprovado projeto de lei com-
plementar pelo quórum de maioria simples e esse projeto vier a ser sancionado,
promulgado e publicado pelo Presidente da República, “tornando-se lei”, essa lei
será inconstitucional, já que as leis complementares exigem o quórum de maioria
absoluta para serem aprovadas (art. 69, CF/88).
Já a inconstitucionalidade material, também chamada de nomoestática, ocorre quando
o vício da norma editada diz respeito ao seu conteúdo, isto é, ocorre quando o conteúdo da
norma editada contraria o conteúdo de normas constitucionais. Assim, por exemplo, se o
Congresso Nacional editar lei prevendo a pena de tortura e de trabalhos forçados para os cri-
mes cometidos com o emprego de grave violência contra a pessoa, essa lei será materialmente
inconstitucional por ferir frontalmente o conteúdo normativo do art. 5º, XLVII, da CF/88.
3.2 Inconstitucionalidade por ação e por omissão
Quanto ao tipo de conduta praticada pelo poder público, a inconstitucionalidade pode
ser por ação (positiva) ou por omissão (negativa).
A inconstitucionalidade por ação caracteriza-se por uma conduta positiva (um facere)
do poder público que fere a Constituição, isto é, pela ocorrência de uma ação normativa ou
concreta do Estado que esteja em desacordo com as normas constitucionais.
Já a inconstitucionalidade por omissão caracteriza-se por uma conduta negativa (um
non facere) do poder público em face de uma situação na qual a Constituição determina (de
forma expressa ou tácita) que ele deveria agir, isto é, ocorre quando o Estado deixa de agir e
essa sua omissão, por não efetivar plenamente as normas constitucionais, fere a Constitui-
ção. Nesse sentido, é possível constatar que a inconstitucionalidade por omissão terá por
parâmetro constitucional as normas constitucionais que careçam de medidas de efetivação/
implementação, isto é, que necessitem de atos infraconstitucionais do poder público para
produzirem todos os seus efeitos. Assim, a doutrina clássica costuma dizer que, à luz da
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