Controle de constitucionalidade
Autor | Paulo Roberto de Figueiredo Dantas |
Páginas | 117-217 |
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CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
5.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
Já vimos que a constituição rígida – caso da nossa Constituição Federal de 1988 – é
considerada a lei das leis, inserida no ápice da pirâmide normativa estatal, compelindo
todas as demais normas produzidas pelo poder público a observar os princípios e regras
nela albergados. Neste Capítulo, por sua vez, estudaremos os mecanismos de fiscalização
destinados a garantir que os demais diplomas normativos efetivamente sejam editados em
consonância com as normas constitucionais.
E a fiscalização da compatibilidade (adequação) das leis e demais atos normativos
produzidos pelo Estado com os princípios e regras consagradas em uma constituição rígida,
nós demonstraremos aqui, dá-se por meio do chamado controle de constitucionalidade das
normas. Assim, o Capítulo que ora se inicia terá por objeto justamente o estudo deste tema.
Trataremos, aqui, das noções gerais sobre o sistema de controle de constitucionalidade
adotado no Brasil. Analisaremos, em síntese, os pressupostos e o conceito do controle de
constitucionalidade; o seu objeto; o chamado parâmetro de controle; as espécies de inconsti-
tucionalidade; bem como as diversas modalidades de controle, adotados no direito comparado.
Estudaremos também, de maneira um pouco mais detalhada, as principais caracterís-
ticas do controle difuso de constitucionalidade, tratando das principais normas que disci-
plinam sua aplicação, inclusive das ainda recentes regras que disciplinam a necessidade de
demonstração da chamada repercussão geral, além de alguns temas específicos sobre essa
espécie de controle, como, por exemplo, a análise do ainda incipiente princípio da trans-
cendência dos motivos determinantes e a denominada abstrativização dos efeitos da decisão
proferida pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade.
Estudaremos, ademais, as diversas espécies de controle concentrado de constituciona-
lidade, adotadas pelo Brasil. Trataremos não só das modalidades trazidas pelo constituinte
originário, como também das novas, concebidas por meio de emendas à Constituição. Ana-
lisaremos, naquela oportunidade, a ação direta de inconstitucionalidade genérica, a ação
declaratória de constitucionalidade, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, a
arguição de descumprimento de preceito fundamental e a ação direta de inconstituciona-
lidade interventiva.
Em seguida, trataremos do controle concentrado de constitucionalidade perante os
Tribunais de Justiça dos Estados e também analisaremos a possibilidade de instituição de
controle concentrado de constitucionalidade de leis distritais em face da Lei Orgânica do
Distrito Federal, mesmo diante da ausência de norma constitucional expressa que trate
do tema, encerrando o estudo do controle concentrado de constitucionalidade no Brasil
estudando a denominada interpretação conforme a Constituição, bem como a declaração
parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto.
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CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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5.2 CONCEITO E PRESSUPOSTOS DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Vimos, no Capítulo 1, que Hans Kelsen1 nos trouxe a ideia da existência de um esca-
lonamento de leis, de uma verdadeira hierarquia entre as normas que compõem a ordem
jurídica de um Estado, na qual as de hierarquia inferior extraem seu fundamento de validade
das normas superiores, até chegarmos à constituição jurídico-positiva, que se encontra no
ápice da pirâmide normativa estatal. Temos, nessa ideia, a exteriorização do denominado
princípio da compatibilidade vertical das normas.
Vimos, ainda, ao estudar a diferença entre constituição rígida e constituição flexível,
que a primeira é a modalidade de carta constitucional que, a despeito de permitir alterações
de seu texto, somente o faz quando observadas as regras condicionadoras fixadas em seu
próprio texto, necessariamente mais rígidas e severas que as impostas às demais normas –
infraconstitucionais – que compõem o ordenamento jurídico do Estado.
Verificamos, ademais, que a constituição rígida, em razão da maior dificuldade para
modificação de suas normas, que não podem ser alteradas pela simples edição de diplomas
infraconstitucionais, é considerada a norma suprema do país, a denominada lex legum (a
lei das leis), da qual todas as demais espécies normativas necessariamente extraem seu
fundamento de validade.
Com efeito, caso fosse possível ao legislador ordinário alterar as normas constitucionais
com a simples edição de uma norma infraconstitucional, como se dá com as constituições
flexíveis, não haveria sentido falar-se em supremacia jurídica da constituição em face das
demais normas estatais, uma vez que, nessa hipótese, todas as normas produzidas pelo poder
público estariam no mesmo patamar hierárquico.
Concluímos, com base naquelas assertivas, que o princípio da supremacia da constitui-
ção, ao menos do ponto de vista estritamente jurídico, decorre inequivocamente da rigidez
constitucional, uma vez que somente podem ser consideradas válidas as normas – tanto
aquelas produzidas pelo poder constituinte derivado, quanto as infraconstitucionais – que
se revelarem compatíveis com os princípios e regras instituídos pelo constituinte originário
na lei magna, que não podem, por sua vez, ser revogados pela simples edição de legislação
infraconstitucional.
E justamente em razão da supremacia jurídica da constituição, decorrente da necessi-
dade, existente nas constituições rígidas, de que os diplomas normativos sejam compatíveis
com os comandos constitucionais, é que se pode pensar em controle de constitucionalidade
das normas, já que não haveria sentido falar-se em referido controle caso a constituição
pudesse ser alterada pela simples edição de uma lei infraconstitucional, caso não houvesse
uma hierarquia entre normas constitucionais e infraconstitucionais.
Logo, é fácil concluir que o controle de constitucionalidade pressupõe a existência de
rigidez constitucional, e, por consequência, de supremacia jurídica da constituição em face das
demais espécies normativas que compõem o ordenamento jurídico estatal.2 Ademais, o
1. Teoria pura do direito. 7. ed. Martins Fontes, 2006.
2. Alguns doutrinadores, é importante que se diga, também incluem, entre os pressupostos do controle de constitucionali-
dade, a atribuição de competência a um ou mais órgãos, variando em conformidade com o sistema de controle adotado
pelo Estado em particular, para realizar a análise da constitucionalidade das leis e demais atos normativos em face dos
preceitos constitucionais. Com o devido respeito, esse entendimento não nos parece correto, já que a necessidade de se
atribuir competência a um ou mais órgãos, para exercer tal mister, é muito mais uma decorrência lógica (uma consequ-
ência) da previsão do controle de constitucionalidade, do que propriamente um pressuposto para sua criação.
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inverso também é verdadeiro. Caso não existam mecanismos de controle da adequação das
normas aos ditames fixados pela constituição, não se pode falar em rigidez constitucional
e supremacia jurídica da carta magna.
Como nos lembra Manoel Gonçalves Ferreira Filho,3 quando um Estado não prever o
controle de constitucionalidade das normas, a constituição será necessariamente flexível, por mais
que esta se queira rígida, já que o poder constituinte perdurará ilimitado nas mãos do legis-
lador infraconstitucional, que poderá modificar as normas constitucionais livremente, caso
não haja um órgão destinado a resguardar a superioridade destas em face das leis ordinárias.
Com base nas afirmações acima formuladas, podemos concluir, em apertada síntese
introdutória, que o controle de constitucionalidade consiste justamente na fiscalização da
adequação (da compatibilidade vertical) das leis e demais atos normativos editados pelo
Estado com os princípios e regras existentes em uma constituição rígida, para que se garan-
ta que referidos diplomas normativos respeitem, tanto no que se refere ao seu conteúdo,
quanto à forma como foram produzidos, os preceitos hierarquicamente superiores ditados
pela carta magna.
Dito em outras palavras, trata-se da verificação da adequação da norma aos princípios
(explícitos e implícitos) e regras existentes na constituição, tanto no que se refere ao seu
conteúdo daquela, como à forma como foi produzida. Tem por objetivo, normalmente,
declarar a nulidade do preceito normativo, quer alijando-o em definitivo do ordenamento
jurídico, no controle abstrato, quer afastando sua aplicação num dado caso particular, no
chamado controle concreto.
O controle de constitucionalidade, como demonstraremos melhor no transcorrer
deste Capítulo, pode ser realizado por um ou mais órgãos distintos, em conformidade com
o modelo de controle de constitucionalidade adotado pelo Estado. Pode, ademais, ser pré-
vio à edição da lei ou ato normativo, quando é chamado controle de constitucionalidade
preventivo ou a priori, ou posterior à sua edição, no que se costuma chamar de controle
repressivo ou a posteriori.
Referido controle, conforme nos aponta a doutrina, surgiu em um país cuja constituição
sequer o previa expressamente: os Estados Unidos da América. De fato, em famosa decisão
proferida no caso Marbury versus Madison, o então presidente da Suprema Corte Norte-
-Americana (denominado Chief of Justice), o juiz John Marshall, concluiu que as normas
infraconstitucionais deveriam adequar-se aos ditames constitucionais, sob pena de serem
consideradas nulas. Concluiu, igualmente, que o controle daquela adequação deveria ser
feito pelo Poder Judiciário.
De fato, conforme entendimento externado por aquele eminente magistrado, tratan-
do-se a constituição norte-americana da lei suprema daquele país, que não podia (e ainda
não pode) ser alterada pela simples edição de legislação ordinária, qualquer diploma infra-
constitucional que não observasse os preceitos constitucionais não poderia ser considerado
verdadeiramente uma lei, devendo, portanto, ser declarado nulo, sem qualquer força cogente.
E como a função de dizer o direito (jurisdictio), inclusive para solucionar eventual
conflito de normas, é conferida ao Poder Judiciário, Marshall defendeu que a competência
para verificar se uma lei ordinária observa ou não os ditames constitucionais, deveria ser
3. Curso de direito constitucional. 35. ed. Saraiva, 2009, p. 34.
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