O controle da vida: estatuto do nascituro, direitos reprodutivos e biopoder

AutorMaria Vitória Costaldello Ferreira
CargoMestre em Direito da Universidade Federal do Paraná
Páginas63-72
O CONTROLE DA VIDA: ESTATUTO DO NASCITURO, DIREITOS R EPRODUTIVOS E
BIOPODER
THE CONTROL OF LIFE: STATUTE OF THE UNBORN, REPRODUC TIVE RIGHTS AND
BIOPOWER
Maria Vitória Costaldello Ferreira
1
Sumário: Considerações iniciais. 1 Poder e biopoder em Michel Foucault. 2 O estatuto
do nascituro, o controle da vida e dos corpos. Considerações finais. Referências.
Resumo: O presente artigo busca analisar o Projeto de Lei nº 478/2007, conhecido como
estatuto do nascituro, em trâmite perante o Congresso Nacional Brasileiro, à luz da teoria do
biopoder, de Michel Foucault, e dos direitos reprodutivos das mulheres. Para tanto, será exposto o
conceito de biopoder, seguido do histórico de criação e tramitação do estatuto do nascituro e de
sua caracterização como um instrumento de controle da vida e dos corpos femininos.
Palavras-chave: Estatuto do nascituro. Biopoder. Direitos reprodutivos.
Abstract: This article aims to analyze the Draft Law nº 478/2007, known as the unborn
satute, pending through the Brazilian Congress, from the Michel Foucault´s theory of biopower,
and women´s reproductive rights. To achieve this goal, the biopower concept will be exposed,
followed by the track record of creation and processing of the unborn stute and its characterization
as a tool to control life and women's bodies.
Keywords: Status of the unborn child. Biopower. Reproductive rights.
Considerações iniciais
Em suas teorizações acerca do poder, Michel Foucault identifica, no século XIX, o surgimento de
uma nova forma de poder, que tem por objeto a vida e q ue incide sobre as massas. É o chamado biopoder
que, coexistindo com o poder disciplinar e com o poder soberano clássico, exerce controle sobre corpos
individuais e sobre fenômenos coletivos relativos à saúde e à vida.
A “população” passa a ser, também, objeto de preocupação, quantificação, medição, estatística e
intervenção do Estado e da política.
A sociedade de controle, fruto dessa nova tecnologia de poder, caracteriza-se pela linguagem
numérica, os sujeitos são identificados por senhas e, nas palavras de Gilles Deleuze: “os indivíduos
tornaram-se ‘dividuais’, divisíveis, e as massas tornaram-se amostras, dados, mercados ou ‘bancos”.
2
Essa nova forma de pod er não substituiu completamente as anteriores, mas as complementa na
medida em que, agora, é possível e necessário o controle sobre a vida das massas:
Ora, durante a segunda metade do século XVIII, eu creio que se vê aparecer algo de novo, que é
uma outra tecnologia de poder, não disciplinar dessa feita. Uma tecnologia de poder que não exclui
a primeira, que não exclui a técnica disciplinar, mas que a embute, que a integra, que a modifica
parcialmente e que, sobretudo, vai utilizá-la implantando-se de certo modo nela, e incrustando-se
efetivamente graças a essa técnica disciplinar prévia. Essa nova técnica não suprime a técnica
disciplinar simplesmente porque é de outro nível, está noutra escala, tem outra superfície de
suporte e é auxiliada por instrumentos totalmente diferentes.
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Passam a ser preocupação do Estado as taxas de fecundidade e mortalidade, a velhice, as doenças
mais ou menos regulares que atingem grupos, os dados acerca da população, da vida e dos corpo s.
No Brasil, em 2007 foi apresentado, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 478/2007 (PL),
denominado Estatuto do Nascituro, que prevê a proteção da pessoa humana desde a sua concepção, confere
1
Mestre em Direito da Universidade Federal do Paraná. Integrante do Núcleo de Pesquisa “Pró-pólis”. E-mail:
cf.mariavitoria@gmail.com.
2
DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992, p. 222.
3
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 203-204.

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