Controle difuso no brasil

AutorPaulo Roberto de Figueiredo Dantas
Páginas41-70
3
CONTROLE DIFUSO NO BRASIL
3.1 ESCLARECIMENTOS INICIAIS
No Capítulo 2, mostramos ao caro leitor os contornos do controle de constituciona-
lidade brasileiro, procurando demonstrar que o poder constituinte – tanto o originário
como, posteriormente, o derivado – dotou o Estado brasileiro do maior número possível
de mecanismos de controle de constitucionalidade, com vistas à garantia da observância
da supremacia constitucional.
Fornecida aquela visão genérica de nosso modelo de controle de constitucionalidade,
passaremos a analisar, de maneira um pouco mais detida, as diversas modalidades de con-
trole de constitucionalidade judicial (do tipo repressivo), utilizadas pelo Brasil, iniciando
nossos estudos, neste Capítulo, pelo chamado controle difuso de constitucionalidade.
Estudaremos aqui, de maneira mais detalhada, as principais características dessa es-
pécie de controle, tratando das principais normas que disciplinam sua aplicação, inclusive
das ainda recentes regras que disciplinam a necessidade de demonstração da chamada
repercussão geral para o julgamento de recursos extraordinários perante a Corte Suprema.
Estudaremos, ademais, alguns temas específ‌icos sobre o controle difuso de consti-
tucionalidade, como, por exemplo, a análise da possibilidade de sua utilização em ação
civil pública, bem como do ainda incipiente princípio da transcendência dos motivos
determinantes e a denominada abstrativização dos efeitos da decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso de constitucionalidade.
3.2 CONTROLE DIFUSO
O controle difuso, também conhecido como controle por via de exceção ou defesa,
que existe em nosso País desde a primeira constituição republicana, e inequivocamente
inspirado no modelo norte-americano (Estados Unidos da América), permite a qualquer
juiz ou tribunal realizar, no julgamento de um caso concreto, de ofício ou mediante pro-
vocação de alguma das partes do processo, a análise incidental da constitucionalidade
de uma lei ou ato normativo federal, estadual, distrital ou municipal.
Como já mencionamos, referido controle surgiu em um país cuja constituição
sequer o previa expressamente: os Estados Unidos da América. De fato, em famosa
decisão proferida no caso Marbury versus Madison, o então presidente da Suprema
Corte Norte-Americana (denominado Chief of Justice), o juiz John Marshall, concluiu
que as normas infraconstitucionais deveriam adequar-se aos ditames constitucionais,
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DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL • PAULO ROBERTO DE FIGUEIREDO DANTAS
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sob pena de serem consideradas nulas, e que o controle daquela adequação deveria ser
feito pelo Poder Judiciário.
Com efeito, conforme entendimento manifestado por aquele magistrado, tratando-se
a Constituição dos Estados Unidos da América da lei suprema daquele país, que não pode
ser alterada pela simples edição de legislação ordinária, qualquer diploma infraconstitu-
cional que não observasse os preceitos constitucionais não poderia ser considerado ver-
dadeiramente uma lei, devendo, portanto, ser tido por nulo, sem qualquer força cogente.
E como a função de dizer o direito, inclusive para solucionar eventual conf‌lito de nor-
mas, é conferida ao Poder Judiciário, Marshall defendeu que a competência para verif‌icar
se uma lei ordinária observa os ditames constitucionais deveria ser exercida por todos os
magistrados, no exame dos casos concretos que lhe fossem submetidos a julgamento. Nas-
cia, assim, o controle judicial de constitucionalidade, do tipo difuso, ou por via de exceção.
Referido modelo de controle de constitucionalidade, deve-se insistir, permite
a qualquer juiz ou tribunal realizar – esse o motivo de ser denominado difuso –, no
julgamento de um caso concreto, a análise incidental da constitucionalidade de uma
lei ou ato normativo. No controle difuso, portanto, a análise da constitucionalidade do
dispositivo não é o objeto principal da ação, sendo apreciada apenas em caráter incidental.
Dito de outo modo, o juiz do processo decidirá acerca da eventual inconstitucionalidade
da norma em caráter incidenter tantum para, só então, com base naquele entendimento,
julgar o mérito propriamente dito da ação.
A análise da constitucionalidade da norma, portanto, antecede o exame do mérito
da demanda. Muito embora o juiz do feito possa, ou, mais que isso, deva realizar de
ofício tal controle, é mais comum que as partes em litígio invoquem tal inconstitucio-
nalidade, de forma incidental, como forma de garantir o sucesso de seu pleito principal
(daí também ser denominado de controle por via de exceção ou defesa).
No caso brasileiro, além da previsão constitucional (artigo 102, inciso III, de nossa
Lei Magna de 1988) que trata do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da questão
da inconstitucionalidade invocada num dado caso concreto, através de recurso extraor-
dinário, o Código de Processo Civil também cuida do tema em 2 (duas) oportunidades.
A primeira, quando disciplina o chamado incidente de arguição de inconstituciona-
lidade, perante os tribunais de segundo grau (Tribunais de Justiça dos Estados, Tribunal
de Justiça do Distrito Federal e Territórios e Tribunais Regionais Federais), a partir de
seu artigo 948. A segunda, quando trata das regras de interposição e admissão do recurso
extraordinário, a partir do artigo 1.029.
3.3 NORMAIS EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NO
CONTROLE DIFUSO
Como regra geral1, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo,
proferida num caso de controle difuso de constitucionalidade, produz ef‌icácia apenas
1. Af‌irmamos que isso ocorre como “regra geral” porque, como veremos melhor mais à frente, a adoção da teoria da
transcendência dos motivos determinantes e da consequente abstrativização dos efeitos da decisão proferida pelo
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