A abstrativização do controle difuso e o precedente vinculante

AutorPaulo Henrique Drummond Monteiro
CargoGraduando em Direito pela UFMG (9° período) e intercambista da Universidade de Coimbra
Páginas1-16
Regras para Citação:
MONTEIRO, P. H. D. A Abstrativização do Controle Difuso e o Precedente Vinculante.
Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília, n. 8, p. 228-258, 2009.
A ABSTRATIVIZAÇÃO DO CONTROLE DIFUSO E O PRECEDENTE VINCULANTE
Paulo Henrique Drummond Monteiro
1
Resumo: O presente artigo tem como objetivo uma discussão ainda pouco trabalhada sobre o controle difuso de
constitucionalidade brasileiro: o fenômeno da abstrativização. Trata-se de uma mo dificação do controle de
constitucionalidade promovido pelas recentes reformas processuais que, em conjunto, rev elam uma verdadeira
alteração na concepção dogmática da jurisdição constitucional, com repercussão no procedimento do controle de
constitucionalidade e na abrangência dos efeitos de suas decisões.
Palavras-chave: jurisdição constitucional, controle de constitucionalidade difuso, abstrativização, força vinculante.
Abstract: The present article aims a discussion of an unsuficiently studied theme about the brazilian judicial review:
the phenomenon the Brazilians call “ abstrativizaç ão”. It is an modification of the brazilian judicial review that
means a significative modification of the dogmatic conception of the constitucional apliacation, with repercution in
the process and in the effects of the judicial review.
1. Apresentação do tema
O sistema de controle de constitucionalidade brasileiro tem passado, nos últimos ano,
por mudanças significativas, orientadas po r uma concepção de jurisdição constitu cional
bastante peculiar. Tais mudanças são sustentadas por uma ordem de argumentação pautada,
sobretudo, nos princípios da eficiência da prestação jurisdicional, da celeridade e da segurança
jurídica.
A emenda constitucional nº 45, por exemplo, criou a súmula vinculante em matéria
constitucional bem como consagrou, no texto da Constituição, a orientação do STF de conferir
efeito também vinculante às decisões proferidas em causas de controle concentrado de
constitucionalidade (em ADIN ou ADC: art. 102 parágrafo 2º, CR/88).
A seu turno, as recentes reformas processuais promoveram a transformação do
recurso extraordinário, típico instrumento de controle difuso, em instituto apto a servir ao
controle abstrato
2
. Trata-se da “abstrativização” do controle de constitucionalidade difuso.
A análise incidental da constitucionalidade, por s ua vez, passa a ser feita em tese,
embora por qualquer órgão judicial. É o que acontece quando se instaura o incidente de
inconstitucionalidade perante os tribunais de segunda instância, em que a análise da questão
constitucional tem sido feita em tese vinculando o tribunal a adotar o mesmo posicionamento
em outras oportunidades
3
. Esse conjunto de inovações processuais atinentes à jurisdição
constitucional difusa permeia uma técnica de fortalecimento normativo dos juízos de
fundamentação da decisão judicial, transformando-os em verdadeiros precedentes
vinculativos para a jurisdição ordinária, ainda que se trate de parte incidental da causa. Assim,
da solução de um caso concreto particular, extrai-se uma regra de direito generalizada.
1
Graduando em Direito pela UFMG (9° período) e intercambista da Universidade de Coimbra.
2
Não se confunda a classificação controle difuso/concentrado com a de controle concreto/abstrato. O controle
difuso se refere à jurisdição constitucional exercida por todos os juízes, enquanto controle concreto significa o
exercício da jurisdição c onstitucional incidentalmente em uma lide já instaurada, sendo a questão constitucional
uma prejudicial no caso concreto.
3
DIDIER JR (2007; p. 105)
2
É essa nova técnica processual que explica as inovações processuais da súmula
vinculante; a valorização das súmulas dos tribunais no sistema recursal; a possibilidade do
julgamento liminar de causas repetitivas (art. 285-A do CPC); o instituto da repercussão ge ral e
seu exame por amostragem; entre outras inovações legislativas e teses jurisprudenciais.
Historicamente no Brasil, o controle difuso tem exercido o papel de aproximar a
jurisdição constitucional e a sociedade. Disperso po r todos os ramos do judiciário, essa
modalidade de controle t em o condão de incrementar o exercício da cidadania, robustecendo
a noção de democracia. Pautado pelo mais amplo contraditório, o processo “subjetivo”
permite às partes a discussão democrática acerca dos direitos fundamentais no espaço mais
eficaz para a efetivação desses direitos: o caso concreto.
Portanto, as inovações no sistema difuso devem ser bem trabalhadas pela doutrina sob
pena de se criar um déficit de legitimidade da jurisdição. Imprescindível, pois, um estudo
histórico-comparativo do controle difuso brasileiro a fim de proceder a uma melhor análise
desse fenômeno tendo por base a sua legitimidade e o seu papel fundamental na construção
da democracia. Trabalharemos brevemente uma conceituação científica do controle de
constitucionalidade e o seu desenvolvimento histórico no Brasil, para, por fim, procedermos à
análise do fenômeno da abstrativização com fundamento histórico e científico.
2. SISTEMA JUDICIAL DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE – CONCEITUAÇÃO
Considerando apenas os aspectos formais do controle de constitucionalidade das leis e
atos normativos, pode-se conceituá-lo como o me canismo de verificação da compatibilidade
entre uma lei ou outro ato normativo infraconstitucional e a Constituição da República
4
. Tal
conceito, porém, peca por desconsiderar a função preponderante do sistema de controle de
constitucionalidade, qual seja, a função de canal jurídico-democrático de construção da
salvaguarda dos direitos fundamentais. Nesse sentido, o controle de constitucionalidade deve
ser entendido, por um lado, como uma das técnicas instituídas pela Constituição capaz de
promover o respeito aos direitos das minorias frente às maiorias parlamentares eventuais. Por
outro, como um modelo constitucional de processo estabelecido pelo constituinte que garanta
a plena construção discursiva da interpretação constitucional
5
.
A conceituação jurídica de co ntrole de constitucionalidade aqui trabalhada permeia,
portanto, três aspectos que não podem ser desconsiderados num Estado Democrático de
Direito, sob pena de feri-lo em seus fundamentos:
1) O seu aspecto formal - Sendo entendido como mecanismo de salvaguarda da
harmonia do sistema jurídico, consistindo na verificação da compatibilidade entre uma lei ou
outro ato normativo infraconstitucional e a Constituição da República, pautando-se na rigidez
e supremacia constitucionais; 2) O seu aspecto material – Sendo entendido como técnica
instituída pela Constituição capaz de promover salvaguarda dos direitos fundamentais; 3 ) O
seu aspecto processual – Sendo entendido como canal jurídico-democrático revelado num
modelo constitucional de processo que garanta a plena construção discursiva da interpretação
constitucional.
O aspecto formal tem a função de garantir a força normativa formal da Constituição
frente às normas infraconstitucionais. Trata-se de parâmetro de validade do sistema jurídico
insubstituível num Estado de Direito, porquanto preza pela defesa da validade das normas,
trazendo previsibilidade e segurança-jurídica. Este é o primeiro passo, no que se refere ao
sistema constitucional, da saída de um Estado da Política para um Estado de Direito: a
parametricidade formal da Constituição
6
. Por outro lado, o aspecto material tem uma função
que vai além do estabelecimento de uma parametricidade formal. Sob esse ponto de vista, o
4
BARROSO (2007; p. 1-2)
5
CATTONI (2001; p. 8)
6
BARROSO (2007; p. 1-2)

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