Controle do tombamento
Autor | Maria Coeli Simões Pires |
Ocupação do Autor | Bacharel em Direito pela Pontifícia. Universidade Católica de Minas Gerais |
Páginas | 461-529 |
Capítulo 11
CONTROLE DO TOMBAMENTO
A eficácia do in stituto do tombamento se avalia, especialmente, à ra-
zão da efetividade do controle da ação governamental de proteção ao patri-
mônio cu ltural.
Assim, cresce de significado o estudo do presente tópico, que não se
coloca como segmento acessório e anci lar da temática pautada, mas, ao con-
trário, como núcleo de caráter es sencial.
Para discorr er sobre o controle do tombamento, buscar-se-á situá-lo a
partir d a afirmação de sua incidênc ia em três momentos decisivos do ato.
Proceder-se-á à aná lise do controle no que concerne ao momento pre-
cedente à institu ição do regime especial sobre deter minado bem; no tocante
à fase de manifestação do Poder Público, em que a proteção abstratamente
considerada na norma é atualizada, concretizada, integrando o bem no pa-
trimônio c ultural e natur al estrito, para fi ns de proteção especial; e, por fi m,
tratar-se-á do controle incidente relativamente aos efeitos oriundos do ato
constitutivo do tomba mento.
1. DO CONTROLE A PRIORI E A RELEVÂNCIA DO PAPEL
DO LEGISLATIVO
O momento a prior i do tombamento há de ser est udado, sobretudo,
tendo-se em vista a om issão do Poder Público em institu í-lo, pelo que o con-
trole, em última análise, deve pressupor mecanismos por via dos quais se
possa levar a Administração a estabelecer regime espec ial de tutela sobre
determinado bem. O t ratamento da matéria exige que se tenha m respondi-
das, num primeiro plano, as indagações que serão objeto de estudo porme-
norizado a segu ir: Há direito subjetivo público ao tombamento? Existe legi-
timidade ativa, quer do indivíduo, quer da coletividade ou de seg mentos
dela, para exi gir a efetivação governamental do tombamento?
Ora, aqui se pauta uma da s questões mais delicadas – a de compatibi lizar
o dever do Estado de proteger a cultura com a discricionariedade do Poder
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Da proteção ao patrimônio cultural
Público de instituir o tombamento, principal instrumento de proteção. Essa
convergência entre uma quase- obrigação pública e a livre opção do Poder Públ i-
co quanto ao momento de se proteger o bem cria, de i nício, uma perplexidade.
Algum as considerações iniciais se fa zem necessárias, para que se per-
mita o raciocínio de que se possam extrair conclusões objetivas, respostas
rigorosas àquelas indagações.
A colocação vestibular di z respeito ao comando da norma contida no
parágra fo 1º do art. 216 da Constituição da República , que estabelece a obri-
gação de o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promover e
proteger o patrimônio cultural brasileiro. É que, em face de norma aparen-
temente tão imperativa, injustificada seria, aos menos atentos, a polêmica
que se trava em torno da exi gibilidade, ou não, do tombamento ou de outros
instr umentos de proteção.
Quando se ana lisou, neste trabalho, a natur eza da norma constitucio-
nal de proteção, concluiu-se pelo seu car áter programático associado ao seu
traço de eficáci a normativa em sentido forma l. É que, sem plena eficácia no
plano material, o coma ndo carece de elementos que lhe possibilitem reg ular
diretamente casos concretos, e, assim, de outra norma que lhe venha atri-
buir efetividade. De out ro lado, o mecanismo processual de ga rantia da ação
protetora do Estado deve ser discipl inado em norma infraconst itucional.
O enunciado da norma, literalmente coercitivo, não consubstancia
senão faculdade que se mater ializa por via da ma nifestação discr icionária do
Poder Público, ao contrário daqu ilo que defendem alguns ad ministrat ivistas
adeptos da vinculação da Administração. Como desdobramento necessário
dessa suposta posição de vinculação da ação estatal, ter-se-ia que, sempre
que se verificassem os pressupostos para a proteção especial, est aria o Esta-
do obrigado a efetuar o tombamento e a adotar medidas conser vacionistas
decorrentes da modalidade interventiva. Dessa forma, seria de adm itir-se
que o proprietário e a sociedade pudessem exigir a manifestação do Poder
Público no sentido do tombamento.
Em outra dicção: nesta lin ha de argumentação, enquadrando-se de-
terminado bem em d adas condições, avaliadas em parecer do órgão técn ico
a partir de motivos e fatos objetivos, estaria o Poder Público vinculado à
obrigação de promover o tombamento.
Inocorre essa vi nculação, conforme arg umentos já expendidos quan-
do da análise da natureza do ato de tombamento e aqui retomados por ra-
zões metodológ icas.
Ora, buscando fundamento nos que situam a d iscriciona riedade no
campo da norma, como Cretella Júnior, ou no campo do fato, como Celso
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CONTROLE DO TOMBAMENTO
Antônio Bandeira de Mello, pode-se sustentar que a abstração da regra que
vincula o ad ministrador – ei s que sempre ela vincula nos li mites nela mesma
previstos – não inval ida o raciocínio da d iscricionariedade da Ad ministração
no tocante ao tombamento. A opção do admin istrador não se di rige à nor-
ma, mas ao fato, que, num dado momento, será, ou não, subsumido à nor-
ma. Destaque-se, neste part icular, que a discriciona riedade repousa antes na
liberdade de conduta do adm inistrador ao optar do que ao executar.
Assim, apesa r de as características preex istirem, não fica o Poder Pú-
blico preso a determinado momento para efetivar o tombamento, uma vez
que é o árbitro da conveniência e opor tunidade. Há de ter-se em conta que,
em face da multiplicidade dos bens e da diversidade de interesses públicos,
ao Poder Público deve restar uma faculdade para estabelecer suas priorida-
des, devendo sua recusa ser motivada por uma razão de interesse público.
Por outro lado, a Constituição de 1988 assinala uma série de mecanismos
alternativos de proteção, por via dos quais a ação estatal poderá ser efetiva-
da. Aliás, ver ifica-se uma tendência a restringir-se paulatinamente a aplica-
ção do tombamento, privilegiando-se outros institutos que podem garantir
maior eficácia ao si stema de proteção.
Desta forma, se o juí zo da conveniência e da oportun idade do tomba-
mento é do Poder Público, os proprietários e a coletividade interessados na
preservação não poderão ex igi-lo. Se não há como compelir o Poder Público
a fazê-lo, sob pena de substit uição do juízo da Admin istração pelo do Poder
Judicante, inaf astável é a característica de di scricionariedade do tombamen-
to. Esse raciocínio não invalida, porém, a post ura participativa que a socie-
dade deve ter em relação às políticas públicas no campo da cu ltura. Nem
deve frustr ar as iniciativas no sentido da efetivação d a proteção ao patrimô-
nio cultural por via da Ação Civ il Pública e da Ação Popular, instrumentos
de tutela independentes do tombamento.
Nesse sentido, destaca-se o posicionamento adotado pelo décimo pri-
meiro grupo cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos EI
70054347232,1 em que foi reconhec ido o direito de ação do Ministério Pú blico
para pleitear o reconhecimento de uma edif icação não tombada como patri-
mônio histórico e cu ltural para f im de proteção. Entretanto, apesar de ter aco-
lhido o dir eito de ação, a decisão tomada pelo TJ/RS, tendo como fundamento
o laudo apresentado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do
1 EI 70 054347232. Tribuna l: Tribunal de Justiça do RS. Ó rgão Julgador: Déci mo Pri-
meiro Grupo Cíve l. Relator: Marco Aurélio Hei nz Julgado em 16/08/2013. Publi-
cado no DJ de 07/10/2013.
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