O controle social da força de trabalho de mulheres empobrecidas e racializadas da periferia do capitalismo: um estudo sobre o caso das trabalhadoras domésticas Filipinas em São Paulo
Author | Clarissa Cecília Ferreira Alves |
Pages | 256-394 |
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Nos capítulos anteriores, examinamos o trabalho reprodutivo a partir
da sua qualificação enquanto migrante,a fim derefletir sobre os pro-
cessos de sujeição de sexo, classe e “raça” que estão envolvidos nesta
relação de trabalho intermediada por deslocamentos.
Nos propusemos a pensar no pano de fundo sobre o qual as deman-
das por manutenção material de pessoas e objetos, ampliadas rapida-
mente nas últimas décadas, têm sido supridas dentro da ordem capita-
lista, colonial, racista e patriarcal.
Para tanto, analisamos como essa forma de trabalho é estruturada por
relações sociais de sexo, classe e “raça” de maneira singular e paradigmá-
tica, o que propicia o estabelecimento de condições favoráveis para que a
força de trabalho de mulheres empobrecidas e racializadas de regiões pe-
riféricas do sistema capitalista seja mobilizada em favor da superação das
necessidades de reprodução social requeridas pela expansão do capital.
A mobilização da força de trabalho reprodutivo migrante é demanda-
da mundialmente e se concretiza por meio do deslocamento de mulhe-
res cujas condições materiais precárias de sobrevivência e a sujeição a
relações de colonialidade lhes coloca em uma posição de vulnerabili-
dade na qual a saída de seu país/região de origem torna-se um projeto
de vida a ser aspirado, mesmo que sob condições de risco ao gozo de
direitos e à sua própria existência.
Essa mobilização espontânea, no entanto, se estabelece de forma
desordenada e insuficiente, e não consegue suprir as necessidades
objetivas do capital, especialmente crescentes nas regiões mais de-
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senvolvidas do globo, que enfrentam um rápido envelhecimento da
força de trabalho e a redução do fornecimento de cuidados dentro da
família, em razão da requisição do trabalho feminino na produção de
bens e serviços.
É nesse contexto que se consolida a chamada “crise dos cuidados”,1
situação que se caracteriza pela carência mundial de trabalho reprodu-
tivo, e que requer o que a Organização Internacional do Trabalho vai
chamar de “ação urgente”, por parte dos Estados e da sociedade civil,
para superá-la.
Diante disso, o presente capítulo se propõe a investigar como a or-
dem capitalista, colonial, racista e patriarcal articula instrumentos jurí-
dicos internacionais e nacionais a fim de lidar com essa questão.
Buscaremos entender especialmente como, a partir de programas e
normas jurídicas componentes do que consideramos ser uma política
internacional de combate à crise dos cuidados, entidades supraestatais e
Estados “agem” de modo a organizar a coação da mobilidade de tra-
balhadoras migrantes, primeiro induzindo as mulheres a processos de
migração, e depois reprimindo-as juridicamente aos países de destino
enquanto mão de obra disponível, de modo a estabelecer uma espécie
de controle social sobre sua força de trabalho, que, por fim, resulta em um
processo sistemático de controle social da classe de mulheres como um
todo, enquanto trabalhadoras e enquanto sujeito político.
Buscaremos visualizar parcialmente esse fenômeno por intermédio
das seguinte pesquisas documentais: primeiramente, a partir do estudo
do caso das trabalhadoras domésticas filipinas que laboraram na cidade
de São Paulo, e que, conforme sentença proferida perante a Justiça do
Trabalho brasileira, foram vítimas de “[…] tráfico de pessoas para fins
de exploração de trabalho em condições análogas à de escravo […]”,
2 em que utilizaremos como instrumento documental o respectivo
processo judicial; e, em segundo lugar, a partir da análise documental
de cinco categorias de políticas, promovidas no âmbito da Organização
Internacional do Trabalho, que sugerimos ser parte de uma espécie
de “política internacional de combate à crise de cuidados”, em que
utilizaremos como instrumento documental normas e relatórios pu-
blicados pela entidade.
1OIT, 2018d, p. xvii.
2SÃOPAULO, 2017.
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Ao fim da investigação, buscaremos entender de que maneira a coa-
ção da mobilidade de trabalhadoras da reprodução, organizada pela
política internacional de combate à crise dos cuidados, institui um
processo de controle social sobre a força de trabalho reprodutivo mi-
grante, que, em outros termos, implica no controle social dos corpos
de mulheres empobrecidas e racializadas de regiões periféricas do ca-
pitalismo mundial.
. A ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO DE CASO E
DA PESQUISA DOCUMENTAL
Como mencionado, este capítulo se destina a investigar a tese pro-
posta de que a política internacional empreendida por Organismos
Internacionais e Estados para combater a “crise dos cuidados” estabe-
lece um controle social sobre a força de trabalho de mulheres da periferia
do capitalismo, por meio do reforço que oferece às relações sociais de
sexo, classe e “raça” através da coação da mobilidade da força de tra-
balho reprodutivo migrante.
Nesse contexto, compreendemos que quanto mais o sexo, a classe e
a “raça” forem articulados para determinar os rumos da força de tra-
balho feminina, mais eficaz será o aproveitamento desta mão de obra
para suprir a carência mundial de trabalho reprodutivo e mais sujeitas
ao controle social de seus corpos estarão as mulheres pobres e raciali-
zadas migrantes.
Em outros termos, quanto mais o trabalho estiver sujeito à ordem
capitalista, colonial, racista e patriarcal, mais os problemas de reprodu-
ção social das regiões centrais do capitalismo tendem a ser resolvidos
por mulheres do terceiro mundo.
Diante disso, nesse capítulo nos propomos a observar como a pro-
moção de políticas e normas jurídicas internacionais e nacionais que
visam combater a “crise de cuidados” realizam, na realidade, um movi-
mento de coação da mobilidade de mulheres migrantes, que estabelece
o controle de seus corpos e de sua força de trabalho conforme exijam
as demandas do capital.
Assim, o trabalho reprodutivo é eficientemente extraído da perife-
ria e distribuído para as regiões centrais do globo por intermédio do
aparato jurídico-normativo de Estados e Organizações Internacionais,
formando uma massa de trabalhadoras cuja força de trabalho é mantida
disponível para contratação nesse setor.
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