Conversação eleitoral em democracias monitoradas: uma tipologia para análise de comentários em redes sociais on-line

AutorEmerson Urizzi Cervi - Fernanda Cavassana de Carvalho
CargoProfessor associado do Departamento de Ciência Política; professor permanente do programa de pós-graduação em Ciência Política e do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Possui doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) e estágio pós-doutoral em...
Páginas292-327
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2019v18n41p292/
292292 – 327
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Conversação eleitoral em democracias
monitoradas: uma tipologia para
análise de comentários em redes
sociais on-line
Emerson Urizzi Cervi (UFPR)1
Fernanda Cavassana de Carvalho (UEPG/UFPR)2
Resumo
O artigo discorre sobre como a abundância comunicativa potencializada pelos espaços on-line
afeta a organização das conversações democráticas contemporâneas. Discute-se como os mo-
nitores sociais geram uxos de comunicação próprios, especialmente nas redes sociais on-line,
direcionados a instituições e atores políticos. Analisa-se o comportamento do debate on-line sobre
as eleições de 2014 no Brasil a partir de 610 mil comentários feitos às fanpages no Facebook da
Folha de S. Paulo, do Estadão e de O Globo. A pergunta de pesquisa respondida é: os comenta-
dores dos três jornais apresentam comportamentos similares ou distintos? Além disso, propõe-se
1 Professor associado do Departamento de Ciência Política; professor permanente do programa de pós-gra-
duação em Ciência Política e do programa de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Possui doutorado em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (Iuperj) e estágio pós-doutoral em partidos e eleições na Faculdade Latino-americana de Ciências So-
ciais – Espanha (Flacso-es)/Universidad Salamanca. Coordena o grupo de pesquisa em Comunicação Política
e Opinião Pública (CPOP), com pesquisas e publicações nas áreas de debate e opinião pública, eleições, parti-
dos, comunicação eleitoral, financiamento de campanhas e metodologia de pesquisa. Endereço: Universidade
Federal do Paraná, Departamento de Ciência Política. Rua General Carneiro, 460, Ed. Dom Pedro I, 9º andar,
sala 908. Centro. CEP: 80060-150, Curitiba, PR – Brasil. E-mail: ecervi7@gmail.com
2 Professora colaboradora do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).
Doutoranda em Ciência Política e mestra em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde
é membro do grupo de pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública (CPOP). Atua em pesquisas
sobre internet e política; conversações digitais; redes sociais on-line; jornalismo político; mídia e eleições.
Endereço: Departamento de Jornalismo - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Campus Central. Praça
Santos Andrade, n. 01 – Centro. CEP 84010-790. Ponta Grossa - PR. E-mail: cavasanaf@gmail.com
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 18 - Nº 41 - Jan./Abr. de 2019
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uma tipologia para classicar os comentários. Entre os resultados obtidos, tem-se que o volume de
ruído no debate eleitoral digital é superior aos comentários temáticos.
Palavras-chave: Democracia monitorada. Conversação digital. Eleições 2014. Ruído. Monitores.
Introdução
Este artigo3 discute como a abundância comunicativa potencializada
pelos espaços on-line afeta a organização do debate público contemporâ-
neo, especialmente pela atuação de monitores sociais independentes4. Ten-
do como principal aporte o conceito de democracia monitorada5 de John
Keane (2010), apresentamos uma discussão teórica que abrange questões
acerca do debate público, os seus principais agentes e os uxos de comu-
nicação entre eles. Empiricamente, são descritos comportamentos das
conversações on-line, sobre as eleições de 2014 no Brasil6, que indicam o
tipo de participação que monitores acabam apresentando, atualmente, nos
ambientes digitais. Essa participação, em excesso, também gera ruídos no
debate construído nesses ambientes.
Consideramos que as novas tecnologias não só permitiram o maior
acesso a informações e a discussões sobre temas públicos mas também -
zeram da internet uma ampliação enviesada da esfera pública moderna
enquanto espaço de ressonância da demanda social aos seus representantes
(SCHÄFER, 2015). As redes digitais se apresentam como ferramentas pro-
pícias às novas formas de representação, assinaladas como mais próximas e
interativas, diretas e permanentes (COLEMAN, 2005). Contudo, as novas
características da comunicação política no ciberespaço podem levar a resul-
tados inesperados. Primeiramente, porque os atuais uxos de comunicação
e expressão de opinião on-line não necessariamente conduzem o debate
público a um consenso (GROSSI, 2011), o que se espera normativamente.
3 Uma versão preliminar foi apresentada no 41º Encontro Anual da Anpocs, em 2017.
4 Como definido adiante, são considerados monitores sociais aqueles atores que pertencem à sociedade e se
manifestam de maneira isolada, sem vínculos com organizações tradicionais de representação ou com os
meios de comunicação. A participação deles tem o objetivo principal de fiscalizar o conteúdo ou a qualidade
de alguma instituição ou tema que integra o debate público.
5 Optamos por uma tradução livre de “monitory democracy”.
6 Com dados da pesquisa “Opinião Pública e debate político na web”, desenvolvida no âmbito do grupo CPOP
(www.cpop.ufpr.br).
Conversação eleitoral em democracias monitoradas: uma tipologia para análise de comentários em redes
sociais on-line | Emerson Urizzi Cervi (UFPR); Fernanda Cavassana de Carvalho (UEPG/UFPR)
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Em segundo lugar, a intensidade e o volume de informação política em
rede podem contribuir para o desgaste das relações representativas.
Essa era de excessos comunicativos evidencia despontamentos, contra-
dições e instabilidade política reetidos no debate público (KEANE, 2010).
Os excessos não são apenas em termos quantitativos, mas também no tipo de
participação, quando não relacionada diretamente aos assunto que pautam
as conversações. Ademais, isso potencializa uma crise de representatividade –
evidenciada nas sociedades desenvolvidas e compreendida como um poten-
cial perigo às democracias (HELD, 1996) – que não se restringe às institui-
ções e aos atores políticos. Instituições sociais relevantes ao fortalecimento de
democracias representativas, como a mídia (SCHUDSON, 2008), também
passam a ser questionadas pela própria sociedade.
Essa discussão considera que a participação dos monitores sociais
tem potencial para dicultar o andamento das conversações, seja pela in-
dependência na forma e conteúdo da participação, seja no volume extra
de inputs para o debate público. Assim, a presença de monitores sociais
no debate público cria uma tensão no modelo tradicional e inclui um vo-
lume de conteúdos que são chamados de “ruídos”, pois não se aplicam à
discussão institucional, mas às críticas diretas às organizações sociais, mí-
dia ou instituições estatais. Este “ruído” é o que pretendemos denir em-
piricamente e analisar aqui. Toda atividade monitoral é um ruído para o
tema em debate, pois não aborda o assunto propriamente dito, dirige-se
à instituição que intermedeia as discussões. No entanto, nem todo ruído
é do tipo monitor, pois ele pode ser totalmente desprovido de conteúdo
em relação ao tema e em relação às instituições. No caso em discussão
aqui, os monitores geram ruído ao debate eleitoral quando integram as
conversações em Facebook para monitorar a postura dos jornais. Além
disso, há uma profusão de comentários que são considerados apenas ruí-
do por não tratarem do tema e não monitorarem o comportamento dos
jornais analisados aqui.
Nosso objetivo geral neste artigo é caracterizar o comportamento dos
monitores independentes via comentários em páginas que alimentaram
o debate eleitoral por meio das RSO nas últimas eleições presidenciais.
Especicamente, propomos: i) apresentar uma tipologia que classique
os comentários a partir do comportamento do público na conversação

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