Cooperação e conflito na relação movimentos sociais e Estado

AutorEuzeneia Carlos
CargoDoutora em Ciência Política (USP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo
Páginas321-350
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2017v16n35p321
321321 – 350
Cooperação e Conf‌lito na Relação
Movimentos Sociais e Estado
Euzeneia Carlos1
Resumo
O artigo analisa a reconf‌iguração das relações entre movimentos sociais e Estado no contexto
brasileiro pós anos noventa, e os efeitos institucionais na ação coletiva. As interações socioes-
tatais são examinadas através do método comparativo, aplicado a quatro organizações de mo-
vimentos sociais da região metropolitana do Espírito Santo, ao longo de três décadas (1980 a
2010), mediante instrumentos metodológicos qualitativos e quantitativos. São eles: Federação
das Associações de Moradores da Serra (Fams), Conselho Popular de Vitória (CPV), Centro de
Defesa de Direitos Humanos da Serra (CDDH) e Associação Capixaba de Proteção ao Meio Am-
biente (Acapema). Contrariando visões dicotômicas da relação sociedade civil e Estado, o estudo
identif‌ica uma heterogeneidade de inter-relações em termos de cooperação, conf‌lito e autonomia.
A análise estabelece correlações entre os padrões de interação socioestatal e os efeitos institucio-
nais, seja do engajamento em instituições participativas seja das conexões com instituições na
gênese do movimento.
Palavras-chave: Movimentos sociais. Instituições participativas. Institucionalização. Interações
socioestatais.
Introdução2
Este artigo analisa a reconguração das relações entre movimentos so-
ciais e Estado – interações socioestatais –, com base na comparação entre
quatro movimentos sociais no Espírito Santo. Argumenta-se que, no con-
texto pós-transição e de multiplicação das instituições participativas, certos
movimentos sociais se engajam institucionalmente em agências do Estado em
atividades de elaboração e implementação de políticas públicas; e que essa
incorporação pode se diferenciar qualitativamente da trajetória tradicional de
1 Doutora em Ciência Política (USP). Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Uni-
versidade Federal do Espírito Santo (UFES). Pesquisadora do Núcleo Participação e Democracia (NUPAD)
da UFES e do Núcleo Democracia e Ação Coletiva (NDAC) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento
(CEBRAP). E-mail: euzeneiacarlos@gmail.com.
2 Versão preliminar deste ar tigo foi apresentada no 38º Encontro Anual da Anpocs, realizado de 27 a 31 de
outubro de 2014 na cidade de Caxambu, Minas Gerais. Agradeço pelos comentários a Marisa von Bülow e ao
parecerista anônimo de Política & Sociedade.
Cooperação e Conf‌lito na Relação Movimentos Sociais e Estado | Euzeneia Carlos
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institucionalização de movimentos sociais caracterizada pela cooptação e pela
eliminação do conito.
O engajamento de movimentos sociais na política institucional, deno-
minado “engajamento institucional”, consiste na sua inserção nas Instituições
Participativas (IPs), contexto no qual as relações entre sociedade civil e Estado
não compreendem um evento pontual e episódico, mas um processo relativa-
mente estável que dene as políticas públicas nos dias atuais (CARLOS, 2012,
2015b). As IPs constituem “formas diferenciadas de incorporação de cidadãos
e associações da sociedade civil na deliberação sobre políticas” (AVRITZER,
2008, p. 45), mediante os quais cidadãos interferem nas decisões, implemen-
tação e acompanhamento de políticas públicas (PIRES; VAZ, 2010).
Este artigo analisa os efeitos do engajamento institucional de movimentos
sociais em IPs, como principal hipótese explicativa das mudanças nos padrões
de interação socioestatal. Especicamente, considera os múltiplos formatos
das instituições participativas como variável independente – conselhos ges-
tores, orçamentos participativos, conferências setoriais, comissões e comitês
temáticos, além de convênios e programas governamentais de gestão e imple-
mentação de políticas públicas.3 Esse procedimento metodológico decorre da
pressuposição de que a institucionalização dos canais de mediação da relação
sociedade-Estado gera implicações sobre a ação coletiva, seja em termos de
constrangimentos seja de oportunidades.
Em acréscimo, os efeitos institucionais sobre os padrões de interação so-
cioestatal são examinados a partir de uma segunda hipótese. Nesse caso, avalia
a correlação entre os padrões de interação e a gênese relacional dos movimen-
tos, em termos de conexões com instituições partidárias e religiosas na funda-
ção do ator. Anal, a rede de relações pregressa do movimento pode afetar o
seu padrão de interação com o Estado no contexto democrático.
Neste artigo, o exame das interações socioestatais se estrutura a partir
da crítica a uma visão dicotômica da relação sociedade civil e Estado e busca
3 Vale ressaltar que, neste estudo, as IPs incluem além dos arranjos participativos comumente associados, como
orçamento participativo, conselhos gestores e conferências setoriais, também os convênios e programas gover-
namentais geridos por organizações da sociedade civil, pelo seu caráter societário. Desse modo, o fenômeno
do engajamento institucional se refere à atuação de movimentos sociais – seja nos formatos de IPs, seja nos
convênios e programas governamentais.

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