A corrupção e o desenvolvimento político e ecônomico

AutorLeonardo Bellini de Castro
Ocupação do AutorPromotor de Justiça, Ministério Público de São Paulo Especialista em Direito Constitucional, PUC-SP
Páginas21-47
Lei Anticorrupção: Impactos sistêmicos e transversais 21
Capítulo 1
A CORRUPÇÃO E O DESENVOLVIMENTO POLÍTICO E ECÔNOMICO
1
1.1 O fantasma histórico da corrupção no Brasil
É lugar-comum entre os historiadores a assertiva de que a corrupção,
que nos assola visceralmente, deita raízes na própria colonização do Estado
Brasileiro, não feita com vistas à construção de uma Nação, mas direcionada
ao escopo de extração de riquezas materiais, notadamente o ouro, para
remessa a Portugal.
Aponta-se, assim, que enquanto o inglês fundou na América uma
pátria, o português aqui estabeleceu um prolongamento do Estado cen-
tralizador, dotado de um estamento orientado a consolidar a supremacia
real em todos os negócios, nobreza essa orientada pela busca pura e
simples de riquezas e glórias.1
Registros históricos de cartas do padre jesuíta Manoel da Nóbrega
endereçadas ao Rei D. João III retratam que, no início do processo de
colonização, os servidores do rei apenas se preocupavam em retornar
a Portugal com muitos navios carregados de ouro, não trabalhando para
favorecer a terra, mas antes dela se aproveitar de qualquer maneira, de
modo que o que português vinha buscar, então, era a riqueza que custa
ousadia, não a que custa trabalho.2 3 Para tanto, o império colonial ainda
1 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro,
3ª ed. ver. São Paulo: Globo, 2001.
2 SOUZA, Alan Lacerda. A formação do Estado patrimonialista português e a gênese
da corrupção no Brasil. Revista da CGU, Edição Especial, Direito Disciplinar, Ano VI,
Julho, 2011.
3 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil, 27ª ed, São Paulo: Companhia das Letras,
2014, p.49.
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se valeu do inescrupuloso expediente da escravidão, utilizando-se da força
bruta de negros e índios, então incumbidos da tarefa.4
Estabeleceu-se, desse modo, a partir do descobrimento, uma re-
lação de dependência que iria durar mais de trezentos anos, na qual o
Brasil se via em posição meramente instrumental destinada ao abasteci-
mento de fundos para a monarquia portuguesa, sua aristocracia e para os
seus projetos expansionistas.5
O português colonizador se apresenta desde o início retratado, as-
sim, como alguém com o caráter forjado pela corrupção e decadência e
que explorou a economia colonial, essencialmente, com base na extração
da riqueza, da rapina, do saque6.
Ainda que a moldura teórica da corrupção do Brasil imperial, imbri-
cada com uma monarquia absolutista, dira substancialmente das noções
próprias de corrupção no âmbito da burocracia do Estado liberal, as suas
balizas fundamentais básicas, essencialmente vinculadas com a perversão
de um regime político desconectado do bem comum e orientado a servir
a interesses particularistas podem servir como marco histórico e cultural
que de algum modo explicam nossas raízes.7
Noutra perspectiva, em que pese àquela época serem formalmente
previstas determinadas condutas ilícitas que maculavam o erário real as
quais hodiernamente estariam associadas ao conceito de corrupção, tais
noções se espraiavam por dilatados espaços de tolerância, o que con-
duziu à generalização sistêmica de tais práticas desde a administração
colonial.8
O fato é que a burocracia administrativa existente em Portugal
quando da colonização do Brasil, já excessivamente ineciente e corrup-
ta, acabou por se reproduzir no Brasil com a instalação do novo Governo
4 PRADO JR., Caio, Formação do Brasil contemporâneo, 1ª ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2011, p.290.
5 FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil: estudos de caso e lições
para o futuro, 1.ed.1.reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2015.
6 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & senzala: formação da família brasileira sob o
regime patriarcal. 51ª ed. São Paulo: Global, 2006, p.266.
7 ROMEIRO, Adriana. Corrupção e poder no Brasil: uma história, séculos XVI a XVII,
1.ed. Belo horizonte: Autêntica Editora, 2017, p.19/33.
8 ROMEIRO, Adriana, Op.cit. p.58/59.
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