Da prescrição do crédito fazendário na falência do contribuinte

AutorVinícius Jose Marques Gontijo
Páginas146-151

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1. Introdução

Quando o assunto é a cobrança judicial do crédito fazendário em caso de falência do contribuinte, enormes são as discussões de ordem teórica e prática, em sua maioria descabidas e resultado de reflexão pouco aprofundada sobre o tema. Pior: a perplexidade toma contornos verdadeiramente incríveis e redunda em uma confusão quase-completa, com procedimentos muitas vezes esdrúxulos e divorciados dos preceitos legais.

Neste nosso articulado pretendemos delinear e esclarecer os efeitos da falência na prescrição da cobrança judicial do crédito fazendário, em especial quanto à sua consumação.

2. A suspensão da prescrição na falência

Com a declaração da falência surge uma "relação jurídica processual falencial"1 entre os credores (que devem habilitar seus créditos) e o devedor falido. Trata-se da in-divisibilidade do juízo falimentar e da vis atractiva do processo de bancarrota, que determina que todos os credores, civis e empresariais, devem vir habilitar seu crédito na falência do devedor comum, concorrendo no produto de sua garantia: o patrimônio do falido - art. 76 da Lei 11.101, de 9.2.2005 (Lei de Falências/LF).

De fato, a sentença de falência inaugura procedimento semelhante ao da abertura pelos credores de execução coletiva, que perdura até "o encerramento da falência, quando, desaparecendo o impedimento legal, cada credor reassume a sua ação individual ou singular contra o falido".2

Diante disso, a declaração da falência acarreta diversos efeitos nas relações jurídicas do devedor com o credor, e que influirão na própria exigibilidade do objeto delas.

Para o objeto deste articulado, dentre os efeitos da falência merecem destaque a suspensão da prescrição3 e das ações e

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execuções havidas em face do falido, sendo que ambos os efeitos vêm fixados no caput do art. 6o da LF.4

A técnica empregada por nosso legislador de prescrever os dois efeitos em um mesmo dispositivo legal merece aplausos, uma vez que a suspensão da prescrição é a conseqüência lógica da suspensão das ações propostas contra o devedor.

As ações propostas antes da falência ficam suspensas, aquelas propostas contra o falido após a sentença de quebra devem ser extintas sem exame do mérito, na medida em que a ação deve ser volvida contra a massa falida, que não se confunde com a falida; obviamente, isso não significa que a falida não possa intervir nos processos em que a massa falida seja parte (ou, mesmo, atuar como parte autora em processo). Nesse sentido é a doutrina de J. X. Carvalho de Mendonça:

"Um dos elementos existenciais das prescrições é a negligência contínua do credor.

"Durante a falência, o credor fica impossibilitado de propor qualquer ato judicial e de acionar o falido ou os representantes da massa."5

Em suma, durante o processo de falência fica suspenso o prazo prescricional, na medida em que o credor não pode demandar a falida, mas apenas a massa falida.

Trata-se do princípio da actio nata, segundo o qual o prazo prescricional somente tramita com a possibilidade do exercício do direito de ação; não haveria mesmo sentido em haver o transcurso da prescrição se o credor está proibido de, in-dividualmente, acionar o falido, e mesmo as ações já propostas, não estando expressamente excepcionadas em lei, ficam suspensas até o encerramento do processo de falência.

Sobre o princípio da actio nata, colha-se na doutrina o esclarecimento: "Critério da actio nata - Desponta nesses dois preceitos do Código Civil (pendência de condição suspensiva e não-vencimento do prazo) o relevante critério da actio nata, prevalecente no Direito Brasileiro. É que a prescrição somente inicia seu curso no instante em que nasce a ação, em sentido material, para o titular do direito. Isto é, antes de poder ele exigir do devedor seu direito, não há como falar-se em início do lapso prescricional"6

No mesmo sentido, e na vigência da antiga Lei de Falências, mas ainda em tudo compatível com a atual,7 Rubens Requião pontificava, verbis: "A falência é um fenômeno jurídico que vem, de certa forma, perturbar o decurso da prescrição. Não nos esqueçamos de que o credor não poderá acionar o devedor, pois todas as ações contra este ficam suspensas por imposição da Lei Falimentar. Assim, justifica-se o princípio legal de que durante o processo da falência fica suspenso o curso da prescrição relativa a obrigações de responsabilidade do falido (art. 47)."8

Conseqüentemente, encerrado o processo falimentar, não havendo mais o im-

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pedimento de o credor acionar o próprio falido, seja ele uma pessoa jurídica (que não se confunde com seus sócios) ou natural (empresário individual), e não estando satisfeito seu crédito no concurso, ele poderá individualmente demandar o falido, e, por isso, a prescrição retoma o seu curso normal (art. 157daLF).9

Portanto, a suspensão da prescrição está intimamente ligada à possibilidade, ou não, de se promover a paralisação da ação judicial de cobrança do crédito em relação ao falido (ou mesmo à proibição da propo-situra da ação).

Por analogia, e de maneira semelhante, os prazos prescricionais previstos na Lei 11.101/2005 são relativos...

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