Criação ou extinção de direito com o termo de quitação anual de débitos trabalhistas: um olhar com dignidade a partir dos Princípios do Acesso à Justiça e da Proteção

AutorRaimundo Simão de Melo/Cláudio Jannotti da Rocha
Páginas506-510

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1. Introdução

A efetivação dos direitos, especialmente insertos no instrumento constitucional, impõe o acesso à justiça como primordial para o seu alcance, assim como para a possibilidade de exigência dos mesmos. Direitos fundamentais, os direitos trabalhistas conjugam a disparidade de forças num contrato e a incessante luta do não retrocesso social para que a dignidade humana do trabalhador sobressaia aos interesses do capital.

Nesse panorama, a contrassenso, a Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, publicada no Diário Oficial da União na data de 14 de julho de 2017, oferece alternativas que partem do pressuposto de igualdade das partes no plano material, possibilitando a combinação de vontades diretamente entre as figuras do empregado e empregador, sem atentar para a necessidade de proteção do trabalhador no trâmite contratual.

O art. 507-B, trazido pela supramencionada lei para alteração da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), permite que seja firmado entre empregado e empregador um termo de quitação anual, com eficácia liberatória geral das parcelas nele especificadas, perante o sindicato da categoria.

Entretanto, deve ser ressaltado os limites de um termo de quitação dessa natureza, haja vista que impera na seara trabalhista o princípio da proteção e também o princípio do acesso à justiça. Debate-se, ainda, a necessidade de um documento com tal teor, se restrito a parcelas que foram devidamente pagas, e, para tanto, o empregador já deveria ter outras comprovações, tais como recibos e holerites, tornando inócuo um artigo que possibilite firmar um termo com eficácia liberatória geral, se restrito às parcelas ali constantes e devidamente pagas.

2. Termo de quitação anual: (inov)ação da reforma trabalhista

As mudanças trazidas pela Lei n. 13.467, que alteram a CLT, ficaram conhecidas como reforma trabalhista dada a mudança estrutural e principiológica que foram imbuídas em seus artigos. Partiu-se de uma ordem inversa da qual o Direito do Trabalho foi erguido, que reconhecia a disparidade de forças entre as partes envolvidas, empregado e empregador, com o princípio da proteção como eixo central, para conferir dignidade ao trabalhador, que, dada sua condição de dependência de salário para sobrevivência, bem como sua subordinação jurídica no decorrer do contrato de trabalho, não consegue apresentar discussões ou debates durante o vínculo.

A igualdade foi sustentada nas alterações, com alternativas que colocam o empregado em negociação direta com o empregador, além da possibilidade de banco de horas sem participação do ente sindical, não incidência de encargos trabalhistas em importâncias pagas além do valor da remuneração contratada, contratação para trabalho intermitente, fracionamento de férias, entre outros. O tratamento igualitário, que pode ser vislumbrado como desbalanceado nos contratos trabalhistas, especialmente se considerada a necessidade de uma igualdade material e não meramente formal, foi transmitido às letras dos artigos, levando até à consideração da não obrigatoriedade de acompanhamento dos sindicatos em momentos de rescisão contratual, ou seja, o fim da obrigatoriedade da homologação de rescisões pelo sindicato da categoria ou pelo Ministério do Trabalho pressupõe o conhecimento dos direitos e a noção de cálculos por todos os empregados, pois deixa de ser exigida assistência de um especialista na conferência do montante das verbas devidas no rompimento contratual.

A lei, em alguns momentos, trouxe ainda a exigência de acompanhamento do ente sindical para a validade de documentos, como no termo de quitação anual das obrigações trabalhistas, e também assegurou a negociação coletiva para alguns direitos, como redução de intervalo intrajornada para, pelo menos, 30 minutos para jornadas acima de 6 horas.

Ressalta-se que, apesar da obrigatoriedade de participação do sindicato, não significa que torna compatível com os princípios e com os direitos assegurados constitucionalmente.

Uma das inovações trazidas pela reforma, sem precedentes em leis anteriores, é o termo de quitação anual das obrigações trabalhistas, que pode ser firmado, obrigatoriamente perante o sindicato, entre empregado e empregador, tal como expresso na Lei n. 13.467, que acrescentara o art. 507-B da CLT:

Art. 507-B. É facultado a empregados e empregadores, na vigência ou não do contrato de emprego, firmar o termo de quitação anual

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de obrigações trabalhistas, perante o sindicato dos empregados da categoria.

Parágrafo único. O termo discriminará as obrigações de dar e fazer cumpridas mensalmente e dele constará a quitação anual dada pelo empregado, com eficácia liberatória das parcelas nele especificadas.2.

Essa permissibilidade não pode ser interpretada sem a devida conjugação com os princípios constitucionais e trabalhistas. Apesar da exigência da participação do ente sindical na celebração do termo, não se pode permitir qualquer meio que tenha o intuito de fraudar, impedir ou desvirtuar a aplicação da lei trabalhista.

Segundo o texto do artigo, o termo deve discriminar as obrigações de dar e fazer que tiverem sido devidamente remuneradas, mensalmente, para que o empregado assine, ou seja, a partir dessa redação questiona-se a necessidade da feitura de um documento com esse teor, haja vista que, se tudo foi devidamente pago, a contento, e mensalmente, o próprio holerite ou recibo de pagamento já pode inclusive ter sido assinado pelo empregado, além de outros documentos que podem comprovar a adimplência dessa obrigação.

A necessidade de positivar e permitir um termo que tenha essa função faz com que exsurja o debate sobre a função e intuito de feitura desse documento, já que o pagamento já estaria comprovado em outros meios.

Para tanto, deve ser ressaltado que nesse documento de quitação anual somente serão colocadas as verbas que o empregador entender que sejam devidas, ficando restrita a interpretação de que foi pago especificamente o ali discriminado, sem eficácia liberatória geral para qualquer outra verba que não conste expressamente no termo de quitação anual. E, mesmo assim, numa perspectiva de interpretação diante dos princípios trabalhistas...

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