O crime fiscal como atividade delitiva prévia à lavagem de capitais: revisitando postulados penais elementares de incriminação

AutorRodrigo Sánchez Rios e Allian Djeyce Rodrigues Machado
Ocupação do AutorDoutor em Direito Penal e Criminologia pela Universidade La Sapienza. Professor de Direito Penal da Graduação e Pós-Graduação da PUC/PR. Advogado Criminalista/Mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/ PR. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Advogada Criminalista
Páginas977-1012
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O CRIME FISCAL COMO ATIVIDADE
DELITIVA PRÉVIA À LAVAGEM DE CAPITAIS:
REVISITANDO POSTULADOS PENAIS
ELEMENTARES DE INCRIMINAÇÃO
Rodrigo Sánchez Rios
Doutor em Direito Penal e Criminologia pela Universidade La
Sapienza. Professor de Direito Penal da Graduação e Pós-Gradu-
ação da PUC/PR. Advogado Criminalista.
Allian Djeyce Rodrigues Machado
Mestranda em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUC/
PR. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica
do Paraná. Advogada Criminalista.
Resumo: A tendência internacional de endurecimento das políticas de
enfrentamento aos delitos econômicos e, dentre eles, principalmente
os crimes fiscais e de branqueamento de capitais, exige uma atenta re-
flexão quanto à internalização desta opção normativa ao ordenamen-
to pátrio. A abertura do rol dos delitos antecedentes à lavagem, por
meio da Lei 12.683/2012, foi um reflexo destas Recomendações Inter-
nacionais. Diante desta nova redação, um ponto antes sedimentado
pela exposição de motivos da Lei 9.613/98, em seu ponto 34, voltou à
ordem do dia: a possibilidade de delitos fiscais figurarem como antece-
dentes à lavagem de dinheiro. Este será, pois, o problema a nortear a
exposição que segue. Para tanto, partir-se-á da verificação do conteúdo
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ENSAIOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR JOSÉ ROBERTO VIEIRA
normativo das Leis 9.613/98 e 8.137/90, avaliando-se o teor legal tal qual
hodiernamente se apresenta, tudo, com vistas a compreender o sentido
literal possível, afastando eventuais equívocos de uma aplicação exten-
siva por analogia dos verbos elementares do tipo de injusto.
Palavras-Chave: Crime Fiscal – Lavagem de Dinheiro – delito antece-
dente – Concurso aparente de normas.
Sumário: 1. Considerações prévias – O Direito como sistema normativo
e as intersecções entre a ciência penal e o direito tributário – 2. Pre-
missas – o contexto político-criminal – 3. Objeções dogmáticas: pode
o delito fiscal ser antecedente do crime de lavagem?: 3.1 Subsunção
típica: o produto do crime fiscal como objeto material da lavagem; 3.2
Outras inquietações: a tipificação da sonegação e a dependência da via
administrativa – 4. Considerações finais – Referências.
1. Considerações prévias – O Direito como sistema
normativo e as intersecções entre a ciência penal e o
direito tributário
O Professor José Roberto Vieira, em sua notável produ-
ção científica, sempre se manteve coerente a um estilo sério
de estudo, aprofundado e interdisciplinar, construído ao lon-
go de uma vida dedicada à docência e à pesquisa. Dentre seus
escritos, um em especial chama à atenção por albergar a in-
terdisciplinaridade, que também nos orienta neste ensaio: a
análise da noção de Sistema no Direito.1 Neste, em particular,
percorrendo diversas reflexões que transitavam desde a teo-
ria da norma à filosofia do Direito, o Professor José Roberto
Vieira, esmiuçando as muitas concepções deste objeto de es-
tudo, prontificou-se a compreender o real significado e as im-
plicações práticas decorrentes da confusão conceitual entre
sistema normativo e ordenamento jurídico.2
1.
VIEIRA, José Roberto. A Noção de Sistema no Direito. Revista da Facul-
dade de Direito. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 33, n. 33, p.
53-64, 2000.
2.
Em seu livro “Teoria do Ordenamento Jurídico”, BOBBIO, já nos alertara
a respeito da diversidade de significados compreendida na terminologia sis-
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ENSAIOS EM HOMENAGEM AO PROFESSOR JOSÉ ROBERTO VIEIRA
Pontuando as semelhanças e peculiaridades próprias à ci-
ência jurídica, como um todo, e ao Direito posto, José Roberto
Vieira definiu sistema jurídico como “um conjunto de elemen-
tos (repertório) que se relacionam (estrutura), compondo um todo
coerente e unitário (ordenação e unidade)”
3
e, valendo-se das
lições de BOBBIO, quando expõe as peculiaridades de cada um
dos elementos fundamentais desta ampla noção – o “sistema
normativo” – o jurista homenageado dá destaque à caracterís-
tica da unidade, a qual somente é conferida pela Constituição
na condição de “fundamento de todas as regras que se distri-
buem pelos degraus inferiores da hierarquia normativa”,
4
fazen-
do, com isso, clara alusão ao sistema escalonado kelseniano.
5
Quando BOBBIO, à luz das conclusões de Kelsen, disserta so-
bre a organização do ordenamento jurídico como um sistema,
ele o faz também salientando a formalidade deste conceito, e o
mesmo ocorre nas considerações tecidas a respeito desta temá-
tica pelo Professor José Roberto Vieira, quando, ao final de sua
exposição acerca da compreensão dos sistemas no Direito, dá
destaque ao valor dos princípios como expressão dos valores
resultado da aglutinação das normas que compõe sua estru-
tura. Uma compreensão sistemática do ordenamento jurídico,
no entanto, já não está mais limitada à formalidade na intera-
ção das normas,
6
senão calcada em seu reconhecimento como
temas e, portanto, a necessidade de esclarecer qual destes significados seria
o mais adequado quando falamos de sistema normativo como sinônimo de
ordenamento jurídico. Vide: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento ju-
rídico. Ap. Tercio Sampaio Ferraz Junior. Trad. Maria Celeste Cordeiro Lei-
te dos Santos. 6ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1995.
3.
VIEIRA, José Roberto. 2000. Op. Cit., p. 55.
4.
Ibid., p. 62.
5.
BOBBIO, Norberto. 1995, Op. Cit., p. 74. Bobbio, assim, acompanha a ideia
fundamental de Hans Kelsen de um sistema escalonado fechado de validade
das normas jurídicas. Cf. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João
Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006, pp. 215 e ss.
6. Kelsen compreende o ordenamento jurídico como um sistema dinâmico, regido
pela lógica deôntica e marcado pela compatibilidade formal entre suas partes, sim-
plesmente: “uma norma jurídica não vale porque tem um determinado conteúdo, quer
dizer, porque o seu conteúdo pode ser deduzido pela via de um raciocínio lógico ou de

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