CRIMES CONTRA LGBTS NO BRASIL E O DISCURSO DO ESTADO PELOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA E JURÍDICOS

AutorValdenízia Bento Peixoto
Páginas225-248
225
GÊNERO | Niterói | v. 20 | n. 2 | p. 225-248 | 1. sem 2020
225
CRIMES CONTRA LGBTS NO BRASIL E O DISCURSO DO ESTADO
PELOS ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA E JURÍDICOS
Valdenízia Bento Peixoto1
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar quatro assassinatos que
envolvem motivação LGBTfóbica com base na intepretação das instituições
jurídicas e de segurança pública do Estado brasileiro. As instituições jurídicas
contemporâneas, expressão de um Estado democrático, conseguem
resguardar, em certa medida, os corpos LGBTs e punir quem os golpeia.
Entretanto, tais instituições não são capazes de perceber a violência contra
LGBTs como uma construção cultural e histórica na sociedade. Mesmo que
haja alguns avanços jurídicos, é fundamental um investimento político, social e
cultural contra a discriminação e em favor da diversidade sexual.
Palavras-chave: Violência; abjeção; sexualidades.
Abstract: This article analyzes four murders involving LGBTphobic motivation
based on the interpretation of public security and legal institutions in Brazilian
government. Contemporary legal institutions, represented by the democratic
state, are able to protect the LGBT individuals to a certain extent, and to
punish those who target them. However, legal institutions cannot identify
violence towards LGBT people that functions as a cultural and historical
construction in society. Even when some improvements are present in the
law, it is of paramount importance to invest in political, social and cultural
measures against discrimination and in favor of sexual diversity.
Keywords: Violence; abjection; sexualities.
Introdução
Este artigo tem o propósito de analisar criticamente o fenômeno da
violência contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT)
no Brasil a partir da relação de abjeção que o(a) agressor(a) estabelece
com os corpos e comportamentos das vítimas. Além disso, intento pro-
blematizar como as instituições jurídicas e de segurança pública do Estado
1 Doutora em Sociologia, Universidade de Brasília, Brasil. E-mail: val.peixoto@gmail.com. Orcid:
0000-0002-6983-6549
226 GÊNERO | Niterói | v. 20 | n. 2 | p. 225-248 | 1. sem 2020
brasileiro respondem a esse tipo de violência. Para tanto, parto da inves-
tigação de processos criminais de quatro assassinatos ocorridos no Brasil,
sendo estes de duas travestis, Dalva e Camila; de um garoto de oito anos,
Alex Medeiros de Moraes; e do bailarino Igor Xavier. Essas análises foram
objeto de minha pesquisa de doutorado, apresentada em março de 2018
ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília
(PEIXOTO, 2018).
Tive acesso aos autos processuais na íntegra nas varas criminais em que
os crimes ocorreram, nos estados de Goiás, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Os assassinos e condenados foram: Alex Brito Alves da Cruz, Ismael Araújo
Dias, Lucas Ronan Correia de Brito e Carlinda de Araújo Santana (assas-
sinos de Dalva e Camila); Alex André Moraes Soeiro (pai e assassino do
pequeno Alex); e Ricardo Athayde (assassino de Igor). Narro suas vidas
e mortes a partir do que foi coletado nos processos e em algumas poucas
reportagens de jornais eletrônicos que noticiaram os crimes na época.
Para a escolha desses casos, elaborei critérios metodológicos para me
orientar e, assim, elenquei as seguintes características necessárias para sua
seleção: (1) crimes de grande repercussão na mídia impressa e eletrônica;
(2) crimes de grande comoção na sociedade regional e nacional; (3) crimes
com excesso de crueldade; (4) crimes com julgamento, sentença e conde-
nação; (5) processos criminais com viabilidade de acesso nas instituições
jurídicas, tanto operacional quanto de localização geográfica; (6) crimes
que não corressem em segredo de justiça; e (7) crimes reconhecidos pela
sociedade civil (especialmente movimentos sociais) como de conotação
LGBTfóbica.
O assassinato, a hostilização, o menosprezo e a exclusão de LGBTs é
algo real e patente na sociedade brasileira, mas também em toda a América
Latina. Embora alguns países, como Uruguai e Argentina, bem como o
Brasil, possuam legislações e políticas avançadas em termos de direitos
LGBT, ainda é o Brasil o país que mais assassina essa população em todo o
continente. Além disso, o apogeu conservador que se instalou nos gover-
nos deste país contribuíram para o acirramento da violência, assim como
para a extinção e diminuição das poucas políticas existentes para tal grupo.
O atual governo brasileiro, eleito em 2018, possui um projeto de total vili-
pêndio contra vidas da população LGBT. É por essas razões que abordarei
com exclusividade os casos brasileiros, mas sem perder a perspectiva con-
juntural da política de direitos humanos latino-americana.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT