Crimes Previdenciários

AutorWladimir Novaes Martinez
Ocupação do AutorAdvogado especialista em Direito Previdenciário
Páginas209-222

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271. introdução do tema - Tentando melhorar a arrecadação e realizar por inteiro a receita do INSS, o Congresso Nacional aprovou lei redefinidora dos crimes previdenciários, desta feita com a fixação de penas (ausentes no art. 95 da Lei n. 8.212/1991) e delitos de informática praticados contra a Administração Pública. Provavelmente não alcançará seu desiderato: o discurso normativo é precário; o esforço inicial de combater a sonegação é arrefecido com a tipificação adotada, que não altera significativamente o comando anterior e, agora, esvazia a ação penal.

Razões para isso não são poucas. Pretender-se a prisão de devedores esbarrará em princípios da Carta Magna (art. 5º, LXVII) e produzirá oposição doutrinária. Deflagrar-se a ação punitiva antes da cristalização do crédito previdenciário no seio da Administração Pública ou na esfera civil enfrentará opiniões discordantes. Possibilidade de parcelamento e poder o inadimplente simplesmente declarar o débito fará cessar a persecutio criminis (sic).

Dificuldades operacionais para definir os penalmente responsáveis no crime societário e caracterizar o dolo são óbices à realização do animus legislatoris. E assim por diante.

Diz o art. 1º da Lei n. 9.983, de 14.7.2000, que alterou o Decreto-lei n. 2.848, de 7.12.1940 (Código Penal), e deu outras providências: "São acrescidos à Parte Especial do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, os seguintes dispositivos:"

Derivada do Projeto de Lei n. 933/1999 (mensagem do Presidente da República n. 0624/1999, recebida na Câmara dos Deputados em 13.5.1999), publicada no Diário Oficial da União de 17.7.2000, a lei modificou vários dispositivos do Código Penal (lei geral, com caráter orgânico). Tratou exclusivamente de infrações previdenciárias e de informática, definiu delitos novos, estabelecendo equiparações, reviu textos e revogou o caput, suas alíneas a/j e quatro dos cinco parágrafos do art. 95 do PCSS, em que, até 14.10.2000, contemplava os ilícitos previdenciários.

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Desde 1940, o Código Penal divide-se em Parte Geral, com oito títulos principais, e Parte Geral, cominando especificamente os delitos, em mais onze títulos. As modificações dão-se, nesse último espectro, nos: Título I - Dos crimes contra a pessoa (art. 153); Título II - Dos crimes contra o patrimônio (art. 168-A); Título X - Crimes contra a fé pública (arts. 296/97) e Título XI - Dos crimes contra a administração pública (arts. 313-B, 325, 327 e 337-B).

Auxiliar instrumental da arrecadação do INSS, a lei revitaliza conceitualmente os delitos pontuados. Revendo-os, introduziu infrações ligadas à área de informações cometidas contra a Administração Pública em geral.

Delitos consumados a partir de 15.10.2000, conforme os casos, obrigarão à representação por parte do INSS ou da Receita Federal, o que implicará a reedição dos atos normativos internos da autarquia federal ou deflagrará a iniciativa do Ministério Público com vistas ao oferecimento e recebimento da denúncia.

Diante da amplitude do texto, e da penalização severa, certamente produzirá doutrinária própria que esmiuçará a validade desse ou daquele dispositivo. Examinar-se, agora, ainda que superficialmente, a doutrina e certa jurisprudência bem atual, não será despiciendo.

272. natureza da lei - Abstraindo eventual discussão sobre repousar a Lei n. 9.983/2000 no Direito Previdenciário Penal ou no Direito Penal Previdenciário, a norma enfocada, como concebida, especialmente quando dita os termos dos §§ 2º/3º do art. 168-A e §§ 1º/2º do art. 337-A, reduz-se à condição de instrumento auxiliar da Fiscalização e Arrecadação da autarquia previdenciária. Embora auto-ridades federais tenham declarado, quando de sua divulgação pela mídia, que os sonegadores iriam para a cadeia, isso dificilmente acontecerá, pois são inúmeras as oportunidades de abortar a persecutio criminis.

Questões gerais, próprias do Direito Previdenciário Penal, devem agora ser reconduzidas, pois os tipos apresentados suscitam definições, convenções, institutos e questiúnculas ínsitas à matéria criminalística substantiva e adjetiva, a serem repassadas pela doutrina especializada nos próximos anos.

273. responsabilidade pessoal - O art. 3º da Lei n. 9.983/2000 revogou o § 3º do art. 95 do PCSS e, com isso, obriga estudar novamente a individualidade da responsabilidade, isto é, saber quem poderá ser denunciado por um ou outro dos diversos delitos. Embora prescrição legalmente ultrapassada, a exemplo do art. 86, parágrafo único, da Lei n. 3.807/1960 (LOPS), seu conteúdo continuará valendo como indicação para a determinação do autor; mesmo sem positivação, é aporte doutrinário considerável.

Antes da revogação, dizia o aludido § 3º: "Consideram-se pessoalmente responsáveis pelos crimes acima caracterizados o titular da firma individual, os sócios solidários, gerentes, diretores ou administradores que participem ou tenham participação da gestão de empresa beneficiada assim como o segurado que tenha obtido vantagens."

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Ainda que fora da esfera penal, não será demais consultar o art. 135 do CTN: "São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado." Também será oportuno lembrar o art. 10 da Lei das Sociedades Limitadas (Decreto-lei n. 3.708/1919): "Os sócios-gerentes ou que derem nome à firma não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do contrato ou da lei".

A esse respeito, Hugo de Brito Machado Segundo concluiu: "I. Os artigos 135, III, do CTN, e 10, da Lei das Sociedades Limitadas, referem-se apenas aos diretores, gerentes e administradores de pessoas jurídicas. Não se aplicam ao sócio meramente quotista, que não administra a sociedade; II - o não pagamento de um tributo pela sociedade não consiste em infração à lei praticada pelo sócio-gerente, capaz de fazer surgir a sua responsabilidade pessoal e ilimitada, como equivocadamente al-guns têm afirmado; III - é irrelevante, para a responsabilização do sócio-gerente, ter havido ou não a repercussão do tributo; IV - o sócio-gerente somente terá responsabilidade tributária pessoal e ilimitadamente quando: a) o fato gerador da obrigação tributária for praticado pela pessoa natural do sócio-gerente fora dos poderes que lhe conferem a legislação societária e o contrato social (v. g., realização de operação estranha ao objeto social); e também quando b) a obrigação validamente contraída pela pessoa jurídica não for adimplida em virtude de ato da pessoa natural do sócio, praticado com abuso dos poderes que lhe conferem a legislação societária e o contrato social (v. g., liquidação irregular da sociedade, apropriação do patrimônio da pessoa jurídica pela pessoa natural do gerente etc.)" ("Responsabilidade Tributária dos Sócios-Gerentes nas Sociedades Limitadas", in Repertório de Jurisprudência IOB, 1ª quinz., nov./2000, p. 545/549).

A apuração da responsabilidade penal no crime societário continua enfrentando enormes óbices por falta de definição legal. Numa grande organização como as sociedades anônimas, com Conselho de Administração, Diretoria Executiva, Conselho Fiscal, diretores setoriais, gerências locais e chefes de áreas laborais, é oneroso saber quem deixou de cumprir a prescrição legal.

Numa firma individual ou sociedade limitada, o problema não é menor, pois, às vezes, materialmente, a incumbência de operar o recolhimento fica nas mãos de contador ou escritório de contabilidade (onde a questão da identificação se renova). Se o empresário faz prova de que entregou o numerário para alguém e essa pessoa se apropriou do valor sem repassá-lo à Previdência Social, este último será o denunciado.

Na sociedade de quotas por responsabilidade limitada, presentes o sócio-quotista (apenas integralizou o capital) e o sócio-gerente, quem administra a empresa, a princípio, deve ser responsabilizado. Por vezes, o contrato social de composição

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da sociedade é letra morta e, de fato, o quotista gerencia ou também trabalha e, nesse caso, também poderá ser responsabilizado.

A responsabilidade penal é pessoal e intransferível. Se os participantes de uma empresa, por instrumento legal, outorgam a gestão a determinado sócio, este será o culpado (Proc. n. 96.03.006121-2, de 26.8.1997, relatado pelo Juiz Sinval Antunes, TRF, 3ª R., 1ª T., in RDDT n. 26/213).

Somente o sócio que administra a empresa pode ser penalmente responsabilizado pelo não recolhimento das contribuições sociais descontadas dos empregados (HC n. 94.03.58295-2, de 7.3.1995, rel. Juíza Salete Nascimento, TRF, 3ª R., 1ª T., in RDDT n. 4/165). Na dúvida quanto à participação de cada um dos sócios, a pesquisa deve centrar-se no sócio-gerente.

Numa sociedade comercial, é questionável precisar qual o sócio a quem imputar a culpa. Por isso, o gerente deve responder (HC n. 96.01.14320-3/TO, de 20.5.1996, relatado pelo Juiz Eustáquio Silveira, TRF, 1ª R., 4ª T., in RDDT n. 13/173). A sócia, ainda que esposa de sócio majoritário, minoritária e sem poderes de gerência de fato, não é incriminável (Apelação Criminal n. 95.03.062939-0, datada de 5.8.1997, relatada pelo Juiz Sinval Antunes, TRF, 3ª R., 1ª T., in RDDT n. 26/213).

Dirigentes de empresa devedora do INSS que figuram na direção da sociedade,

sem deter funções executivas, não são partes legítimas para responder à ação penal (HC n. 95.03.062783-4, de 31.10.1995, rel. Juiz Pedro Rotta, in DJU de 28.11.1995).

Resta evidente o sobre-esforço do investigador numa organização societária. A imputação a um ou mais dos sócios precisa cercar-se de todos os...

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