Crimes tributários e fraude à Constituição

AutorAndré Peixoto de Souza Gabriel Lemke de Paola
CargoDoutor em Direito pela UFPR / Aluno da Graduação em Direito na FD-UFPR
Páginas229-252
229
Crimes tributários e fraude à
Constituição
André Peixoto de Souza1
Doutor em Direito pela UFPR
Gabriel Lemke de Paola2
Aluno da Graduação em Direito na FD-UFPR
Resumo: Este artigo pretende demonstrar que a abordagem
adotada pelo STF no trato dos crimes tributários, sobretudo
no que diz respeito a sua tentativa de conciliá-los com a
vedação constitucional do uso da prisão como instrumento
mandamental para garantir o adimplemento de obrigações
civis, é uma abordagem dotada de caráter mais pragmático
e político-utilitário do que propriamente hermenêutico-
constitucional. Não se pronuncia, porém, sobre o problema
de saber se a solução dada pelo STF à questão foi ou não
correta. O método é a comparação de doutrinas teóricas e a
discussão de um julgado clássico.
Introdução
Um deba te de longa data na dogmática do direito penal tributário tem
sido aquele referente ao problema de saber se os crimes tributários es-
tão ou não em conformidade com os ditames do inciso LXVII do art.
5º da Constituição Federal, o qual dispõe que “não haverá prisão civil
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André Peixoto de Souza e Gabriel Lemke de Paola
por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e
inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. A discus-
são se dá em vários níveis. Em primeiro lugar, é necessário saber qual
a finalidade do dito artigo constitucional, isto é, se ele pretendia vedar
a prisão por causas tipicamente civis, entre as quais o inadimplemento
de obrigações. Deve-se também determinar quais são os bens jurídicos
protegidos pelo direito penal tributário, a fim de que se saiba se eles
são compatíveis ou incompatíveis com o referido inciso constitucional.
Ambas as questões já foram e continuam sendo amplamente discutidas
pela doutrina relevante. Não nos propomos, aqui, a encerrá-lo.
Desejamos, em verdade, determinar o porquê da atual posição do
STF sobre o tema. No HC 77.631-SC, referente ao problema da consti-
tucionalidade do inciso II do art. 2º da Lei de Crimes Tributários, o mi-
nistro Celso de Mello decidiu monocraticamente pela constitucionali-
dade, e sua resposta tem sido adotada pela jurisprudência desde então.
De fato, o dito inciso tipifica a seguinte conduta: “deixar de recolher, no
prazo legal, o valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou
cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria re-
colher aos cofres públicos”. Dentre todos os crimes tributários, esse é o
que mais inequivocamente parece ter na garantia do adimplemento da
obrigação tributária sua principal finalidade, sendo, portanto, o ponto
de culminação lógica da polêmica referente à constitucionalidade do
direito penal tributário. Em vista desta peculiaridade, desejamos deter-
minar quais foram os fundamentos teóricos da decisão positivada no
HC 77.631-SC.
Para tanto, examinaremos duas doutrinas opostas da interpretação
judicial, quais sejam, o pragmatismo e a teoria da integridade, a fim de
determinar qual dos dois conjuntos de postulados é mais consistente
com as conclusões atingidas pelo ministro no caso estudado. Feito isso,
examinaremos quatro questões doutrinárias de grande relevância para
a adequada compreensão do debate sobre o mencionado artigo, a saber,
aquelas da teoria da fraude à lei, da teoria dos direitos fundamentais,
da interpretação do inciso LXVII do art. 5º e dos bens jurídicos defen-
didos pelo direito penal tributário. Por fim, discutiremos os principais
argumentos da decisão no HC 77.631-SC, com o objetivo de identificar
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