A criminalização do doping: mais do que uma questão econômica, um problema de dignidade jurídico-penal

AutorFelipe Augusto Loschi Crisafulli - Renata Rodrigues de Abreu Ferreira
Páginas72-85
A criminalização do doping: mais do que uma questão
econômica, um problema de dignidade jurídico-penal
Felipe Augusto Loschi Crisafulli
1
Renata Rodrigues de Abreu Ferreira
2
1. Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Coimbra. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas, com menção em Direito Constitu-
cional, pela Universidade de Coimbra. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Membro
do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Advogado.
2. Doutoranda em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade
de Coimbra Especialista em Compliance e Direito Penal e em Direito Penal Econômico e Europeu, ambos pelo Instituto de Direito Penal
Económico e Europeu da Universidade de Coimbra. Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do Insti-
tuto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Advogada.
3. A despeito de ser conhecida a distinção entre doping e dopagem – o primeiro corresponderia à própria substância, a qual pode ser usada com
objetivos médicos, ao passo que a segunda estaria ligada ao alcance de alguma vantagem desportiva –, empregar-se-ão, aqui, tais termos de
modo indistinto, visto que, hoje em dia, são ambos tidos, essencialmente, como sinônimos. Para uma maior análise acerca da distinção entre
doping e dopagem: BELTRAMI, Ana Teresa Guazzelli. O Doping à Luz da Legislação Internacional e Brasileira. Revista Brasileira de Direito Des-
portivo. São Paulo, v. 6, pp. 122-127, jul./dez. 2004; RAMOS, Rafael Teixeira. Doping e o Contrato Laboral Desportivo no Direito Comparado,
Brasil-Portugal. Revista Brasileira de Direito Desportivo. São Paulo, v. 9, pp. 50-51, jan./jun. 2006.
4. Na realidade, há tipos de doping que não necessariamente proporcionam esse ganho de desempenho ao praticante desportivo – e.g., as
chamadas substâncias bloqueadoras ou agentes mascarantes, os quais são proibidos por poderem “comprometer a detecção de outras
substâncias”. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça Desportiva, Recurso Voluntário n. 286/2007, Relator Auditor Caio Cesar Vieira Rocha,
Rio de Janeiro, 14 fev. 2008.
5. Pode enxergar-se como origem mais remota do doping – não se tomando, no entanto, aqui, o termo em seu sentido desportivo – o ano
de 2.737 a. C., por meio da infusão de machuang, uma folha que contém altas concentrações de efedrina. Seus estímulos prestavam-se
a aumentar o rendimento de trabalho do indivíduo, sendo bastante utilizada entre aqueles envolvidos em grandes construções.
Adotando-se a Teoria do Criacionismo (Adão e Eva), o primeiro caso de doping teria ocorrido no Jardim do Éden, quando, instigados pela
serpente e buscando possuírem a mesma força e inteligência de Deus, Eva e Adão comeram o fruto proibido, mesmo desaconselhados
pelo Criador a fazê-lo; teria, ali, sido quebrada, pela primeira vez na história da humanidade, uma regra de cunho ético.
Em sede de mitologia, citam-se os mitos escandinavos, segundo os quais os guerreiros Berserkers aumentavam em até doze vezes a sua
força de combate, a partir do cogumelo psicoativo Amanita muscaria, cujo aparelho reprodutor possui, em baixíssima proporção, o alca-
loide quaternário tóxico muscarina, utilizado como estimulante. Após o seu consumo, tal fungo produz uma embriaguez delirante, com
estimulação parassimpática e apreciação deformada de imagens e distâncias. RAMOS GORDILLO, Antonio Sebastián. Lucha contra el
dopaje como objetivo de salud. Adicciones. Palma de Maiorca, v. 11, n. 4, p. 229, 1999.
A respeito das raízes históricas e da evolução do doping, destacando o papel da folha de coca (e outras plantas e substâncias) como
estimulante e diminuidor do cansaço para os povos indígenas americanos: RODRÍGUEZ BUENO, Cecilia. La Historia del dopaje. In:
CONSEJO SUPERIOR DE DEPORTES. Historia de Dopaje, Sustancias y Procedimientos de Control. v. I. Madri: Subdirección General de
Deporte y Salud – Servicio de Documentación, 2008. pp. 23-53.
6. SOUSA, Rainer Gonçalves. O doping na Grécia Antiga. Disponível em:
tiga.htm>. Acesso em: 29 jun. 2018.
7. Note-se, entretanto, que o escopo deste trabalho é tão-somente o doping tradicional, isto é, aquele decorrente da ingestão de substâncias
ou da utilização de métodos reputados por ilícitos (rectius: dopantes) pelos códigos desportivos antidopagem.
1. UM SINGELO INTROITO
A temática do doping3 relacionado ao desporto envolve
diversas questões de ordem ética, não apenas pelo uso de
substâncias proibidas, mas, sobretudo, pelo fato de se valer
o atleta – consciente ou inconscientemente – de um recur-
so não natural para, na maioria dos casos4, aumentar a sua
performance, atentando-se contra a honestidade e igualda-
de na competição, bem como, inclusive, gerando riscos à
sua própria saúde psicofísica.
Mundialmente reprimido, as origens do doping quase
que se confundem com a da própria atividade desportiva5.
Desde a Grécia Antiga, três quartos de século antes do nas-
cimento de Jesus Cristo, há relatos de consumo de chás e
de cogumelos por atletas que almejavam um melhor de-
sempenho6. Em Roma, diversos eram os estimulantes –
tais quais, cafeína, álcool, nitroglicerina, ópio e estricnina
–, cujo objetivo era aumentar a resistência e conferir uma
maior capacidade de extermínio. Entre as distintas modali-
dades de dopagem, “mais modernas”, que se verificam nos
dias de hoje, destacam-se, exemplificativamente, o doping
sanguíneo, o doping genético, o doping por manipulação de
hormônios e o doping por ingestão de substâncias que dopam
ou tentam fraudar uma situação7.

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