A crise do Direito do Trabalho

AutorJose Eduardo Gibello Pastore
Ocupação do AutorSócio da Pastore Advogados
Páginas160-173

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Esse texto pretende refletir sobre a crise que o Direito do Trabalho atravessa e analisar a razão pela qual seus princípios estão sendo questionados, dentre eles o princípio protetor — considerado o elemento de identificação do próprio direito trabalhista.

O fato é que nunca se questionou tanto o papel do Direito do Trabalho e sua função social. Alguns entendem mesmo que o princípio protetor deve ser revisto, já que pode inviabilizar a atividade económica da empresa, que muitas vezes não possui capacidade financeira para garantir os direitos advindos da relação de emprego. Qual seria, então, o papel do princípio protetor diante das questões económicas que se fazem presentes? É esta a questão a ser discutida aqui.

O princípio protetor do direito do trabalho

O Direito do Trabalho nasce no contexto da justiça social, por conta da desigualdade real. É inegável a influência exercida pela Igreja Católica na construção dos elementos constitutivos do Direito do Trabalho, que tiveram seu ápice nas Encíclicas Rerum Novarum (1891) e culminaram na Encíclica Laborem Exercens (1981). Também constituem elementos formadores de seus ideais socioprotetivos, de caráter humanista, as obras dos socialistas "utópicos" (SISMONDI; FOURIER; SAINT-SIMON), dos socialistas "científicos" (o Manifesto Comunista de Marx, em 1848, por exemplo) e as internacionais socialistas.

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O Direito do Trabalho, tendo sua identidade no princípio protetor, é fruto do capitalismo, mais especificamente brotando no seio da Revolução Industrial do século XVIII, na Inglaterra. Assim, pode-se identificar a génese do Direito do Trabalho, explanado no princípio protetor, carregando, irrefutavelmente, elementos antagónicos, o que irá, ao longo de sua existência, permear sua natureza, finalidade e características. O princípio protetor nasce justamente por conta da falta de proteçao laborai para os trabalhadores inseridos no contexto da Revolução Industrial.

É, pois, no contexto da desigualdade que nasce o Direito do Trabalho. Decorrente desta premissa, surge a necessidade de regulamentar as causas das desigualdades laborativas, por meio de normas cogentes, mas sem antes instituir seus princípios. Neste âmbito emerge o princípio protetor.

Como bem pondera o Professor Amauri Mascaro Nascimento (Iniciação ao direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2011. p. 111), princípios existem e devem ser aplicados. Eis a questão a ser considerada. Quando um princípio é questionado, indaga-se sobre sua efetividade. Se são autoaplicáveis, seguindo a linha da autoaplicabilidade dos direitos sociais, o que fazer quando se constata sua não concretização empírica, a despeito de sua determinação formal, e se buscar, justamente por sua eficácia negativa, a superação deste paradoxo? Como um princípio pode, apesar de autoaplicável, não se concretizar na realidade? É exatamente isso que ocorre atualmente com o princípio protetor do Direito do Trabalho.

Nasce daí outra indagação: qual a função de um princípio? Quem responde à questão é José António Ramos Pascua, quando afirma que:

Em suma, os princípios jurídicos, ainda que plasmados nas normas e instituições jurídico-positivas e coerentes com as mesmas, têm sua raiz (e seu desenvolvimento) no âmbito das valorações ético-políticas; quer dizer, são partículas do ambiente moral de cada sociedade. Por esta razão, quando o operador jurídico faz uso dos mesmos, o Direito se autointegra e se heterointegra ao mesmo tempo. Autointegra-se porque aplica elementos implícitos no direito positivo e se heterointegra porque a correta aplicação de tais elementos presente em germe no direito não seria possível sem indagar-se seu autêntico sentido, coisa que exige reconstruir o conjunto do qual fazem parte: o conjunto de valorações ético-políticas imperantes na sociedade de que se trata (El fundamento dei rigor de los princípios. Dworkin frente a Esser. In: Anuário de Filosofia dei Derecho, IX, p. 269-290, 1992).

Na esteira do que foi ponderado pelo jurista, notamos a autoaplicabilidade dos direitos sociais, na Declaração da Organização Internacional do Trabalho —

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OIT, sobre os princípios e direitos fundamentais no trabalho, cuja adoçao foi feita na octogésima Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, em 18 de junho de 1988, reafirmando o compromisso dos Estados-membros e da comunidade internacional em geral, de respeitar, promover e aplicar de boa-fé os princípios fundamentais e direitos no trabalho. 0 objetivo é garantir proteções sociolegais no campo trabalhista. Nesse sentido, deixa claro a OIT que o progresso social deve ser uma composição de crescimento económico e progresso social, sendo que um não pode estar dissociado do outro. Eis aí seus aspectos de valoração ético-política, o que provoca naturalmente a inclusão sociolaborativa. Inegável, então, a importância dos princípios nesse contexto.

Estamos aqui tratando de um elemento constituinte do próprio Direito do Trabalho. Mas será que atualmente estão sendo observados e efetivados em nosso País os princípios protetores desse direito, mesmo na relação de emprego devidamente formalizada e representada pela Consolidação das Leis do Trabalho? E se não estão, por quê? Por conta dessa reflexão pode-se dizer que existe uma crise do próprio Direito do Trabalho? Uma crise principiológica, assim considerada, implica questionar o próprio papel do Direito do Trabalho enquanto meio eficaz de promover o trabalho economicamente protegido e socialmente justo.

Como dissemos, o Direito do Trabalho e o próprio princípio protetor nascem sob a égide da desigualdade real, uma vez que oriundos no seio do sistema capitalista de geração de riqueza e renda, que, essencialmente, provoca a desigualdade real. Tanto a OIT e, historicamente, a Igreja Católica, identificam a desigualdade laborai preconizando que, por conta desta desigualdade, deve o Direito do Trabalho proteger aquele que se encontra em condição de fragilidade — o trabalhador empregado.

O princípio da proteção, portanto, remete ao princípio da igualdade, emergindo o princípio da isonomia. Pode-se dizer que a busca da igualdade real é o mote do Direito do Trabalho, que sempre se debruçou nestes aspectos. Uma igualdade objetiva, profundamente identificada com a desigualdade fática daquele que atua em ambiente que lhe é naturalmente hostil e, porque não considerar, injusto e opressor, o empregado. Sim, pois a inserção do trabalhador no sistema económico capitalista implica impingir-lhe uma situação de desigualdade. Quase, por assim dizer, uma desigualdade natural.

Diante do inexorável poder económico, representado por aquele que detém o capital, não pode o empregado entender-se no mesmo pé de igualdade, nem em direitos nem tampouco em deveres. E o Direito do Trabalho, alicerçado fortemente na doutrina Cristã e, posteriormente, em organismos internacionais sensíveis a esta questão, especialmente a OIT, não silencia: ao contrário, procura, a fim de promover sua missão medular, espraiar a justiça social no contexto do

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trabalho naturalmente desigual, tratando desigualmente situações desiguais e igualmente situações iguais — considerando, para tal, também os aspectos económicos advindos desta condição.

Exatamente neste sentido, Cintra, Grinover e Dinamarco afirmam que:

A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo, eliminar a desigualdade económica; por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva da isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo Estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos...

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