Crise não autoriza redução de salário sem participação de sindicato

A Constituição, como norma fundamental, não deve vigorar e ter efetividade apenas em épocas de bonança e normalidade, mas também, e especialmente, em períodos de crise, dificuldade e excepcionalidade.

Apesar da terrível pandemia decorrente do coronavírus, que assola a humanidade, com graves impactos na saúde, na economia e na sociedade, as normas constitucionais não podem ser deixadas em quarentena, nem lançadas em segregação compulsória.

A Constituição não é mero documento simbólico de intenções, não está morta e não pode ser descumprida, mesmo mediante argumentações que resultem na defesa de que os fins, ainda que louváveis, justificariam os meios, se estes não são aceitos pelo sistema constitucional. Eventuais alegações sobre a realidade fática não servem de justificativa para a violação do dever ser estabelecido pela ordem jurídica constitucional[1], sob pena de se caminhar para a instauração de regime de exceção.

No Estado Democrático de Direito, o devido processo legal substancial impõe às atividades legislativa, administrativa e jurisdicional que o comando constitucional, ao excepcionar certa determinação, seja respeitado, independentemente de quem o aplica e de sua percepção subjetiva a respeito da matéria.

É o que ocorre quanto ao direito fundamental de irredutibilidade de salário, que, segundo regra constitucional expressa, apenas pode ser ressalvado, justamente em situações excepcionais, como a atual, por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho (artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988)[2]. Não há outros preceitos jurídicos em colisão na disciplina dessa questão específica, os quais não se confundem com opiniões pessoais a respeito do que seria melhor para enfrentar os períodos de crise.

O meio constitucionalmente legítimo para a redução de salário, ainda que acompanhada de redução de jornada de trabalho (artigo 7º, inciso XIII, da Constituição da República), em qualquer circunstância, é a negociação coletiva[3], na qual, em regra, é obrigatória a participação dos sindicatos (artigo 8º, inciso VI, da Constituição Federal de 1988)[4].

Desse modo, ainda que o fim almejado seja a manutenção de empregos em situações de pandemia e de força maior, evitando-se dispensas individuais e coletivas de trabalhadores, a redução salarial deve respeitar o devido procedimento constitucionalmente estabelecido, que é a negociação coletiva de trabalho, e não o acordo individual[5].

Apesar do exposto, o...

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