A crise que não se parece com nenhuma outra: reflexões sobre a 'corona-crise'

AutorJosé Alvaro de Lima Cardoso
CargoDepartamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos, Escritório Regional de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
Páginas615-634
615
A crise que não se parece com nenhuma outra:
reflexões sobre a “corona-crise”
A crise que não se parece com nenhuma outra: reflexões sobre a “corona-crise”
Resumo: O objetivo deste artigo é aprofundar o debate sobre a crise econômica mundial, que já vinha se configurando, mas que foi
imensamente catalisada pela crise do Covid-19. A análise, amparada em dados de instituições especializadas, procura, a partir dos
indicadores da crise global, fazer sempre o contraponto com o Brasil. Uma das conclusões em destaque no texto é a de que a crise atual,
também chamada de “corona-crise”, é uma das mais relevantes da história, e já supera a Grande Depressão de 1929, especialmente na
velocidade com que a economia mundial se deteriora. Nesta crise, a piora dos indicadores macros econômicos e sociais, que nos anos de
1930, se desenvolveram em três anos, ocorreu em três semanas. O artigo também constata que o Brasil enfrenta um somatório de crises
simultâneas, que se influenciam mutuamente.
Palavras-chave: Crise. Econômica. Internacional. Desemprego. Depressão.
Recebido em 08.05.2020. Aprovado em 15.06.2020. Revisado em 02.07.2020.
ESPAÇO ESPECIAL
© O(s) Autor(es). 2020 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons
Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR),
que permite copiar, distribuir e reproduzir em qualquer meio, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material,
desde que para fins não comerciais e que você forneça o devido crédito aos autores e a fonte, insira um link para a Licença
Creative Commons e indique se mudanças foram feitas.
1 Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio Econômicos, Escritório Regional de Santa Catarina, Florianópolis, SC,
Brasil
José Álvaro de Lima Cardoso 1
https://orcid.org/0000-0001-5962-2056
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592020v23n3p615
R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 615-624, set./dez. 2020 ISSN 1982-0259
616
Introdução
Este artigo traz inicialmente uma análise do desenvolvimento das crises (econômica e sanitária) nos
diversos países do mundo, objetivando entender a gravidade do problema e a forma como os vários governos o
estão enfrentando. O mundo atravessa hoje o que alguns economistas denominaram de “corona-crise”. A
brutal crise econômica em curso, comparável à Grande Depressão de 1929, não foi causada, e sim acelerada
pela pandemia do Covid-19. Esta já é a maior crise econômica e financeira global desde os anos de 1930, e foi
denominada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) de “great lockdown”. Se esta crise ainda não superou
a de 1929 (é difícil ser categórico, em face da escassez de indicadores comparáveis entre uma crise e outra),
a julgar pela velocidade dos acontecimentos, irá superá-la.
Do ponto de vista médico essa crise é muito grave. Um grupo de pesquisadores da Escola de Saúde
Pública da Universidade Harvard1, chegou à conclusão de que os esforços de distanciamento social para evitar
o colapso hospitalar diante da pandemia de covid-19 podem ser necessários, ao menos de modo intermitente,
até 2022. No mundo todo, a pandemia está longe de ser “democrática”, como desejariam alguns. É óbvio que
quem morre são os mais pobres. As classes médias estão sendo atingidas, mas os grupos vulneráveis economi-
camente são os mais impactados e respondem pelo grosso das mortes. Estima-se que um quarto da população
mundial vive em favelas. No Brasil são 13,6 milhões nessa condição. Isso significa que, muitas vezes, oito ou
nove pessoas, se amontoam em um, ou dois cômodos. Nessa condição é impossível evitar a aglomeração de
pessoas, sair para a rua acaba sendo inevitável.
A partir desse olhar sobre o que acontece no mundo, procuramos analisar um pouco o quadro no Brasil, que
atravessa uma crise política e econômica dramáticas. A crise brasileira atual é muito grave, porque sintetiza:
a) crise econômica mundial inusitada;
b) crise dramática da economia brasileira: país vem de três anos de estagnação, após dois anos de brutal
recessão (2015/2016). Recessão muito piorada pelo golpe de Estado de 2016;
c) uma pandemia que já é a mais grave do último século;
d) crise política aguda, com grande polarização na sociedade.
Essa conjunção de crises acontece no momento em que o Brasil tem o pior governo da história: o mais
entreguista e o mais servil a interesses geopolíticos gigantescos. Um governo que pretende inviabilizar o país
enquanto nação e que planeja destruir completamente a soberania brasileira, entregar a Amazônia, a nossa
fronteira marítima. Que está destruindo a ciência nacional, sucateia as universidades federais e os Institutos
Federais, cortou o orçamento científico em mais de 60%. A lista de atrocidades cometidas a partir do golpe de
2016, que foi muito aumentada neste governo, é muito longa.
Em decorrência dessa combinação macabra, o Brasil é o caso mais problemático do mundo, no que se
refere ao enfrentamento da pandemia e está se tornando o epicentro mundial da doença, rapidamente. É que o
controle da pandemia pressupõe foco, estratégia e planejamento, além de compromisso com o bem-estar da
população, elementos absolutamente estranhos a esse governo, em todas as áreas.
Neste texto, inicialmente abordamos a crise econômica no mundo, procurando analisar como os diversos
países têm procurado enfrentá-las, verificando as diferenças e semelhanças na abordagem do problema. Num
segundo momento analisamos brevemente a situação da economia estadunidense, em função do peso que tem
na economia mundial e do fato de que, na condição de cabeça dos países imperialistas, suas ações têm sempre
grande repercussão mundial.
Posteriormente, trazemos alguns elementos que ilustram a gravidade da crise no mundo e as opções de
enfrentamento adotadas nos diferentes países. Em seguida, analisamos o caso brasileiro, que, no momento,
enfrenta o que se pode denominar de “tempestade perfeita”. Finalmente, como notas conclusivas, procuramos
refletir sobre algumas tendências gerais no mundo, nos aspectos econômicos e políticos.
Crise econômica espalhada no mundo
A previsão do FMI2 é que o Produto Interno Bruto (PIB) da economia global cairá 3% em 2020. Para
efeitos comparativos, a recessão da crise financeira global de 2008 registrou um recuo do PIB de -0,1% em
2009. Com esses números de queda do produto global pode-se imaginar o que isso significará em termos de
elevação da pobreza e da fome no mundo.
Na previsão do FMI o comércio internacional apresentará queda de volume em -11% em 2020. O
relatório estima ainda que dos 189 países no mundo 170 terão queda na variação do PIB, o que revela a
abrangência da crise atual. Os preços das commodities caíram dramaticamente em função da retração da
demanda. O retrocesso maior está sendo por conta do petróleo, que teve queda sem precedentes do consumo:
R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 3, p. 615-624, set./dez. 2020 ISSN 1982-0259
José Álvaro de Lima Cardoso

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT