O critério material das regras-matrizes de incidência do ICMS-Mercadoria e do ISS

AutorMaria Ângela Lopes Paulino Padilha
Páginas265-329
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2. O CRITÉRIO MATERIAL DAS
REGRAS-MATRIZES DE INCIDÊNCIA
DO ICMS-MERCADORIA E DO ISS
Alicerçados no contexto normativo vigente, propomos,
no desenrolar deste capítulo, definir os conceitos dos termos e
expressões enunciadas pelo constituinte na outorga das com-
petências aos Estados e aos Municípios para criar, respectiva-
mente, o ICMS-Mercadoria e o ISS, demarcando o conjunto
de eventos que podem ser qualificados como “operações rela-
tivas à circulação de mercadorias” e “prestação de serviços”.
Para tanto, torna-se indispensável recorrermos à esque-
matização lógico-semântica da regra-matriz de incidência
tributária que, como ferramenta metodológica para pensar o
direito, permite-nos delimitar, com maior precisão, o campo
nuclear dessas incidências normativas.
2.1 O percurso para a construção de sentido dos textos
jurídicos e as normas jurídicas em sentido amplo
e sentido estrito
As normas jurídicas resultam da tomada de consciên-
cia acerca do fenômeno jurídico a partir da leitura dos tex-
tos legislados. São construções semânticas alcançadas pelo
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MARIA ÂNGELA LOPES PAULINO PADILHA
intérprete que, em contato com a linguagem do direito po-
sitivo, passa a formular noções e juízos sobre os enunciados
jurídicos, conforme seu sistema de referência.
O trajeto percorrido para a construção de sentidos dos
textos jurídicos inicia-se no plano da expressão, exteriorizado
pelos documentos legislativos (S1). Em contato com a litera-
lidade textual ingressa o exegeta no universo dos conteúdos,
adjudicando significações isoladas às orações prescritivas, cuja
sentença é considerada na sua individualidade e sem qualquer
forma específica de agrupamento lógico (S2). Ato contínuo, es-
sas significações isoladamente produzidas são contextualiza-
das, confrontadas com outras, para edificar juízos hipotéticos-
-condicionais de sentido deôntico completo, simbolizados na
seguinte fórmula proposta por Hans Kelsen: D(HC), a qual
interpreta-se “Se o antecedente, então deve-ser o consequen-
te”, em que significações construídas no plano anterior reali-
zam a hipótese, implicando significações que realizam a con-
sequência (S3). Por fim, essas unidades completas de sentido,
hábeis a orientar definitivamente a conduta, são articuladas
em relações de coordenação e subordinação para a composição
da forma superior do sistema jurídico (S4).313
As diferentes acepções de norma jurídica empregadas
pelos teóricos do direito fundam-se, especialmente, por se re-
ferirem a ela como as unidades contempladas nos 4 (quatro)
subsistemas interpretativos acima explicitados (S1, S2, S3, S4).
Assim, norma jurídica é designada como enunciado prescriti-
vo314 se tomada no plano da expressão (S1); como proposição ju-
rídica315 quando concebida no plano das significações isoladas
313. Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: Linguagem e Método. 6.
ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 192-197.
314. Enunciado prescritivo: é o dado material/físico do Direito (palavras, vocábulos,
frases), produto da enunciação. Trata-se do conjunto de fonemas ou de grafemas
que, obedecendo a regras gramaticais de determinado idioma, tornam possível a
comunicação da mensagem isolada.
315.
Proposição prescritiva: são os conteúdos significativos construídos isoladamente a
partir dos enunciados prescritivos (oração). Aurora Tomazini de Carvalho classifica as
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TRIBUTAÇÃO DE SOFTWARE
(S2); e, com base no plano das significações estruturadas com
sentido deôntico completo (S3), que mantêm entre si relações
de subordinação e coordenação (S4), é também designada
como norma jurídica em sentido estrito316. Esta última, formula-
da pelo exegeta com sentido prescritivo completo, mediante a
combinação de proposições jurídicas, expressa “a unidade mí-
nima e irredutível de manifestação do deôntico”, de que devem
se revestir os comandos jurídicos para que sejam adequada-
mente cumpridos pelos seus destinatários.
Posta nesses termos, podemos definir norma jurídica (i) em
sentido amplo, que compreende tanto os enunciados prescriti-
vos quanto as proposições jurídicas, como também as significa-
ções com estrutura lógica de um juízo hipotético-condicional;
e (ii) em sentido estrito, consistente nestas últimas significações
de sentido deôntico completo, em cujo antecedente (hipóte-
se) tem-se a proposição de natureza descritiva, apontando as
propriedades do enunciado factual, às quais deve atender ao
evento do plano concreto, e, no consequente, localiza-se a pro-
posição de natureza prescritiva, definindo, conotativamente, os
critérios para a identificação da relação jurídica.
Na organização formal da unidade normativa em senti-
do estrito, percebe-se que há dois nexos relacionais, sempre
de caráter deôntico: (i) o vínculo interproposicional, operado
pelo functor deôntico neutro e denominado functor-do-func-
tor (D), interligando as proposições antecedente e conse-
quente da norma jurídica; e (ii) o vínculo intraproposicional,
cujo operador deôntico, modalizado nas formas obrigatório,
proposições prescritivas, segundo o critério da posição que cada uma ocupará na com-
posição da estrutura normativa, em: “(i) nucleares do fato; (ii) espaciais; (iii) tempo-
rais; (iv) de sujeitos: (iv.a) ativo e (iv.b) passivo; e (v) nucleares da conduta prescrita”
(CARVALHO, Aurora Tomazini. Curso de Teoria geral do direito: o constructivismo ló-
gico-semântico. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2014, p. 353).
316. Tanto a proposição quanto a norma jurídica em sentido estrito consubstanciam
significações. Porém, a primeira é incompleta, do ponto de vista deôntico, enquanto
que a segunda prescreve conduta de forma completa. Em relação à norma jurídica
em sentido estrito, constrói-se o sentido do texto positivado, inserido em um con-
texto jurídico.

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